Para agendar a Defesa de Tese:
A Defesa de Tese deve ser agendada no sistema SIGA (DAC/UNICAMP), através de uma série de procedimentos que podem ser observados no Manual de Defesa de Dissertação/Tese - clique aqui.
Provocadoras e controversas, as afirmações públicas e privadas de Nietzsche sobre o niilismo, assim como seu professado perspectivismo, continuam a inspirar debates filosóficos. O advento do niilismo é descrito por Nietzsche como uma catástrofe em direção a qual a cultura europeia está há muito tempo se movendo; a ascensão do niilismo denota um processo de exaustão, a perda de validade e força vinculante dos valores supremos da cultura europeia, dentre os quais a “verdade” aparece com destaque. Uma relação aguda conecta niilismo e perspectivismo no pensamento nietzschiano, uma vez que o surgimento do segundo depende do ocaso que se anuncia pelo primeiro: se estamos no horizonte do infinito, que é também o horizonte do perspectivismo, é porque se apagou aquela linha do horizonte que, sob o sinóptico nome de Deus, arrogava-se como incondicional, absoluta, universal. Nesta tese defendo uma interpretação da filosofia de Nietzsche segundo a qual o colapso da Europa, sendo também sua grande realização, sua Selbstaufhebung, traz consigo a impossibilidade de se recusar a existência e validade de infinitas outras interpretações ou perspectivas, diversas em relação àquela que, na Europa, firmara-se como única, seja ela dita humana ou apenas judaico-cristã. Assim, defendo que a filosofia, a partir de Nietzsche, passa a ser uma atividade necessariamente intercultural, isto é, passa a dar-se necessariamente a partir de um horizonte de interculturalidade. Experimentalmente, por meio de excursos, conecto esta interpretação da filosofia nietzschiana com reflexões teóricas advindas da antropologia (especialmente da obra de Eduardo Viveiros de Castro) e do pensamento indígena (especialmente pela mediação da obra A queda do céu de Davi Kopenawa e Bruce Albert), buscando mostrar como estas interlocuções iluminam e fazem frutificar o pensamento nietzschiano de modo inesperado e filosoficamente instigante, tanto mais quando se considera – e esta é a principal proposição defendida nesta tese – que a própria filosofia de Nietzsche tem como consequência essa abertura de horizontes, ou o descerramento de uma filosofia da interculturalidade.
Esta pesquisa examina a evolução do pensamento de João Filopono a partir de sua atuação como comentador do Livro IV da Física de Aristóteles, com foco no trecho conhecido como Corolário sobre o Lugar. Considera-se que, embora formado na tradição neoplatônica da escola de Amônio, Filopono já manifestava divergências conceituais com o aristotelismo antes da ruptura oficial com a escola, tradicionalmente situada no ano de 529 d.C. O trabalho propõe que o comentário e o corolário, apesar de distintos em sua forma, compartilham uma unidade filosófica em torno da crítica à definição de lugar como limite. Filopono contrapõe a essa definição a concepção de lugar como extensão tridimensional. A metodologia adotada envolve a análise textual do comentário e do corolário, em cotejo com o texto aristotélico e com apoio de bibliografia secundária especializada. O estudo inclui ainda a tradução do corolário a partir da edição latina de 1558, com base comparativa em uma tradução inglesa, acompanhada de notas críticas. A proposta é contribuir para o entendimento da posição original de Filopono no debate antigo sobre a física do lugar e do vazio.
Diversas correntes teóricas que se reivindicam marxistas postularam uma suposta superação histórica do pensamento de Marx. Segundo esses intérpretes, o capitalismo teria assumido uma dinâmica distinta daquela prevista pelo filósofo alemão, resultando na perda da centralidade do fator econômico como elemento determinante na reprodução das relações de produção capitalistas. Nesta perspectiva, Marx teria supostamente negligenciado a emergência de novos fatores - particularmente os mecanismos ideológicos de reprodução das relações de dominação, com destaque para o Estado enquanto administrador do capital - que teriam adquirido primazia sobre a esfera econômica. O presente trabalho de pesquisa tem como objetivo central examinar, no âmbito do debate marxista contemporâneo, as obras de alguns desses teóricos que sistematizaram concepções específicas sobre o Estado capitalista, analisando seus principais argumentos. Posteriormente, propomo-nos a empreender uma leitura dialética rigorosa dos textos marxistas, visando avaliar em que medida a acusação de omissão quanto a uma teoria suficientemente desenvolvida do Estado capitalista encontra sustentação na obra do filósofo alemão. Partimos do pressuposto metodológico de que é possível, mediante uma exposição dialética consistente, reconstituir a categoria Estado desde os primeiros textos da fase madura de Marx, marcada pela ruptura com a filosofia de Feuerbach, até a sua última e mais importante obra O Capital.
A presente tese dedica-se à investigação de um problema teórico-clínico autoimposto por Jacques Lacan em seu ensino: a lógica da fantasia. Esse empreendimento adquire centralidade a partir do Seminário 14: A Lógica da Fantasia, no qual Lacan propõe uma estruturação formal através da escrita do matema ($◇a), articulando os operadores sujeito ($), punção (◇) e objeto a. A complexidade dessa proposta intensifica-se pelo entrelaçamento crítico com os fundamentos freudianos, revisitados por Lacan a partir de uma epistemologia heterogênea, ampliando os impasses em torno da sustentação teórica e da implicação clínica dessa lógica.
A partir desse campo de tensão, surgem os seguintes questionamentos: (1) De que lógica se trata? (2) Por que estabelecer tal lógica, quais seus limites e qual a importância teórica e clínica derivada desse empreendimento?
O objetivo central da tese é retraçar os fundamentos dessa lógica, explorando sua pertinência clínica e sua capacidade de articular e integrar eixos fundamentais da teoria lacaniana concernentes à fantasia — a saber: os processos de constituição do sujeito, as dinâmicas de alienação e repetição, e os efeitos próprios da práxis e do discurso analítico. Defende-se, assim, a hipótese de que a lógica da fantasia condensa esses três eixos — nos quais a fantasia é um operador fundamental — e que, em última instância, essa lógica expressa os processos de alienação e desalienação.
A tese organiza-se em três estádios interrelacionados, distribuídos em duas partes. O primeiro momento propõe uma genealogia da noção de fantasia, examinando as principais formulações na teoria psicanalítica e as críticas advindas da leitura lacaniana. O segundo momento é formal: dedica-se à análise da proposta lógica do matema, decorrente das críticas lacanianas. O terceiro momento é ético-político, abordando as implicações da lógica da fantasia no ato analítico, na ética e na política da psicanálise. Esses momentos, embora distintos, não se organizam de forma linear, entrecruzando-se ao longo do desenvolvimento da tese.
A primeira parte, intitulada Da pluralidade ao matema: por que elevar a fantasia à condição de estrutura?, justifica teórica e clinicamente o recurso à formalização, analisando o matema ($◇a) como proposta conceitual operatória. Essa elaboração é acompanhada por uma crítica à tendência de reduzir a fantasia à esfera do imaginário, comum em outras vertentes da psicanálise. A lógica da fantasia é concebida como um dispositivo teórico paradigmático, que permite apreender sua articulação com o real, o simbólico e o imaginário.
A segunda parte, Do esquema à pluralidade: fantasia, ato analítico e política da psicanálise, explora as implicações da lógica da fantasia na clínica e nos processos de subjetivação. Utilizam-se aqui formalizações lacanianas, vinhetas clínicas e referências literárias e cinematográficas. Propõe-se ainda o esquema a (esquema da alienação) como operador formal que articula: (1) a inscrição da fantasia nos registros RSI, distinguindo a perspectiva lacaniana de outras abordagens; (2) a permutação entre esquemas como estratégia para lidar com impasses conceituais no ensino de Lacan; (3) a articulação entre lógica da fantasia, ato analítico e ética da psicanálise, contemplando seus condicionantes políticos e epistêmicos.
Metodologicamente, a tese adota um percurso em espiral, atravessando diferentes momentos do ensino de Lacan sem restringir-se a um único período. Deliberadamente, não se avança sobre a formulação do nó borromeano, central nos anos 1970, concentrando-se em outras formalizações — esquemas, matemas, grafo do desejo — que operam como ferramentas teóricas fundamentais para a articulação proposta.