Para agendar a Defesa de Tese:
A Defesa de Tese deve ser agendada no sistema SIGA (DAC/UNICAMP), através de uma série de procedimentos que podem ser observados no Manual de Defesa de Dissertação/Tese - clique aqui.
Provocadoras e controversas, as afirmações públicas e privadas de Nietzsche sobre o niilismo, assim como seu professado perspectivismo, continuam a inspirar debates filosóficos. O advento do niilismo é descrito por Nietzsche como uma catástrofe em direção a qual a cultura europeia está há muito tempo se movendo; a ascensão do niilismo denota um processo de exaustão, a perda de validade e força vinculante dos valores supremos da cultura europeia, dentre os quais a “verdade” aparece com destaque. Uma relação aguda conecta niilismo e perspectivismo no pensamento nietzschiano, uma vez que o surgimento do segundo depende do ocaso que se anuncia pelo primeiro: se estamos no horizonte do infinito, que é também o horizonte do perspectivismo, é porque se apagou aquela linha do horizonte que, sob o sinóptico nome de Deus, arrogava-se como incondicional, absoluta, universal. Nesta tese defendo uma interpretação da filosofia de Nietzsche segundo a qual o colapso da Europa, sendo também sua grande realização, sua Selbstaufhebung, traz consigo a impossibilidade de se recusar a existência e validade de infinitas outras interpretações ou perspectivas, diversas em relação àquela que, na Europa, firmara-se como única, seja ela dita humana ou apenas judaico-cristã. Assim, defendo que a filosofia, a partir de Nietzsche, passa a ser uma atividade necessariamente intercultural, isto é, passa a dar-se necessariamente a partir de um horizonte de interculturalidade. Experimentalmente, por meio de excursos, conecto esta interpretação da filosofia nietzschiana com reflexões teóricas advindas da antropologia (especialmente da obra de Eduardo Viveiros de Castro) e do pensamento indígena (especialmente pela mediação da obra A queda do céu de Davi Kopenawa e Bruce Albert), buscando mostrar como estas interlocuções iluminam e fazem frutificar o pensamento nietzschiano de modo inesperado e filosoficamente instigante, tanto mais quando se considera – e esta é a principal proposição defendida nesta tese – que a própria filosofia de Nietzsche tem como consequência essa abertura de horizontes, ou o descerramento de uma filosofia da interculturalidade.
A tese investiga a trajetória de Helios Aristides Seelinger (Rio de Janeiro, RJ, 1878 – Rio de Janeiro, RJ, 1965) ao longo da Primeira República (1889-1930), período de sua formação e consolidação como um pintor moderno no meio artístico brasileiro. A partir da análise de obras exibidas em circuitos artísticos, da recepção crítica na imprensa e de sua inserção em redes de sociabilidade, reconstitui-se sua atuação com base em pesquisas em coleções públicas e privadas, arquivos institucionais e pessoais, e periódicos da época. O foco em Seelinger permite compreender as estratégias individuais mobilizadas por artistas diante das ambivalências em torno do conceito de arte moderna no período. A tese propõe uma revisão crítica da historiografia da arte no Brasil, destacando a pluralidade de experiências modernas e os embates em torno da definição e do controle do valor moderno no campo artístico da Primeira República.
A presente pesquisa tem como objetivo pensar a operação de um sindicato patronal de moda, a Chambre Syndicale de la Haute Couture (CSHC), no contexto de globalização. Existente desde 1868, atualmente a CSHC representa as maiores marcas de luxo do mundo, é gerida por representantes de conglomerados e coordena as semanas de desfiles na capital francesa. Primeiramente, será demonstrado que as fronteiras que envolveram a fundação do sindicato foram essenciais para a formação de uma produção de roupas sob medida específico nas primeiras décadas do século XX. Dialogando com as contribuições de Pierre Bourdieu, será visto que tal produção sob medida foi construído como distinto perante as outras formas de se produzir roupas, e distintivo para quem o utilizava. Após disso, será apresentado que, à medida em que o Estado francês atravessa a CSHC em vários momentos de sua história, e principalmente em meados do referido século, ele se revela como agente central no estabelecimento da nomenclatura Alta Costura e na legitimação do sindicato perante os outros agrupamentos do tipo. Considerando as contribuições de Valerie Steele e Diane Crane, também será explorado como a presença do Estado consolida a referência à França como uma característica da atividade. Pensando nas últimas décadas do século XX, levando em conta a multiplicação de centros de moda e outras formas de se produzir peças de roupas, será analisada a crise pela qual a CSHC e a Alta Costura passam. Destarte, se até então as ações do sindicato eram restritas ao espaço internacional, a partir das décadas finais do século XX, ele precisará atender um mercado global que, como demonstra Octavio Ianni e Renato Ortiz, se estabelece em tal período. Considerando isso, serão exploradas como as adaptações e redefinições da Alta Costura e CSHC visaram manter suas características de distinção em um mercado globalizado, na virada do século XX para o século XXI. Nessa mesma época, alguns conglomerados de luxo já haviam comprado algumas maisons, o que será interpretado a partir da ideia de economia do enriquecimento de Boltanski e Esquerre. Por fim, a atenção será voltada para o fato de que, mesmo em tal contexto, a referência à França continua sendo mobilizada pela CSHC falar da Alta Costura. Será defendido, a partir de Nicolau Netto e Saskia Sassen, que apesar de essa francesidade ser representada e/ou experimentada como algo nacional, ela deve ser interpretada menos como uma forma de denotar um vínculo geográfico e mais como um elemento que distingue a atividade, a partir de uma referência à França. Em seguida, será identificado, com base na atualização de Larissa Buchholz da teoria bourdiesiana, um campo global da moda. Reunindo as descobertas realizadas até então, bem como as contribuições mencionadas, concluir-se-á que, se em termos práticos, a CSHC tentou impor a Alta Costura como referência estética da indústria desde o início do século XX, em termos objetivos o sindicato seria um dos agentes dominantes na disputa pela definição de moda legítima no globo.
Esta dissertação analisa os processos de arquivamento de estudos de tombamento no Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (CONDEPHAAT) entre 1982 e 2020, investigando como esses arquivamentos participam ativamente da construção da memória oficial através da produção do "não-patrimônios". A pesquisa parte do pressuposto de que o arquivamento, longe de ser um mero procedimento burocrático, constitui um mecanismo fundamental das políticas patrimoniais, operando como contraponto à patrimonialização. Através da análise de três estudos de caso – o Cine Teatro de São Miguel Arcanjo, o Cine São Miguel em Garça e o Terreiro de Candomblé Santa Bárbara em São Paulo – a investigação examina os discursos, práticas e tensões que caracterizam o que denominamos "retórica do arquivamento". O objetivo central é compreender como os processos de despatrimonialização operam nas políticas culturais paulistas, identificando padrões, contradições e disputas que permeiam as decisões sobre o que não deve ser preservado. Metodologicamente, a pesquisa fundamenta-se na análise documental dos processos administrativos de tombamento arquivados, complementada por pesquisa bibliográfica sobre patrimônio cultural, memória e políticas públicas. Os resultados revelam que o arquivamento de processos de tombamento segue padrões recorrentes, incluindo: a prevalência de critérios técnicos sobre valores afetivos e memoriais; a transferência de responsabilidades entre diferentes instâncias administrativas e a descaracterização física como justificativa para a não-preservação. No caso dos cinemas de rua, observa-se como a despatrimonialização acompanhou transformações econômicas e culturais mais amplas, resultando no apagamento de importantes espaços de sociabilidade urbana. Já no caso do Terreiro de Candomblé, evidencia-se como as hierarquias culturais e raciais influenciam as decisões sobre o que constitui patrimônio, com a aceitação mais fácil do registro imaterial em contraste com a resistência ao tombamento material. A pesquisa conclui que a análise dos processos arquivados oferece uma perspectiva privilegiada para compreender as lógicas de exclusão que operam nas políticas patrimoniais. Ao visibilizar o "não-patrimônio", a dissertação contribui para uma compreensão mais crítica e abrangente das políticas de preservação, revelando como estas participam ativamente da construção de narrativas sobre identidade, memória e pertencimento.