"A linhagem"
No congresso nacional da ANPUH de 2005, num dia frio em Londrina, fui apresentada a um célebre professor da área de história colonial do Brasil como "Mariana Françozo, aluna do John Monteiro, ela está fazendo doutorado sobre...". Antes que a nossa colega Cristina Pompa pudesse terminar a frase, o famoso historiador exclamou: "Ah! Mais uma da linhagem." Cristina e eu, ambas alunas de John, achamos engraçado e contamos o episódio a ele. John, com sua inteligência fina e perspicaz, logo decidiu que seria então este um bom título para o grupo de seus orientandos e ex-orientandos, e inventou o jantar anual da linhagem, promovido por ele nos congressos nacionais de história e de antropologia de que participávamos.
Posteriormente, em uma pizzaria em Barão Geraldo, quando um de seus orientandos propôs que esse grupo de orientandos se chamasse "os Johnzetes"... John fez sua cara de surpresa e esclareceu: Não, vocês fazem parte da minha linhagem.
Lembramos que, na Anpuh de Fortaleza, ele saiu pela sala distribuindo um convite ao pé do ouvido, dizendo o local e a hora do jantar, com sua discrição e sobriedade e um leve sorriso, que nunca dispensava.
A linhagem fica agora órfã. Com uma saudade que não vai diminuir, mas vai fortalecer nosso compromisso com os ensinamentos do John.
Assinamos:
Mariana Françozo, Cristina Pompa, Luisa Tombini Wittmann, Mariana Petroni, Ernenek Mejía, Raúl Ortiz Contreras, Lucybeth Camargo de Arruda, Vitor Queiroz, Patricia Lora, Edson Hely Silva, Regina Celestino, Isabel Braz Silva, Almir Diniz de Carvalho, Leônia Rezende, Marcos Galindo, Sidnei Peres, Maria Helena Ortolan, Isabel Missagia.
"Atravessei cordilheiras e a mim mesmo para estreitar sua mão, caro John"
Raúl Ortiz
Atravessei cordilheiras e a mim mesmo para estreitar sua mão, caro John. Caminhamos, lento, pelo lugar que tanto amastes. Olhaste para mim como um amigo, para além do incansável orientador, que era o fôlego que me bastava. Quando te abracei por última vez senti o brilho e o convencimento de um homem que como elegância e prestatividade desenhou o caminho generoso pelo conhecimento, e pela dignidade indígena. Dizer "ficará na minha memória" poderia ser quase um lugar comum se fosse você uma pessoa também comum. Mas a extraordinária marca que deixou em minha vida, e de tantas pessoas que conheci junto a você, faz dessa expressão toda uma homenagem. Apreendi com você que na memória e na história descansam os futuros...
"Se emocionava com orgulho por cada documento inédito encontrado"
Mariana Petroni
Mas fica o compromisso de fazer antropologia e história com a erudição e a responsabilidade que ele fazia, de atuar na academia com a justiça e a convicção que ele tinha, mas principalmente, ser generoso com aqueles que estão se formando.
"Se me pedissem uma lembrança do Prof. John Monteiro"
Rubens Mascarenhas Neto
Se me pedissem uma lembrança do Prof. John Monteiro, me recordaria da ocasião, ao final de uma das aulas de Antropologia I, em que venci minha timidez de matuto e pedi a ele algumas referências bibliográficas para o seminário que teríamos que apresentar. Fui recebido com um sorriso manso (o mesmo que eu sempre vi em seu rosto no IFCH), uma voz calma e acolhedora recheada de sugestões de altíssimo nível. E se me permitem dizer algo, digo que sou muito grato pelo privilégio de ter sido um de seus vários alunos.
"Da pilha de textos por ler, escolhi um"
Daniela Feriani
Escrevi isso em 28/03, dia do velório de John Monteiro. Não pude ir ao velório e fiquei em casa o dia todo pensando nele, lembrando das aulas, palestras, conversas e de seu sorriso, sempre tão presente. Para tentar diminuir a sensação de desconforto e incredulidade, peguei um texto para ler. Escrevi isso logo após ler o texto:
Da pilha de textos por ler, escolhi um, ao acaso, pois não sabia do que se tratava, para o dia de hoje. Durante a leitura, fui-me dando conta do quanto a vida é feita de acasos tão significativos e que nos atravessam.
"A morte não é apenas um acontecimento possível, é um acontecimento necessário. Não é apenas um acontecimento com alguma gravidade: tem para o homem a gravidade absoluta. E enfim a morte pode ocorrer, bem sabemos, a qualquer momento. (...) Nesta meditação sobre a morte, (...) trata-se da possibilidade de uma certa forma de tomada de consciência de si mesmo, ou de uma certa forma de olhar que lançaremos sobre nós mesmos a partir do ponto de vista, por assim dizer, da morte, ou desta atualização da morte em nossa vida. (...) o exercício consiste em pensar que a morte nos alcançará no momento mesmo em que fazemos alguma coisa. Por esta espécie de olhar da morte que lançamos sobre nossa própria ocupação, podemos avaliar como ela é e, se chegarmos a considerar que há uma ocupação mais bela, moralmente mais válida, que poderíamos estar realizando no momento de morrer, é esta que devemos escolher, e consequentemente [devemos] nos colocar na melhor situação para morrer a cada instante." (A Hermenêutica do sujeito, de Michel Foucault).
Fica aqui como mais uma homenagem a John Monteiro (1956 - 2013).
Acredito que ele estava em sua melhor ocupação.
"Há cerca de sete anos atrás, como aluna metida que era, fui procurá-lo"
Carolina Perini de Almeida
Há cerca de sete anos atrás, como aluna metida que era, fui procurá-lo com a proposta de uma orientação dupla. Queria que ele e Raúl me orientassem em um projeto mal escrito sobre os Terena e o trabalho no corte de cana. Ele, gentil como sempre, foi comigo tomar um suco na cantina, destruiu o projeto, mas aceitou a proposta. O projeto foi reconstruído com os dois e deu o rumo do que seria minha vida hoje. Fui, de fato, orientada. E hoje percebo que ainda sou, quando em campo ou redigindo escuto suas vozes me orientando tanto em questões cruciais de pesquisa e análise, quanto nos detalhes, não menos cruciais, de formatação das referências, citações e notas de roda pé. O professor John era rigoroso com doçura, era um homem gentil e gerava gentileza. Triste com a notícia de sua partida, conforta-me saber que os ensinamentos de um bom professor ficam na gente." (Carolina Perini de Almeida).
"Era seu aluno desde que resolvi que seria cientista social"
Chris Tambascia
27 de marzo
Acho que vale toda homenagem e lembrança. Ontem, infelizmente, se foi um dos mais brilhantes intelectuais que já conheci. Achava o John extremamente engraçado, correto e de uma elegância sem tamanho. A ele devo meu começo na vida docente, primeiro como PED, depois como orientando. Ele soube estar perto para dar uma força quando precisei, mas também conseguiu a nada simples tarefa de dar espaço quando fosse preciso, pra que eu aprendesse e errasse sozinho, pois me tratava como um verdadeiro interlocutor. E isso mostra, para mim, um respeito que prezo demais. Realmente muito, muito triste.
2 de Abril
A morte de John me deixou um tanto quanto órfão, como tanto outros que agora querem se ajudar e diminuir o sofrimento. Eu fazia parte do grupo que ele ajudava sempre, mas, um orientando, oficialmente, só depois do doutorado. Mas era seu aluno, e era seu aluno desde que resolvi que seria cientista social (ainda antes de querer ser antropólogo, e talvez mesmo isso se deva mais a ele do que percebi na época).
A primeira vez que me vi como seu aluno foi logo quando entrei no curso de Sociais da Unicamp, lá pelos idos de 1997. Havia me matriculado na disciplina Antropologia no Brasil - que ele viria a ministrar por muitos anos. Tínhamos aula sexta de noite, módulo 4 (para quem não é daquela época: não era regra ter aulas seguidas de 4 horas). Eu tinha que me manter forte para ficar acordado, convidado pela sua famosa voz monotônica a pensar no que poderia estar fazendo que não sentado numa cadeira no IFCH sexta a noite. Mas isso era muito pouco face a empolgação que sentia. Ouvia pela primeira vez nomes de autores estranhíssimos, como Nimuendaju. E de grupos indígenas, alguns brasileiros, com suas histórias sofridas e belas, mas sempre fascinantes, e mesmo de outras sociedades, de outras paragens. E foi discutindo um texto de um neo-zelandês, com uma pesquisa melanesista, que recebi meu primeiro elogio de um professor: era ter notado que o nome do livro não marcava objetividade etnográfica, mas uma comunhão que, diziam os antropólogos mais bam-bam-bams naquela época, era necessária e inevitável, Nós os Tikopia. Nada mais justo, vindo de um professor americano, historiador de formação, que tinha, como ideia de uma antropologia brasileira, algo muito maior do que as mesquinharias fronteiriças que provincializam e constroem nichos.
E lá se foi mais de uma década de convívio com alguém que aprendi a respeitar como o intelectual brilhante que era. Mas, principalmente a pessoa doce, gentil e infinitamente generosa que era o John. Me peguei rindo em diversas ocasiões com alguém que, mesmo quando o assunto era sério, ou tenso, nunca perdia a linha. A última vez que o vi, pouco antes dele morrer, dei um oi rápido, e depois de pisar no seu pé enorme e tropeçar, cair no riso.
E então, em 2009, tive minha primeira experiência docente, como PED do John, na mesma Antropologia no Brasil. E ele me colocou para dar aula, o que nunca tinha feito. Todas as aulas! Mas nunca me deixando desamparado, ele acompanhava de longe, me dando uma força quando precisasse. E veio feliz um dia, quando o convidei (justo o docente responsável?!) para falar e debater seu próprio trabalho, para uma turma incrível e paciente, privada do maior especialista da casa, que ia ouvir alguém com pouquíssimo conhecimento sobre etnologia indígena, falar sobre o enorme campo de pesquisas. Foi para mim o maior testemunho de alguém que sempre estava disposto a orientar e ajudar, mas que tratava todos como iguais.
E ontem, dia primeiro de abril, na mesma disciplina, Antropologia no Brasil, agora pelo programa de prodoc que ele supervisionava, que era de outra querida aluna e parceira, a Mariana, e cujo escopo é justamente uma pesquisa de um daqueles nomes estranhos de mais de 10 anos atrás, Nimuendaju, dei minha primeira aula depois que John morreu. E devo muito ao Vitor, agora PED da disciplina, e orientando também do John (que sugeriu seu nome para o PED), uma tímida mas justa homenagem. Via Guimarães Rosa, por conta do tema da aula. E isso me fez pensar no quanto ainda acho tudo irreal, e no quanto aquele alerta dado pelo Bourdieu, citando Shakespeare, resume um pouco o que sinto, depois algo tão estupidamente aleatório e brutal: "uma história contada por um idiota, uma história cheia de som e de fúria, mas vazia de sentido". Espero que logo possa discordar de Bourdieu e construir sentido. Algo que talvez esteja fazendo neste texto. E também tenho a impressão que esse sentido está sendo mantido pelas iniciativas que estão sendo começadas pelos alunos do John - o que, a despeito da parceria tardia, no fundo e com orgulho, sempre serei.
"Não foi um raio. Foi John Manuel Monteiro"
Bernardo Curvelano Freire
Um ano atrás. Ri como com a mesma força com que tive que conter a graça. Um seminário qualquer como os que ocupam a agenda de qualquer pós-graduação, povoada de reuniões e meias-decisões recheadas de vento, feito pastel de histórias infanto-juvenis. Entra no recinto John Monteiro. O que dizer? Lento. Lento, mesmo. Cuidadoso, é verdade, mas lento. Os passos dados à forma de escolher não somente as palavras, mas também a flexão adequada de cada fonema, o que é a forma de falar de um estrangeiro cuidadoso. Entrou no auditório nos mesmos passos de estrangeiro cuidadoso, devagar e, sobretudo, sorridente ao primeiro contato visual. E ao segundo. Ao terceiro, pessoa a pessoa. No quarto, e este era eu, sorriso dado com a flexão correta, sorriso que não se desfez por inteiro até que viesse, logo mais, a digitar sua primeira nota em seu computador de colo, quando outra flexão, lenta, se dá no rosto produzindo a forma inversa do sorriso, uma lua minguante de quem decifrava o que o palestrante disse, dizia ou viria a dizer. Quando havia passado por mim, passou também por uma amiga. Ela, mais antiga do que eu na Unicamp ainda não conhecia a figura de John por inteiro. Nunca o tinha visto. Vi que acompanhou a figura larga e alta do professor americano com a mesma lentidão com a qual ele mesmo descia a rampa que corta o auditório ao meio. Ao pé do ouvido, o assombro em tom de chiste: “Nossa! Um raio atingiu esse homem?”. Ri a sair leite pelo nariz, ainda que só pudesse fazer silêncio. Silêncio que se repete hoje, já sem graça, por saber que não. Não foi um raio, mas um carro.
O mal começo de uma homenagem que não sei fazer continua na forma das brincadeiras que a lentidão de John figurava nas conversas mais irresponsáveis. A forma de coçar a cabeça com a palma da mão voltada para baixo pousada suavemente no topo do crânio com os dedos apontando a testa é, seguramente, aquilo que mais ouvi repetição. Irresponsáveis é quando podemos agir desta forma. A lentidão de John nos servia da caricatura na sua variedade de formas e manutenção do ritmo, o estrangeiro cuidadoso. Talvez eu pudesse listar uma quantidade de piadas ouvidas ou inventadas para estas notas ao ponto de reduzi-las a um anexo de pesquisa. Mas para fazer tal lista, precisaria inventar quase todos os outros casos.
O curioso é que a malícia de tecer comentários desabonadores nunca teve muito sucesso com a figura de John. O veneno que destilamos diariamente no hábito de fazer fofocas e destruir a imagem alheia com o que lhes é, e nos é pior, parecia ter lhe afetado somente de forma colateral. A lentidão peculiar de gestos variados, por exemplo, ao invés da cegueira que atinge a tantos atingidos pela força ofídica, pode ser encarada desta forma. Na integridade simples e no trato horizontal, John Monteiro tinha construído sua imunidade ao nosso veneno anti-monotonia adquirindo talvez uma única marca deixada por uma substância ruim, transformando-se em um passante que caminha lentamente. O caso é que John é, para além da caricatura, um estrangeiro cuidadoso que, para além da relação com o país o qual abraçou como historiador, professor e um perfect speaker da língua portuguesa, estava atento a ritmos um pouco mais sutis. Caminhava escolhendo a flexão de cada sílaba, lenta e cuidadosamente porque há de se fazê-lo da mesma forma que falar baixo é uma tática de se fazer ouvir. Devagar também é uma velocidade. O choque então está em saber que tenha partido tão rapidamente numa colisão provocada por um nativo descuidado deixando claro que perdemos alguma passagem de uma narrativa que acelerou sem nos darmos conta.
O falecimento de John Manuel Monteiro. Esta foi a razão de Raúl Ortiz Contreras me escrever ainda hoje, tão cedo, razão pela qual escrevo mesmo sem ter propriedade alguma em fazê-lo. De tantos tão próximos, de tanto tempo juntos, eu confesso ter chegado no que parecia ser o meio da história e, coisas da vida, já estavam quase no fim da festa. Mesmo que longe de ter contraído maior intimidade, me sinto obrigado a manifestar eu ter sentido sua morte com o peso e as lágrimas que esse tipo de vento traz. Não sei definir com clareza como seria isto, e nem por quê. Mas, assim como John, Raúl é alguém que conheço desde antes de tê-lo visto de fato, dado que sua figura já estava distribuída na trama dos amigos em comum que temos. E, de alguma forma via entre John e Raúl um ar de família, digo, uma parecença, uma coisa delicada que tem o odor da cautela, e que entendo como um certo carinho no trato, uma paciência na lida que vim a saber, pode ser um traço da Linhagem, os alunos que John nos legou, tantos deles amigos de momentos tão difíceis e caros. Legado raro.
Se via Raúl pelos olhos alheios de um amigo em comum, igualmente um sincero admirador de John como professor, o mesmo se deu com o mesmo John que me foi apresentado alguns anos antes de finalmente apertarmos as mãos, por via de seu livro Negros da Terra que li quando ainda livreiro e esquecido de me dedicar à pesquisa em antropologia. Mais adiante, conduzido por meu orientador Ronaldo Almeida nos demos as mãos, no que John estendeu a sua, lenta, mas firmemente. E é aqui que as brincadeiras sempre acabam. Não porque as deixamos de fazer, mas porque elas perdem força, não conseguem seguir adiante. O aperto de mão, firme. O olhar, direto. A conversa, franca, doce. Lenta como deve ser, de assuntos outros, de paisagem euro-americana, de modernistas e seus intelectuais destacáveis conforme a preferência da casa. E de supetão, já não tenho mais com quem conversar sobre as aventuras de William James na floresta amazônica, tema que lhe serviu de mote para me presentear com um livro organizado por sua esposa, Maria Helena Machado, e traduzido por ele mesmo, com vistas numa conversa futura. Não deu. Fomos brutalmente interrompidos. E ainda assim, mesmo tendo sobrado à mesa com a conversa cortada sei que, no final das contas o privilégio foi meu, ainda que por tão pouco tempo. Mas saber disso é saber muito pouco.
"Lembro-me dele como aquele norte-americano de português perfeito"
Verena Sevá Nogueira
Não tive com John propriamente uma relação de amizade, pois não partilhamos eventos pessoais de nossas vidas. Mas de várias formas ele participou, e ficará em minha memória, como na de outros muitos.
Primeiro lembro-me dele como aquele professor norte-americano, de fala lenta e de português perfeito (embora com algum sotaque), que ministrava a disciplina Antropologia no Brasil no curso de ciências sociais da Unicamp (infelizmente não cursei essa disciplina). Alguns anos mais tarde, dele me recordo compondo minha banca de ingresso no doutorado, ao lado de Emília Pietrafesa de Godoi e de Robin Wright. Com seu jeito aparentemente tímido e despretensioso, avalia meu projeto como “interessante”, “bem justificado teoricamente”, e dotado de alguns requisitos acadêmicos que justificavam meu ingresso no PPGAS. Ainda ali, e finalizando sua arguição, sugere apenas o que chama de uma “simples” mudança no projeto apresentado, o “abandono” de uma investigação sobre mobilidade e territorialidade em famílias camponesas, para trabalhar esses temas em grupos indígenas “localizados” na região da grande São Paulo. (Quem sabe um dia John...!). No ano seguinte, agora sim como meu professor em sala de aula, me apresenta “Time and the other”, de Johannes Fabian, um legado teórico que desde então me acompanha em meus devaneios antropológicos. Já no final do doutorado, naquele momento que qualquer ajuda é bem-vinda, acabo por ocupar, por oito meses, e sem pedir permissão, sua mesa de trabalho. De fato, foi Emília quem me emprestou sua mesa na sala que partilhava com John, mas como esta era bem desconfortável, acabei usando mesmo a de John, que na época trabalhava em alguma sala de alguma coordenação que já não me lembro mais.
Mas foi depois do meu doutorado, em 2011, durante a difícil transição que é “sair” da Unicamp depois de tantos anos ali, que de John me aproximei um pouco mais, em meio a uma espécie de relação intermediada por amigos. Foi através de Lucybeth Camargo de Arruda, Mariana Petroni, Ernenek Mejía e principalmente Raúl Ortiz Contreras, que “conheci” o CPEI, alguns de seus debates, conflitos, propósitos, e no meio disso tudo, o chefe de uma linhagem, o John. Foi Raúl quem me contou alguma coisa de sua trajetória acadêmica e de sua biografia, e solucionou minha antiga curiosidade acerca de seu sobrenome português. E, contagiada com a admiração, o carinho e o respeito dedicado por Raúl a seu professor, orientador e amigo, passei a admira-lo não apenas como uma bibliografia ou como um professor do doutorado, mas como o John que deixa saudades a tanta gente.
Por essas coisas, e por todos os que dele me aproximaram, tão triste fiquei com sua prematura partida. E decidi, mesmo sem muita legitimidade, escrever essas poucas linhas.
"Honrava o título de mestre para alunos"
Amanda Villa
27 de março de 2013
O dia nasce e a bandeira é hasteada a meio mastro. Em uma semana extremamente corrida, com afazeres mil e pouco tempo para respirar em repouso, um acontecimento de profunda tristeza vem à tona, trazendo consigo muita reflexão. É este mesmo o caminho que queremos tomar? São estes os passos que devemos seguir? Levamos uma vida toda buscando alcançar objetivos, mas nossos planos podem ser traídos e largados à força de uma hora para outra. De maneira repentina e brusca, hoje choramos a perda de uma mente brilhante. John Manuel Monteiro era um profissional exemplar, uma pessoa carinhosa, e honrava o título de mestre para alunos. Como acontece com todos os mestres, estas opiniões de admiração não eram unânimes, apesar de sua grandiosidade intelectual ser indiscutível, mas até mesmo seu ritmo constante e pendular enquanto ministrava suas aulas me faziam contemplá-lo: podia notar claramente que fazia parte de seu cuidado com o raciocínio, e com as palavras todas cautelosamente escolhidas que pronunciava. Ah! E quanto zelo com a pronúncia.
Este professor desejava apenas pouco mais de comprometimento dos alunos, e apreciava a ausência de uma competição mesquinha entre nós. Este pesquisador garantiu que fosse o melhor em tudo o que fizesse, recebendo o devido reconhecimento por todo o mundo. A perda, com tudo o que potencialmente ainda produziria, é irreparável. E o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp se encontra, agora, órfão.
Já sinto falta de seu olhar e sorriso consoladores, e do orgulho que sentia ao ter a oportunidade de conviver com uma pessoa de tamanha competência. Este professor se mostrou um exemplo a ser seguido para mim, cuja ética e coerência nunca abandonaram suas ações, e que sempre demonstrou almejar a incessante melhora.
Hoje escuto um profundo silêncio, e sinto muita tristeza. O grande John parte chocando a todos nós, mas deixando uma preciosa herança. Acho mesmo que, caso exista algum plano celestial, os seres sagrados são ansiosos demais pela companhia de pessoas incríveis da terra.
"Foi assim que fiz minha primeira resenha"
Adriano Godoy
Lembro quando saiu a grade de horários ainda no primeiro ano da graduação em que o professor John nos ofereceria antropologia três: "ele é referência mundial, já deu aula em Harvard" era o que mais escutava nos corredores e era confirmado pelo seu longo currículo. Fui para a primeira aula imaginando um professor austero e distante (como tantos outros) e, para minha surpresa, ele se mostrou o oposto: trazia uma preocupação pontual com cada aluno e sempre muito próximo estimulou sobretudo a escrita antropológica. Com muita paciência era generoso nas explicações e atividades para além da bibliografia. Foi assim que fiz minha primeira resenha e o meu primeiro caderno de campo que ele lia minuciosamente, corrigindo erros e apontando caminhos. Sempre como interlocutor, horizontalmente, com quem quer que fosse. Característica que levou até a direção nesses últimos meses. Se já o admirava isso só cresceu quando, em 2009, no meio de uma grande passeata pela avenida paulista o encontrei de bandana na cabeça, mochila nas costas e uma flor na mão gritando "Fora PM" ombro a ombro com os estudantes. Por fim, foi como aluno da pós-graduação que pude reafirmar a sua seriedade e compromisso não só com as demandas do departamento, mas com uma universidade mais democrática e justa. Uma grande perda, em todos os sentidos. Meus sinceros sentimentos a todos nesse momento de dor e perplexidade.
"Gentil e agradável que era sua marca distintiva"
Renzo Taddei
No período em que fiz meu pós-doutorado no Departamento de Antropologia da UNICAMP (2008-2009), o John era o chefe de departamento, e trabalhamos juntos na criação da Cátedra Roberto Cardoso de Oliveira, em interlocução direta com a Virginia Garcia Acosta, do CIESAS (México). O que mais me marcou nesse contato direto com o John era sua capacidade de trabalhar por horas a fio, em questões muitas vezes meramente burocráticas, sem perder o espírito gentil e agradável que era sua marca distintiva.
"A sala inteira o aplaudia"
Jana Gomes
Lembro com enorme carinho das aulas em 2009 quando eu era mais uma aluna de Antropologia no Brasil. As aulas eram em um pequeno círculo e pareciam ...um agradável bate papo. Naquele semestre o John iria ministrar uma aula aberta a uma banca de professores como etapa final, salvo engano, para que se tornasse o titular da disciplina na Unicamp. Com um jeito quase sem graça, tímido, o John convidou a turma para assisti-lo nesta aula. Seu trato gentil e igualitário com os alunos sempre foi uma de suas marcas na docência, mas aquele convite sincero me pareceu, naquela oportunidade, uma grata surpresa. Eu já sabia que a gentileza era uma de suas características mais marcantes, mas a modéstia e timidez do convite surpreendeu a todos, afinal, tratava-se de um grande acadêmico e, muitas vezes, parece haver um abismo entre alunos e professores. Esse abismo não existia entre o John e seus alunos.
Lembro de chegar a sua aula aberta e notar que nossa pequena turma comparecera em peso. Na aula seguinte perguntamos qual o resultado, se fora aprovado. A resposta afirmativa veio junto a um sorriso delicadamente envergonhado e um leve rubor na face. A sala inteira o aplaudia e ele, de maneira tão humana e doce que é difícil descrever, agradecia a turma e a presença de todos naquele momento importante de sua vida.
É muito difícil conter as lágrimas lembrando deste dia. Aquele dia que definiu o John Monteiro pra mim: uma pessoa muito amável. Simples assim.
Para além da perda acadêmica e para nosso instituto, sem dúvidas irreparável, sua partida precoce parte meu coração. Como descrever a injustiça de sua morte?
Torço para que exista paz após sua passagem por aqui, que exista consolo para seus familiares e amigos, que haja numerosas homenagens a ele e, especialmente, que o tempo não apague o querido John Monteiro de nossas mentes e corações.
"Mestre, orientador e parceiro dos saberes indígenas"
Patricia Lora
As experiências dos que nos precederam, dos nossos “poetas mortos”, nos ajudam a caminhar pela vida, disse Whitman. Comecei a caminhar com o John, aprendi das suas aulas, das suas conversas, de cada momento de troca, também dos seus silêncios, do seu sorriso, do seu jeito particular de cuidar e de se preocupar pela gente. Só tenho gratidão pela sua orientação, pela sua confiança, pela compreensão, pelo carinho e pelo respeito com o qual me acompanhou nesta jornada pela Unicamp. John, querido mestre, orientador e parceiro dos saberes indígenas, muito obrigada!
"Sempre me encantava ouvir o John..."
Roberta Tojal
"Aquele cara sorridente da orelha do livro"
João Paulo Peixoto Costa
"Para nós povos indígenas é uma grande perda"
Chikinha Paresi
"Capaz de enfrentar os cabeludíssimos problemas com tranquilidade"
Daniela Ferreira Araújo Silva
Outros colegas já comentaram sobre o delicioso senso de humor do Prof. John. Lembro de uma aula na pós, quando uma das alunas se desculpou por ter que sair mais cedo da aula para ter que cuidar da filha, ainda bebê, para que o marido pudesse cumprir com o compromisso. Ele, com o sorriso preciso de sempre, disse algo nessas linhas: "Você poderia tê-la trazido a aula. É conhecido o poder soporífero do meu tom de voz, ela dormiria o tempo inteiro". Suspeito que John soubesse que, por trás das nossa irresponsável jocosidade, houvesse a genuína expressão do afeto que tínhamos por ele, em uma dessas peculiares formas que as hierarquias sociais muitas vezes lhe dão". Pelo contato esporádico que tive com ele, como aluna do instituto desde a graduação ao fim do doutorado, não poderia imaginar que sua partida me fizesse sentir um vazio tão grande. Mas acho que o tamanho do vazio é proporcinal à grandeza da vida do homem, que de sua forma tranquila, sem fazer alarde, deixou um legado sólido e inestimável, não só por toda a sua obra, mas também pelo exemplo de ser a pessoa que ele era: capaz de enfrentar os cabeludíssimos problemas com tranquilidade e paciência, de dialogar e conciliar, de não se abalar, não ficar amargo, ou paranóico, ou desesperançoso com todas as agruras tantas vezes surreais que abatem a vida acadêmica em uma instituição como a Unicamp; sem perder tempo lustrando os brios da reputação intelectual ou administrativa, mas trabalhando diligentemente pelo que considerava ser o melhor a ser feito. E que fazia questão de arrumar tempo pra ser feliz. Enfim, o tipo da pessoa que eu adoraria ser quando crescer.
"John sempre apresentou novas possibilidades"
Marcelo Moura Mello
"Quem me ensinou a fazer resenha foi o John"
Flávia Paniz
"Do Brasil fomos para Goa"
Lucas Mestrinelli
Quando, em 2010, fui pedir ao John que me orientasse em um projeto de iniciação científica, subi e desci as escadas do prédio da direção do IFCH, e perambulei apreensivo pelo corredor antes de tomar coragem para bater em sua porta. No entanto, no curto instante entre um olhar simpático e um sorriso amigável, todas as minhas preocupações me abandonaram. Do Brasil fomos para Goa, e por horas o escutei falar com entusiasmo. Em poucas semanas John me presenteava com um livro. Ou melhor, acho que foi uma dádiva. "Um brasileiro em terras portuguesas", o livro, falava de um outro brasileiro. Mas o presente falava comigo, e de certo modo me prendeu ao John, a um novo mundo, me libertando daquele que estava acostumado. O destino, que passava por Goa, ainda era desconhecido, mas a viagem logo se tornou um sonho. Em momentos breves e preciosos, entre um olhar simpático e um sorriso amigável, vivi uma jornada no sentido mais radical que consigo compreender.
"Parece que umas luzes se apagam"
Olivia Gonçalves Janequine
Quando um mestre se vai, parece que umas luzes se apagam aqui e outras se acendem em outro lugar, que eu ainda não vejo
"Eu ficava algumas vezes depois da aula, bombardeando-lhe de perguntas"
Stella Zagatto Paterniani
"Ele sempre sorrindo, cheio de ideias e novos textos"
Emanuela Mendes
Quantas vezes esperei o Prof. John Monteiro sentada na escada do IFCH para nossa reunião semanal, ele sempre sorrindo, cheio de ideias e novos textos... Saudades...
"A minha história com o John se inicia e termina com dois livros brilhantes"
Erik Petschelies
"Pode ficar com ele, eu peço outro a editora!"
Ana Laura Lobato
"Ele era um grande incentivador dos alunos!"
Raquel Modolo
Quando foi meu professor, no terceiro semestre do curso, John nos incentivou a escrever - comentários de filmes e diários semanais, o que me deu a certeza de que aquela atividade faria parte da minha vida de modo muito especial dali em diante! Ele dizia, eu me lembro, que era importante que os recém chegados já se acostumassem com a prática de escrever... escrever sobre os acontecimentos políticos, as observações cotidianas, das coisas mais evidentes às menos percebidas. Ele era, mais que qualquer outro professor que tive, um grande incentivador dos alunos! Ele "punha fé" na capacidade de seus alunos! Apesar, infelizmente, do pouco contato, eu o admiro muito!
"Imagino um pouco como se a estrela norte apagasse"
Eva Rößler
"Parece que vou escrever esta mensagem e ele a lerá"
Fernanda Sposito
"Minha admiração não morrerá"
Edna Ferreira
"O sorriso amigo e reconfortante em um Cebrape tão frio"
Giovana Lopes Feijão
"John, meu amigo, 'Sr. orientador'"
Vítor Queiroz
Um profissional ético, dedicado e brilhante"
Núbia Braga Ribeiro
"Ele era uma daquelas raras pessoas que agregam"
Larissa Nadai
"O problema não é a falta, mas o excesso de lembranças"
Luisa Tombini Wittmann
John na Terra Santa
Juliano Klevanskis
"Admiramos su compromiso con lo indígena"
José Kidel e Jimena Pichinao
Los mapuche
"Uma forma de narrar..."
Ernenek Mejía
(escrito e rescrito entre os dias 27 de março e 14 abril)
"John Monteiro fica aqui"
Oscar Guarin Martinez
"Um grande homem, uma perda enorme para as Ciências"
Graziella Grazie
"Um pioneiro na construção do campo temático da história indígen"
Ricardo Cavalcanti-Schiel
Faleceu por volta das 21:30 de ontem, 26 de março, vítima de um acidente de trânsito no Km 92 da Rodovia Bandeirantes, o diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, Prof. Dr. John Manuel Monteiro, quando regressava da universidade para sua residência em São Paulo.
Historiador e antropólogo, John Monteiro foi um pioneiro na construção do campo temático da história indígena no Brasil, não apenas produzindo uma obra analítica densa e relevante, como também criando e estimulando a abertura de espaços institucionais e de interlocução acadêmica sobre o tema. Não seria exagerado dizer que foi em larga medida por conta do seu esforço dedicado que esse campo de estudos foi um dos que mais cresceu no âmbitos das ciências humanas no país desde a publicação do seu já clássico “Negros da Terra: Índios e Bandeirantes nas Origens de São Paulo” (1994) até o momento.
Tendo tido toda sua formação acadêmica nos Estados Unidos (graduado pelo Colorado College e doutor pela Universidade de Chicago), John Monteiro carreou para o ambiente acadêmico brasileiro o horizonte do cosmopolitismo e da amplitude geográfica da curiosidade intelectual, algo que ainda hoje contrasta consideravelmente com a primazia de um enfoque quase estritamente regional no âmbito dos objetos temáticos das pesquisas sociais no Brasil. Foi professor visitante na Universidade de Michigan, na École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris e na Universidade de Harvard. Era professor titular da Unicamp e assumiu recentemente a direção do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
John Monteiro foi o responsável pela formação de uma geração de pesquisadores brasileiros instigados pela reflexão sobre a possibilidade e os significados de se pensar os índios na história e uma história dos índios. Sobretudo no Brasil. Mas também interessados em confrontar a reflexão sistemática empreendida neste campo em outras partes do mundo. Como consequência, não só brasileiros como também muitos latinoamericanos vieram buscar sua interlocução e orientação científica, e ele acolheu pesquisas e pesquisadores da Índia Portuguesa aos Andes, do México ao Chile. Mais que apenas uma obra que tenha eventualmente congregado seguidores, John Monteiro deixa como legado uma agenda intelectual que conta seguramente com muitos cúmplices, da academia ao campo indigenista, do Brasil ao resto do mundo.
Em 1999 participou como um dos autores de uma das mais importantes obras das últimas décadas sobre a história indígena nas Américas, a “Cambridge History of the Native Peoples of the Americas”. John Monteiro faleceu no momento em que provavelmente se encontrava no auge da sua carreira acadêmica e intelectual, e aí permaneceria ainda por muitos anos. Seu corpo será velado a partir das 9:00 de amanhã (28 de março) na nova extensão da biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, e posteriormente será cremado pela família.
"conforta saber que o caminho que meu pai assinalou possa ainda ser seguido"
Thomas Monteiro
2 de abril
Gostaria, por meio dessa, de agradecer em nome da família do John todas as demonstrações de carinho com sua memória. É incrível ver tanta gente sensibilizada com o acontecimento e com o legado que ele deixou. Me conforta muito saber que o caminho que meu pai assinalou possa ainda ser seguido e que cada uma de suas sementes possa se transformar em belos frutos, flores e folhas, todos com a mesma raiz de igualdade, liberdade e conhecimento.
14 de Abril
Depois de tantos relatos maravilhosos, que ainda hoje me fazem chorar ao ler, e depois de tantos pensamentos e desilusões, tentarei agora compartilhar com vocês um pouco de como tem sido a vida depois da tragédia. (Também poderei compartilhar memórias e histórias posteriormente, se elas forem do interesse de alguém).
Na medida em que a vida se segue e a maioria das pessoas levam suas vidas como se nada de velho houvesse no ar, respiro uma nova e esmagadora força vinda do vazio - que por não ser provida de tamanho almeja sempre ser maior e que, por não ter natureza alguma, está na natureza de todas as coisas.
Sinto o cheiro de meu pai em suas roupas no armário, ouço as teclas de seu computador pela manhã e ainda posso rir de suas piadas que, em silêncio, são as mesmas. Na intimidação da casa e na intimidade da vida, a presença pela ausência é agora a mais traiçoeira das ilusões, mas o último fio de normalidade.
Penso então a memória como aquele famoso retrato que envelhece no nosso lugar. A diferença é que, na morte, o retrato não é mais dotado de vaidade, tornando-se apenas a fria imagem da realidade, imóvel ao sentimento e desprovido de criação.
A poeira da existência que dificulta a visão ao fazer a imagem ficar cada vez mais turva passa a ser também parte importante do retrato, pois é a manifestação maior da presença viva e transformadora do nada.
Apenas no nada encontro a verdadeira natureza do meu pai nesse momento. E nessa trivial constatação encontro também a mais aprisionadora das liberdades: que o vazio é a única e infindável matéria de todas as coisas.
Dias que parecem ter passado em minutos, se mostram diante desse passado com a distância de anos, décadas talvez. Lembranças de um mundo que, hoje sei, foi apenas uma doce ilusão perdida na infinidade da existência.
Eu era ele e ele era eu. Mas agora ele está em todas as coisas - e eu não estou mais nele.
Vocês sabem que muitos sentem um respeito e uma admiração profunda
Karina Melo Soraia Dornelles
Queridos amigos e colegas,
Vocês sabem que muitos sentem um respeito e uma admiração profunda pelo trabalho e pela pessoa do John. A morte dele nos deixou consternados. Acreditamos que todos que puderam aprender com ele partilham um sentimento de orfandade. Escrever sobre isso é realmente difícil, mas gostaríamos de compartilhar com vocês a percepção de que é difícil para todos. Foi triste constatar que o John não viria aos encontros onde ele era esperado. Professores, amigos, colegas, alunos e conhecidos dele nos EUA demonstraram umenorme pesar pela sua perda. Mas em todas as conversas e homenagens, a mensagem que fica é a de que precisamos continuar com os seus ensinamentos e, de certa forma, honrar seus esforços, sua memória e sua herança intelectual.
No dia em que John faleceu, Dain Borges – seu colega do Departamento de História da Universidade de Chicago e nosso co-orientador – nos convidou para fazer, simbolicamente, um velório em sua casa. Passamos a tarde dividindo as histórias que tínhamos com nosso mestre e amigo. No dia 29 de abril, durante o I Seminário Rice-Unicamp, realizado em Houston, Texas, John foi homenageado. Ele participaria deste evento e nós o encontraríamos para ouvir, como sempre, suas insubstituíveis observações e sugestões. A professora e organizadora Alida Metcalf, que conhecia John de longa data, escolheu a sessão em que nos apresentamos, chamada Fronteiras, para lembra-lo. Suas palavras foram de saudade e lamento; sobre o quanto John era estimado por aqueles que tiveram a oportunidade de trabalhar com ele; sobre como sua contribuição foi de importância incalculável para a história do Brasil e destacou que nossa participação era uma forma de continuar o trabalho que John fazia com amor. No dia 5 de maio, ocorreu na Universidade de Chicago o Seminário Katzworth Years. O evento homenageava dois dos professores de John na Universidade de Chicago, Friedrich Katz e John Coatsworth. Estudantes que tiveram carreiras bastante profícuas em diversas áreas e lugares e que reconheciam no período Katzworth um símbolo desse sucesso se encontrariam para homenagear seus mestres. John os homenagearia e ironicamente muitos o homenagearam. Os professores Emilio Kouri e Dain Borges falaram sobre sua carreira, sobre como ele havia construído o campo da História Indígena no Brasil. Citaram trabalhos de extremo pioneirismo e importância como Negros da Terra e a organização do Guia de Fontes para a História Indígena. Dain Borges falou sobre como a notícia de sua perda, do modo como foi, tornava tudo mais duro, principalmente neste momento em que o Departamento de História da U of C recebia duas de suas alunas como visitantes. Outros colegas e alunos falaram sobre John. Paul Gootenberg, seu colega do doutorado, compartilhou fotos de uma viagem que fizeram ao México em 1982. Seu professor, John Coatsworth falou sobre como John havia sido um aluno brilhante e que sua tese era prova disso.
Para nós duas, ter vindo aos Estados Unidos em busca do passado intelectual de John para ajudar a construir nosso futuro, e de repente perder a chance de te-lo participando das nossas escolhas foi chocante e frustrante. Por outro lado, temos o privilégio de ter aprendido ensinamentos valiosos com ele, desde gestos de respeito, generosidade e boa-vontade até os mais elaborados apontamentos e comentários de quem parecia ter mais clareza sobre nossas pesquisas do que nós mesmas. Levaremos isso para sempre conosco. Levaríamos de todo modo. Jamais nos esqueceremos dos significados do seu trabalho para a História brasileira e da sua importância para as nossas escolhas como historiadoras.
Conheci John em 1996 qdo fiz um curso com ele no IFCH
Warney Smith
Conheci John em 1996 qdo fiz um curso com ele no IFCH. Depois disso não paramos mais. Eu namorava uma aluna da UNESP- Assis e nós lhe pedimos para nos orientar sobre historia dos índios do nordeste. E John me disse que era necessário,(no contexto ainda de popularização do Guia de Fontes) pois pouco havia de fontes sobre isso. Sabíamos das dificuldades mas mesmo assim fizemos o projeto “Subsídios para a História Indígena do Nordeste” e desse trabalho em conjunto, resultaram um razoável levantamento, e também vários textos analíticos como a dissertação “Visões dos Índios do Nordeste” entre 1997 e 1999...
Nesse período, a pedido de John , me integrei ao CPEI e fiquei responsável pela organização e divulgação de eventos do Centro. Foi nesse período de 1998 a 2002 mais ou menos, que organizei ou participei de inúmeros eventos tanto na Unicamp, USP , como em diversas outras universidades do país onde sempre me encontrei com John: USP, UNESP, UFF, UFRJ, PUC, Federal de Vitória, BH, Curitiba, Mato Grosso do Sul, ABA em Salvador, ANPUH em Florianópolis, e em Fortaleza e SBPC em Natal.
Foi em 1999 que John foi para Goa e eu fiquei sem orientador na Unicamp. E foi em 1999 que praticamente fui expulso da Unicamp, sob a acusação burra e extremamente dolorida (como todo preconceito) de que eu era um “dinossauro” embora ainda não tivesse 10 anos que estava na Unicamp e mesmo assim me impediam de fazer tudo.... O único jeito foi me transferir para a USP em 2000 onde fiz uma especialização em Organização de Arquivos e onde terminei o curso de História e tentei o mestrado sem sucesso...
E inúmeras vezes peguei carona com ele para São Paulo, e cheguei a ir em sua casa na rua Girassol, onde cheguei a conhecer o Thomas , ainda menino . E também muitas vezes me encontrei com ele na FFLCH. Tanto em encontros da ANPUH como em pesquisas e trabalhos. Recordo –me uma vez que estava saindo de um curso de Tupi Antigo do professor Navarro e encontrei com ele E John me disse que gostaria muito de fazer esse curso com o Navarro... O que me deixou impressionado !!
Perdi as contas de quantas vezes pensei em procurá-lo para retomar o projeto... Eu tinha vários planos de documentários em que gostaria de entrevistá-lo.
Em 2010 eu comecei a trabalhar em Embu das Artes , que se originou de uma das principais aldeias de seu Negros da Terra. E onde há hoje um “Museu do Índio”. Mas é IMPRESSIONANTE que ninguém conheça o seu trabalho na cidade. Em 2012 aventei a possibilidade de levá-lo para uma apresentação no Museu do Índio e mesmo no Museu dos Jesuítas e este ano, cheguei a acertar com uma das diretoras essa proposta... Perdi o emprego em março: 20 dias depois o acidente... De boca aberta até hoje... Que fazer?
Fazer o que tem que ser feito: Levantar e organizar sua obra, estudá-la, divulgá-la , abri-la para a pesquisa e organizar DIVERSOS eventos para discutir e sintetizar sua obra . Ao Thomas já se incu mbiu de terminar e publicar sua última obra inacabada. É NOSSO DEVER DIVULGAR E LEVAR AO FUTURO TÃO VASTA OBRA
Enfim , seja aonde estiver, parabéns é pouco para este pensador que ao seu jeito bem humorado, polemizou, transformou e influenciou e modificou a historiografia brasileira, com uma concepção crítica toda própria, madura, relativista, inteligente e polêmica. Sua obra nunca foi aceita pelos historiadores tradicionais da “São Paulo Quatrocentona” por ter abalado suas certezas absolutas e ao mesmo tempo também não era aceita pelos historiadores coloniais marxistas que defendiam que os índios foram completamente aniquilados e extintos pelos portugueses.... Não aceitavam uma – talvez a principal - teoria de John de que os índios - brasileiros e americanos sempre foram mestres e campeões em suas políticas, sempre se integrando, se adaptando, resistindo, desaparecendo quando necessário, e se impondo quando possível.
Vamos levar adiante sua obra! ´Com certeza é isso que ele gostaria PARABÈNS A TODOS OS JOHNS!!!