John Manuel Monteiro

Memórias
 

"A linhagem"

"Para nós povos indígenas é uma grande perda"

"Um profissional ético, dedicado e brilhante"

"Atravessei cordilheiras e a mim mesmo para estreitar sua mão, caro John"

"Capaz de enfrentar os cabeludíssimos problemas com tranquilidade"

"Ele era uma daquelas raras pessoas que agregam"

"Se emocionava com orgulho por cada documento inédito encontrado"

"John sempre apresentou novas possibilidades"

"O problema não é a falta, mas o excesso de lembranças"

"Se me pedissem uma lembrança do Prof. John Monteiro"

"Quem me ensinou a fazer resenha foi o John"

John na Terra Santa

"Da pilha de textos por ler, escolhi um"

"Do Brasil fomos para Goa"

"Admiramos su compromiso con lo indígena"

"Há cerca de sete anos atrás, como aluna metida que era, fui procurá-lo"

"Parece que umas luzes se apagam"

"Uma forma de narrar..."

"Era seu aluno desde que resolvi que seria cientista social"

"Eu ficava algumas vezes depois da aula, bombardeando-lhe de perguntas"

"John Monteiro fica aqui"

"Não foi um raio. Foi John Manuel Monteiro"

 "Ele sempre sorrindo, cheio de ideias e novos textos"

"Um grande homem, uma perda enorme para as Ciências"

"Lembro-me dele como aquele norte-americano de português perfeito"

"A minha história com o John se inicia e termina com dois livros brilhantes"

"Um pioneiro na construção do campo temático da história indígen"

"Honrava o título de mestre para alunos"

"Pode ficar com ele, eu peço outro a editora!"

"conforta saber que o caminho que meu pai assinalou possa ainda ser seguido"

"Foi assim que fiz minha primeira resenha"

"Ele era um grande incentivador dos alunos!"

Vocês sabem que muitos sentem um respeito e uma admiração profunda

"Gentil e agradável que era sua marca distintiva"

"Imagino um pouco como se a estrela norte apagasse"

Conheci John em 1996 qdo fiz um curso com ele no IFCH

"A sala inteira o aplaudia"

"Parece que vou escrever esta mensagem e ele a lerá"

 

"Mestre, orientador e parceiro dos saberes indígenas"

"Minha admiração não morrerá"

 

"Sempre me encantava ouvir o John..."

"O sorriso amigo e reconfortante em um Cebrape tão frio"

 

"Aquele cara sorridente da orelha do livro"

"John, meu amigo, 'Sr. orientador'"

 

"A linhagem"

No congresso nacional da ANPUH de 2005, num dia frio em Londrina, fui apresentada a um célebre professor da área de história colonial do Brasil como "Mariana Françozo, aluna do John Monteiro, ela está fazendo doutorado sobre...". Antes que a nossa colega Cristina Pompa pudesse terminar a frase, o famoso historiador exclamou: "Ah! Mais uma da linhagem." Cristina e eu, ambas alunas de John, achamos engraçado e contamos o episódio a ele. John, com sua inteligência fina e perspicaz, logo decidiu que seria então este um bom título para o grupo de seus orientandos e ex-orientandos, e inventou o jantar anual da linhagem, promovido por ele nos congressos nacionais de história e de antropologia de que participávamos.  

Posteriormente, em uma pizzaria em Barão Geraldo, quando um de seus orientandos propôs que esse grupo de orientandos se chamasse "os Johnzetes"... John fez sua cara de surpresa e esclareceu: Não, vocês fazem parte da minha linhagem.  

Lembramos que, na Anpuh de Fortaleza, ele saiu pela sala distribuindo um convite ao pé do ouvido, dizendo o local e a hora do jantar, com sua discrição e sobriedade e um leve sorriso, que nunca dispensava.  

A linhagem fica agora órfã. Com uma saudade que não vai diminuir, mas vai fortalecer nosso compromisso com os ensinamentos do John.

Assinamos:

Mariana Françozo, Cristina Pompa, Luisa Tombini Wittmann, Mariana Petroni, Ernenek Mejía, Raúl Ortiz Contreras, Lucybeth Camargo de Arruda, Vitor Queiroz, Patricia Lora, Edson Hely Silva, Regina Celestino, Isabel Braz Silva, Almir Diniz de Carvalho, Leônia Rezende, Marcos Galindo, Sidnei Peres, Maria Helena Ortolan, Isabel Missagia.

 

"Atravessei cordilheiras e a mim mesmo para estreitar sua mão, caro John"

Raúl Ortiz

Atravessei cordilheiras e a mim mesmo para estreitar sua mão, caro John. Caminhamos, lento, pelo lugar que tanto amastes. Olhaste para mim como um amigo, para além do incansável orientador, que era o fôlego que me bastava. Quando te abracei por última vez senti o brilho e o convencimento de um homem que como elegância e prestatividade desenhou o caminho generoso pelo conhecimento, e pela dignidade indígena. Dizer "ficará na minha memória" poderia ser quase um lugar comum se fosse você uma pessoa também comum. Mas a extraordinária marca que deixou em minha vida, e de tantas pessoas que conheci junto a você, faz dessa expressão toda uma homenagem. Apreendi com você que na memória e na história descansam os futuros...

 

"Se emocionava com orgulho por cada documento inédito encontrado"

Mariana Petroni

Conheci o Prof. John Monteiro ainda na graduação, quando pesquisava para minha IC, orientada pela professora Mariana Helena P. T. Machado, sua esposa no departamento de História, da USP. Ela, entre uma orientação e outra, me emprestava seus livros, e muitos deles estavam sendo usados por seu marido, assim eu tinha que me comprometer em devolvê-los rápido. Nesse momento ele era um enigma, o dono dos livros que ela sabia que eram os mais importantes na minha pesquisa. 
 
Anos depois, quando voltei do meu mestrado no México, resolvi arriscar e tentar realizar meu doutorado com o próprio John Monteiro, os interesses haviam mudado e não cabia mais realizar uma pesquisa na USP, na História. Pedi autorização para a Maria Helena para mudar de filiação, ela ficou muito feliz com meus novos interesses. Vim para o IFCH.
 
Durante a minha primeira reunião com meu novo orientador, onde ele analisou meu projeto de pesquisa, com toda sua elegância e delicadeza me pediu para sentar, ainda na sala da Direção do Dpto. de Antropologia, e disse que meu projeto não era bom! Em duas horas de conversa, das quais eu não falei nenhum minuto, ele me orientou, esclareceu temas, indicou bibliografia, abriu uma série de portas para um projeto que foi reescrito e há pouco mais de três anos vem sendo trabalhado.
 
Cada descoberta era uma emoção, se emocionava com orgulho por cada documento inédito encontrado.
 
Uma semana antes do acidente eu lhe havia entregue meu texto de qualificação, a ideia era que eu qualificasse em abril... tanta coisa para fazer, alguns pontos para cobrir, discussões para melhorar. 
 
Eu sabia, que muito provavelmente, ele só iria ler meu texto na véspera da qualificação, como também sabia que só saberia sua opinião depois da qualificação, quando ele provavelmente iria apontar algum caminho antes não pensando, algum livro genial que esclareceria todas minhas dúvidas teóricas. Ficou o vazio. Não apenas o vazio de alguém que está se formando e que tinha no seu orientador a total confiança para ajudar a traçar seu caminho profissional, mas também o vazio da amizade.
 

Mas fica o compromisso de fazer antropologia e história com a erudição e a responsabilidade que ele fazia, de atuar na academia com a justiça e a convicção que ele tinha, mas principalmente, ser generoso com aqueles que estão se formando.

 

"Se me pedissem uma lembrança do Prof. John Monteiro"

Rubens Mascarenhas Neto

Se me pedissem uma lembrança do Prof. John Monteiro, me recordaria da ocasião, ao final de uma das aulas de Antropologia I, em que venci minha timidez de matuto e pedi a ele algumas referências bibliográficas para o seminário que teríamos que apresentar. Fui recebido com um sorriso manso (o mesmo que eu sempre vi em seu rosto no IFCH), uma voz calma e acolhedora recheada de sugestões de altíssimo nível. E se me permitem dizer algo, digo que sou muito grato pelo privilégio de ter sido um de seus vários alunos.

 

"Da pilha de textos por ler, escolhi um"

Daniela Feriani

Escrevi isso em 28/03, dia do velório de John Monteiro. Não pude ir ao velório e fiquei em casa o dia todo pensando nele, lembrando das aulas, palestras, conversas e de seu sorriso, sempre tão presente. Para tentar diminuir a sensação de desconforto e incredulidade, peguei um texto para ler. Escrevi isso logo após ler o texto:
Da pilha de textos por ler, escolhi um, ao acaso, pois não sabia do que se tratava, para o dia de hoje. Durante a leitura, fui-me dando conta do quanto a vida é feita de acasos tão significativos e que nos atravessam.
"A morte não é apenas um acontecimento possível, é um acontecimento necessário. Não é apenas um acontecimento com alguma gravidade: tem para o homem a gravidade absoluta. E enfim a morte pode ocorrer, bem sabemos, a qualquer momento. (...) Nesta meditação sobre a morte, (...) trata-se da possibilidade de uma certa forma de tomada de consciência de si mesmo, ou de uma certa forma de olhar que lançaremos sobre nós mesmos a partir do ponto de vista, por assim dizer, da morte, ou desta atualização da morte em nossa vida. (...) o exercício consiste em pensar que a morte nos alcançará no momento mesmo em que fazemos alguma coisa. Por esta espécie de olhar da morte que lançamos sobre nossa própria ocupação, podemos avaliar como ela é e, se chegarmos a considerar que há uma ocupação mais bela, moralmente mais válida, que poderíamos estar realizando no momento de morrer, é esta que devemos escolher, e consequentemente [devemos] nos colocar na melhor situação para morrer a cada instante." (A Hermenêutica do sujeito, de Michel Foucault).
Fica aqui como mais uma homenagem a John Monteiro (1956 - 2013).
Acredito que ele estava em sua melhor ocupação.

 

"Há cerca de sete anos atrás, como aluna metida que era, fui procurá-lo"

Carolina Perini de Almeida

Há cerca de sete anos atrás, como aluna metida que era, fui procurá-lo com a proposta de uma orientação dupla. Queria que ele e Raúl me orientassem em um projeto mal escrito sobre os Terena e o trabalho no corte de cana. Ele, gentil como sempre, foi comigo tomar um suco na cantina, destruiu o projeto, mas aceitou a proposta. O projeto foi reconstruído com os dois e deu o rumo do que seria minha vida hoje. Fui, de fato, orientada. E hoje percebo que ainda sou, quando em campo ou redigindo escuto suas vozes me orientando tanto em questões cruciais de pesquisa e análise, quanto nos detalhes, não menos cruciais, de formatação das referências, citações e notas de roda pé. O professor John era rigoroso com doçura, era um homem gentil e gerava gentileza. Triste com a notícia de sua partida, conforta-me saber que os ensinamentos de um bom professor ficam na gente." (Carolina Perini de Almeida).

 

"Era seu aluno desde que resolvi que seria cientista social"

Chris Tambascia

27 de marzo
Acho que vale toda homenagem e lembrança. Ontem, infelizmente, se foi um dos mais brilhantes intelectuais que já conheci. Achava o John extremamente engraçado, correto e de uma elegância sem tamanho. A ele devo meu começo na vida docente, primeiro como PED, depois como orientando. Ele soube estar perto para dar uma força quando precisei, mas também conseguiu a nada simples tarefa de dar espaço quando fosse preciso, pra que eu aprendesse e errasse sozinho, pois me tratava como um verdadeiro interlocutor. E isso mostra, para mim, um respeito que prezo demais. Realmente muito, muito triste.

2 de Abril
A morte de John me deixou um tanto quanto órfão, como tanto outros que agora querem se ajudar e diminuir o sofrimento. Eu fazia parte do grupo que ele ajudava sempre, mas, um orientando, oficialmente, só depois do doutorado. Mas era seu aluno, e era seu aluno desde que resolvi que seria cientista social (ainda antes de querer ser antropólogo, e talvez mesmo isso se deva mais a ele do que percebi na época).
A primeira vez que me vi como seu aluno foi logo quando entrei no curso de Sociais da Unicamp, lá pelos idos de 1997. Havia me matriculado na disciplina Antropologia no Brasil - que ele viria a ministrar por muitos anos. Tínhamos aula sexta de noite, módulo 4 (para quem não é daquela época: não era regra ter aulas seguidas de 4 horas). Eu tinha que me manter forte para ficar acordado, convidado pela sua famosa voz monotônica a pensar no que poderia estar fazendo que não sentado numa cadeira no IFCH sexta a noite. Mas isso era muito pouco face a empolgação que sentia. Ouvia pela primeira vez nomes de autores estranhíssimos, como Nimuendaju. E de grupos indígenas, alguns brasileiros, com suas histórias sofridas e belas, mas sempre fascinantes, e mesmo de outras sociedades, de outras paragens. E foi discutindo um texto de um neo-zelandês, com uma pesquisa melanesista, que recebi meu primeiro elogio de um professor: era ter notado que o nome do livro não marcava objetividade etnográfica, mas uma comunhão que, diziam os antropólogos mais bam-bam-bams naquela época, era necessária e inevitável, Nós os Tikopia. Nada mais justo, vindo de um professor americano, historiador de formação, que tinha, como ideia de uma antropologia brasileira, algo muito maior do que as mesquinharias fronteiriças que provincializam e constroem nichos.
E lá se foi mais de uma década de convívio com alguém que aprendi a respeitar como o intelectual brilhante que era. Mas, principalmente a pessoa doce, gentil e infinitamente generosa que era o John. Me peguei rindo em diversas ocasiões com alguém que, mesmo quando o assunto era sério, ou tenso, nunca perdia a linha. A última vez que o vi, pouco antes dele morrer, dei um oi rápido, e depois de pisar no seu pé enorme e tropeçar, cair no riso.
E então, em 2009, tive minha primeira experiência docente, como PED do John, na mesma Antropologia no Brasil. E ele me colocou para dar aula, o que nunca tinha feito. Todas as aulas! Mas nunca me deixando desamparado, ele acompanhava de longe, me dando uma força quando precisasse. E veio feliz um dia, quando o convidei (justo o docente responsável?!) para falar e debater seu próprio trabalho, para uma turma incrível e paciente, privada do maior especialista da casa, que ia ouvir alguém com pouquíssimo conhecimento sobre etnologia indígena, falar sobre o enorme campo de pesquisas. Foi para mim o maior testemunho de alguém que sempre estava disposto a orientar e ajudar, mas que tratava todos como iguais.
E ontem, dia primeiro de abril, na mesma disciplina, Antropologia no Brasil, agora pelo programa de prodoc que ele supervisionava, que era de outra querida aluna e parceira, a Mariana, e cujo escopo é justamente uma pesquisa de um daqueles nomes estranhos de mais de 10 anos atrás, Nimuendaju, dei minha primeira aula depois que John morreu. E devo muito ao Vitor, agora PED da disciplina, e orientando também do John (que sugeriu seu nome para o PED), uma tímida mas justa homenagem. Via Guimarães Rosa, por conta do tema da aula. E isso me fez pensar no quanto ainda acho tudo irreal, e no quanto aquele alerta dado pelo Bourdieu, citando Shakespeare, resume um pouco o que sinto, depois algo tão estupidamente aleatório e brutal: "uma história contada por um idiota, uma história cheia de som e de fúria, mas vazia de sentido". Espero que logo possa discordar de Bourdieu e construir sentido. Algo que talvez esteja fazendo neste texto. E também tenho a impressão que esse sentido está sendo mantido pelas iniciativas que estão sendo começadas pelos alunos do John - o que, a despeito da parceria tardia, no fundo e com orgulho, sempre serei.

 

"Não foi um raio. Foi John Manuel Monteiro"

Bernardo Curvelano Freire

Um ano atrás. Ri como com a mesma força com que tive que conter a graça. Um seminário qualquer como os que ocupam a agenda de qualquer pós-graduação, povoada de reuniões e meias-decisões recheadas de vento, feito pastel de histórias infanto-juvenis. Entra no recinto John Monteiro. O que dizer? Lento. Lento, mesmo. Cuidadoso, é verdade, mas lento. Os passos dados à forma de escolher não somente as palavras, mas também a flexão adequada de cada fonema, o que é a forma de falar de um estrangeiro cuidadoso. Entrou no auditório nos mesmos passos de estrangeiro cuidadoso, devagar e, sobretudo, sorridente ao primeiro contato visual. E ao segundo. Ao terceiro, pessoa a pessoa. No quarto, e este era eu, sorriso dado com a flexão correta, sorriso que não se desfez por inteiro até que viesse, logo mais, a digitar sua primeira nota em seu computador de colo, quando outra flexão, lenta, se dá no rosto produzindo a forma inversa do sorriso, uma lua minguante de quem decifrava o que o palestrante disse, dizia ou viria a dizer. Quando havia passado por mim, passou também por uma amiga. Ela, mais antiga do que eu na Unicamp ainda não conhecia a figura de John por inteiro. Nunca o tinha visto. Vi que acompanhou a figura larga e alta do professor americano com a mesma lentidão com a qual ele mesmo descia a rampa que corta o auditório ao meio. Ao pé do ouvido, o assombro em tom de chiste: “Nossa! Um raio atingiu esse homem?”. Ri a sair leite pelo nariz, ainda que só pudesse fazer silêncio. Silêncio que se repete hoje, já sem graça, por saber que não. Não foi um raio, mas um carro.

O mal começo de uma homenagem que não sei fazer continua na forma das brincadeiras que a lentidão de John figurava nas conversas mais irresponsáveis. A forma de coçar a cabeça com a palma da mão voltada para baixo pousada suavemente no topo do crânio com os dedos apontando a testa é, seguramente, aquilo que mais ouvi repetição. Irresponsáveis é quando podemos agir desta forma. A lentidão de John nos servia da caricatura na sua variedade de formas e manutenção do ritmo, o estrangeiro cuidadoso. Talvez eu pudesse listar uma quantidade de piadas ouvidas ou inventadas para estas notas ao ponto de reduzi-las a um anexo de pesquisa. Mas para fazer tal lista, precisaria inventar quase todos os outros casos.

O curioso é que a malícia de tecer comentários desabonadores nunca teve muito sucesso com a figura de John. O veneno que destilamos diariamente no hábito de fazer fofocas e destruir a imagem alheia com o que lhes é, e nos é pior, parecia ter lhe afetado somente de forma colateral. A lentidão peculiar de gestos variados, por exemplo, ao invés da cegueira que atinge a tantos atingidos pela força ofídica, pode ser encarada desta forma. Na integridade simples e no trato horizontal, John Monteiro tinha construído sua imunidade ao nosso veneno anti-monotonia adquirindo talvez uma única marca deixada por uma substância ruim, transformando-se em um passante que caminha lentamente. O caso é que John é, para além da caricatura, um estrangeiro cuidadoso que, para além da relação com o país o qual abraçou como historiador, professor e um perfect speaker da língua portuguesa, estava atento a ritmos um pouco mais sutis. Caminhava escolhendo a flexão de cada sílaba, lenta e cuidadosamente porque há de se fazê-lo da mesma forma que falar baixo é uma tática de se fazer ouvir. Devagar também é uma velocidade. O choque então está em saber que tenha partido tão rapidamente numa colisão provocada por um nativo descuidado deixando claro que perdemos alguma passagem de uma narrativa que acelerou sem nos darmos conta.

O falecimento de John Manuel Monteiro. Esta foi a razão de Raúl Ortiz Contreras me escrever ainda hoje, tão cedo, razão pela qual escrevo mesmo sem ter propriedade alguma em fazê-lo. De tantos tão próximos, de tanto tempo juntos, eu confesso ter chegado no que parecia ser o meio da história e, coisas da vida, já estavam quase no fim da festa. Mesmo que longe de ter contraído maior intimidade, me sinto obrigado a manifestar eu ter sentido sua morte com o peso e as lágrimas que esse tipo de vento traz. Não sei definir com clareza como seria isto, e nem por quê. Mas, assim como John, Raúl é alguém que conheço desde antes de tê-lo visto de fato, dado que sua figura já estava distribuída na trama dos amigos em comum que temos. E, de alguma forma via entre John e Raúl um ar de família, digo, uma parecença, uma coisa delicada que tem o odor da cautela, e que entendo como um certo carinho no trato, uma paciência na lida que vim a saber, pode ser um traço da Linhagem, os alunos que John nos legou, tantos deles amigos de momentos tão difíceis e caros. Legado raro.

Se via Raúl pelos olhos alheios de um amigo em comum, igualmente um sincero admirador de John como professor, o mesmo se deu com o mesmo John que me foi apresentado alguns anos antes de finalmente apertarmos as mãos, por via de seu livro Negros da Terra que li quando ainda livreiro e esquecido de me dedicar à pesquisa em antropologia. Mais adiante, conduzido por meu orientador Ronaldo Almeida nos demos as mãos, no que John estendeu a sua, lenta, mas firmemente. E é aqui que as brincadeiras sempre acabam. Não porque as deixamos de fazer, mas porque elas perdem força, não conseguem seguir adiante. O aperto de mão, firme. O olhar, direto. A conversa, franca, doce. Lenta como deve ser, de assuntos outros, de paisagem euro-americana, de modernistas e seus intelectuais destacáveis conforme a preferência da casa. E de supetão, já não tenho mais com quem conversar sobre as aventuras de William James na floresta amazônica, tema que lhe serviu de mote para me presentear com um livro organizado por sua esposa, Maria Helena Machado, e traduzido por ele mesmo, com vistas numa conversa futura. Não deu. Fomos brutalmente interrompidos. E ainda assim, mesmo tendo sobrado à mesa com a conversa cortada sei que, no final das contas o privilégio foi meu, ainda que por tão pouco tempo. Mas saber disso é saber muito pouco.

 

"Lembro-me dele como aquele norte-americano de português perfeito"

Verena Sevá Nogueira

Não tive com John propriamente uma relação de amizade, pois não partilhamos eventos pessoais de nossas vidas. Mas de várias formas ele participou, e ficará em minha memória, como na de outros muitos.
Primeiro lembro-me dele como aquele professor norte-americano, de fala lenta e de português perfeito (embora com algum sotaque), que ministrava a disciplina Antropologia no Brasil no curso de ciências sociais da Unicamp (infelizmente não cursei essa disciplina). Alguns anos mais tarde, dele me recordo compondo minha banca de ingresso no doutorado, ao lado de Emília Pietrafesa de Godoi e de Robin Wright. Com seu jeito aparentemente tímido e despretensioso, avalia meu projeto como “interessante”, “bem justificado teoricamente”, e dotado de alguns requisitos acadêmicos que justificavam meu ingresso no PPGAS. Ainda ali, e finalizando sua arguição, sugere apenas o que chama de uma “simples” mudança no projeto apresentado, o “abandono” de uma investigação sobre mobilidade e territorialidade em famílias camponesas, para trabalhar esses temas em grupos indígenas “localizados” na região da grande São Paulo. (Quem sabe um dia John...!). No ano seguinte, agora sim como meu professor em sala de aula, me apresenta “Time and the other”, de Johannes Fabian, um legado teórico que desde então me acompanha em meus devaneios antropológicos. Já no final do doutorado, naquele momento que qualquer ajuda é bem-vinda, acabo por ocupar, por oito meses, e sem pedir permissão, sua mesa de trabalho. De fato, foi Emília quem me emprestou sua mesa na sala que partilhava com John, mas como esta era bem desconfortável, acabei usando mesmo a de John, que na época trabalhava em alguma sala de alguma coordenação que já não me lembro mais.
Mas foi depois do meu doutorado, em 2011, durante a difícil transição que é “sair” da Unicamp depois de tantos anos ali, que de John me aproximei um pouco mais, em meio a uma espécie de relação intermediada por amigos. Foi através de Lucybeth Camargo de Arruda, Mariana Petroni, Ernenek Mejía e principalmente Raúl Ortiz Contreras, que “conheci” o CPEI, alguns de seus debates, conflitos, propósitos, e no meio disso tudo, o chefe de uma linhagem, o John. Foi Raúl quem me contou alguma coisa de sua trajetória acadêmica e de sua biografia, e solucionou minha antiga curiosidade acerca de seu sobrenome português. E, contagiada com a admiração, o carinho e o respeito dedicado por Raúl a seu professor, orientador e amigo, passei a admira-lo não apenas como uma bibliografia ou como um professor do doutorado, mas como o John que deixa saudades a tanta gente.
Por essas coisas, e por todos os que dele me aproximaram, tão triste fiquei com sua prematura partida. E decidi, mesmo sem muita legitimidade, escrever essas poucas linhas.

 

"Honrava o título de mestre para alunos"

Amanda Villa

27 de março de 2013

O dia nasce e a bandeira é hasteada a meio mastro. Em uma semana extremamente corrida, com afazeres mil e pouco tempo para respirar em repouso, um acontecimento de profunda tristeza vem à tona, trazendo consigo muita reflexão. É este mesmo o caminho que queremos tomar? São estes os passos que devemos seguir? Levamos uma vida toda buscando alcançar objetivos, mas nossos planos podem ser traídos e largados à força de uma hora para outra. De maneira repentina e brusca, hoje choramos a perda de uma mente brilhante. John Manuel Monteiro era um profissional exemplar, uma pessoa carinhosa, e honrava o título de mestre para alunos. Como acontece com todos os mestres, estas opiniões de admiração não eram unânimes, apesar de sua grandiosidade intelectual ser indiscutível, mas até mesmo seu ritmo constante e pendular enquanto ministrava suas aulas me faziam contemplá-lo: podia notar claramente que fazia parte de seu cuidado com o raciocínio, e com as palavras todas cautelosamente escolhidas que pronunciava. Ah! E quanto zelo com a pronúncia.
Este professor desejava apenas pouco mais de comprometimento dos alunos, e apreciava a ausência de uma competição mesquinha entre nós. Este pesquisador garantiu que fosse o melhor em tudo o que fizesse, recebendo o devido reconhecimento por todo o mundo. A perda, com tudo o que potencialmente ainda produziria, é irreparável. E o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp se encontra, agora, órfão.
Já sinto falta de seu olhar e sorriso consoladores, e do orgulho que sentia ao ter a oportunidade de conviver com uma pessoa de tamanha competência. Este professor se mostrou um exemplo a ser seguido para mim, cuja ética e coerência nunca abandonaram suas ações, e que sempre demonstrou almejar a incessante melhora.
Hoje escuto um profundo silêncio, e sinto muita tristeza. O grande John parte chocando a todos nós, mas deixando uma preciosa herança. Acho mesmo que, caso exista algum plano celestial, os seres sagrados são ansiosos demais pela companhia de pessoas incríveis da terra.

 

"Foi assim que fiz minha primeira resenha"

Adriano Godoy

Lembro quando saiu a grade de horários ainda no primeiro ano da graduação em que o professor John nos ofereceria antropologia três: "ele é referência mundial, já deu aula em Harvard" era o que mais escutava nos corredores e era confirmado pelo seu longo currículo. Fui para a primeira aula imaginando um professor austero e distante (como tantos outros) e, para minha surpresa, ele se mostrou o oposto: trazia uma preocupação pontual com cada aluno e sempre muito próximo estimulou sobretudo a escrita antropológica. Com muita paciência era generoso nas explicações e atividades para além da bibliografia. Foi assim que fiz minha primeira resenha e o meu primeiro caderno de campo que ele lia minuciosamente, corrigindo erros e apontando caminhos. Sempre como interlocutor, horizontalmente, com quem quer que fosse. Característica que levou até a direção nesses últimos meses. Se já o admirava isso só cresceu quando, em 2009, no meio de uma grande passeata pela avenida paulista o encontrei de bandana na cabeça, mochila nas costas e uma flor na mão gritando "Fora PM" ombro a ombro com os estudantes. Por fim, foi como aluno da pós-graduação que pude reafirmar a sua seriedade e compromisso não só com as demandas do departamento, mas com uma universidade mais democrática e justa. Uma grande perda, em todos os sentidos. Meus sinceros sentimentos a todos nesse momento de dor e perplexidade.

 

"Gentil e agradável que era sua marca distintiva"

Renzo Taddei

No período em que fiz meu pós-doutorado no Departamento de Antropologia da UNICAMP (2008-2009), o John era o chefe de departamento, e trabalhamos juntos na criação da Cátedra Roberto Cardoso de Oliveira, em interlocução direta com a Virginia Garcia Acosta, do CIESAS (México). O que mais me marcou nesse contato direto com o John era sua capacidade de trabalhar por horas a fio, em questões muitas vezes meramente burocráticas, sem perder o espírito gentil e agradável que era sua marca distintiva.

 

"A sala inteira o aplaudia"

Jana Gomes

Lembro com enorme carinho das aulas em 2009 quando eu era mais uma aluna de Antropologia no Brasil. As aulas eram em um pequeno círculo e pareciam ...um agradável bate papo. Naquele semestre o John iria ministrar uma aula aberta a uma banca de professores como etapa final, salvo engano, para que se tornasse o titular da disciplina na Unicamp. Com um jeito quase sem graça, tímido, o John convidou a turma para assisti-lo nesta aula. Seu trato gentil e igualitário com os alunos sempre foi uma de suas marcas na docência, mas aquele convite sincero me pareceu, naquela oportunidade, uma grata surpresa. Eu já sabia que a gentileza era uma de suas características mais marcantes, mas a modéstia e timidez do convite surpreendeu a todos, afinal, tratava-se de um grande acadêmico e, muitas vezes, parece haver um abismo entre alunos e professores. Esse abismo não existia entre o John e seus alunos.

Lembro de chegar a sua aula aberta e notar que nossa pequena turma comparecera em peso. Na aula seguinte perguntamos qual o resultado, se fora aprovado. A resposta afirmativa veio junto a um sorriso delicadamente envergonhado e um leve rubor na face. A sala inteira o aplaudia e ele, de maneira tão humana e doce que é difícil descrever, agradecia a turma e a presença de todos naquele momento importante de sua vida.

É muito difícil conter as lágrimas lembrando deste dia. Aquele dia que definiu o John Monteiro pra mim: uma pessoa muito amável. Simples assim.

Para além da perda acadêmica e para nosso instituto, sem dúvidas irreparável, sua partida precoce parte meu coração. Como descrever a injustiça de sua morte?

Torço para que exista paz após sua passagem por aqui, que exista consolo para seus familiares e amigos, que haja numerosas homenagens a ele e, especialmente, que o tempo não apague o querido John Monteiro de nossas mentes e corações.

 

"Mestre, orientador e parceiro dos saberes indígenas"

Patricia Lora

As experiências dos que nos precederam, dos nossos “poetas mortos”, nos ajudam a caminhar pela vida, disse Whitman. Comecei a caminhar com o John, aprendi das suas aulas, das suas conversas, de cada momento de troca, também dos seus silêncios, do seu sorriso, do seu jeito particular de cuidar e de se preocupar pela gente. Só tenho gratidão pela sua orientação, pela sua confiança, pela compreensão, pelo carinho e pelo respeito com o qual me acompanhou nesta jornada pela Unicamp. John, querido mestre, orientador e parceiro dos saberes indígenas, muito obrigada!

 

"Sempre me encantava ouvir o John..."

Roberta Tojal

Desde do instante que fiquei sabendo sobre o John tenho tentado escrever algo que realmente o homenageasse como ele merece... li uma a uma as homenagens de amigos, orientandos, alunos, organizações, jornais (chorei com cada uma delas)... Lindas homenagens e pensei que o John é este tipo de pessoa que queremos homenagear. Alguém a se admirar, um exemplo para cada um de nós que teve a oportunidade de conhecer, de conviver, de ouvir, de ler. 
 Mais do que tudo o que fez pela história e pela antropologia, o admiramos por tudo que fez por cada um de nós, pelo seu tempo, pelo seu cuidar, pela forma como nos punha no colo e nos guiava. 
 Sempre me encantava ouvir o John... o mundo parecia parar do lado de fora daquelas paredes... o tempo sempre tinha uma outra extensão... ele nunca se apresava, isto me dava paz, me dava tempo.
 A história era seu ofício, um grande contador de histórias, uma mente brilhante, um amante do fazer e do conhecer... seu modo de amar a história era seu modo de amar o mundo... ao nos ensinar ele partilhou este amor e o plantou dentro de cada com seu brilho... 
 Hoje nos despedimos do seu corpo, mas este amor está vivo e sempre estará... Vá em paz, meu amor... nos encontramos no universo!
 Foi o melhor que pude fazer, meu coração está contigo... Te amo há de eterno!
 

"Aquele cara sorridente da orelha do livro"

João Paulo Peixoto Costa

A notícia da morte do John veio como uma porrada enorme pra mim. Logo ele? Por isso que pra mim é tudo tão estranho, a ponto de sentir tão forte, como mais ou menos disse Renato Russo, saudade do que nunca vi, do que nem tive a oportunidade de vivenciar.
 
Digo isso porque eu estava meio que realizando um sonho que nem era só meu, mas de qualquer um que trabalhasse com história dessas pessoas que, há pouco tempo atrás, nem tinham história. Ainda na faculdade, em Fortaleza, me recomendaram como primeira leitura o "Negros da Terra". Aquele cara que aparecia sorridente na orelha do livro era como que inalcançável, mas ao mesmo tempo, vinha com uma aparente simpatia incomum pra o que eu conhecia como "intelectual acadêmico". 
 
Quando já recém-formado, em 2009, tive finalmente a oportunidade de conhecê-lo, no encontro da Anpuh (Associação Nacional de História) na Universidade Federal do Ceará. Era muito louco: o cara sorridente da orelha do livro realmente "existia", estava ali na minha frente! Como sou muito atrevido, não me contentei só com aquilo, até porque ele tinha saído lá não sei de onde pra minha cidade. Durante o Simpósio sobre história dos índios - iniciativa dele, hoje já consolidado e de onde nasceu o GT nacional "Os índios na história" - fazia perguntas aos apresentadores, esperando que ele ouvisse alguma coisa do que eu dizia, e em um dos intervalos, fui lá falar com ele. De repente, uma professora (provavelmente doutora), cujo nome não me recordo, quis interromper nossa conversa, para tratar de algum assunto que ela deveria achar bem mais interessante que o de um reles ninguém (que era eu!). Mas ele, o cara do livro, e que agora eu já podia chamar de John, fez algo que eu jamais esperaria de muitos professores que eu conhecia: disse a ela que esperasse, pois estava falando comigo!
 
Esse tipo de atitude não me fez sentir maior do que ninguém, inclusive da professora provavelmente doutora, mas me explicou porque aquele cara sorridente (ou melhor, o John), tinha tantos seguidores, era tão respeitado, tinha feito tanta coisa. Apesar de tudo que era, ele não estava acima de ninguém, mas aglutinou todas aquelas referência nacionais que lotaram por vários dias aquela sala da UFC.
 
Dois anos depois, agora morando em Teresina, minha orientadora à época, Juliana Aragão, faz uma sugestão que, num primeiro momento, eu achei audaciosa demais: "convida o John pra tua banca de mestrado"! E o fiz em outro encontro da Anpuh, agora na terra dele, em São Paulo. Quando o encontrei, e fiz o convite, ele me respondeu, novamente sorridente: "claro"! 
 
Foi sua primeira vez em Teresina. Após a defesa, fui com ele de taxi deixá-lo no hotel (estava dentro de um taxi com John Monteiro!), ele me convidou pra seleção do doutorado na Unicamp! Era até difícil de acreditar. Principalmente pela ajuda que deu na minha inscrição, que quase não deu certo pelo atraso dos correios, mas que ele me garantiu que, qualquer coisa, ele iria reclamar! 
 
Finalmente, entrei na Unicamp! E aquele cara sorridente da orelha do livro, nada de professor doutor John Manuel Monteiro, mas o John, seria meu orientador. 
 
Ainda estou com essa "coisa" na cabeça: sou o último orientando do John no curso de História, o último de sua história. é estranho demais porque a lembrança que tenho dele é de nos encontrarmos pelo campus na semana anterior ao acidente, com ele sorrindo! 
 
Pra concluir, queria falar de outra lembrança, pra mim das mais significativas. Depois da minha entrevista na seleção do doutorado, que pela reação da banca, não foi lá essas coisas, fui conversar com ele, ansioso pela resposta. Ele disse: "você 'patinou' um pouco, mas eu acredito em você"! 
 
Certamente, não é só em mim que ele acredita. Por acreditar em tanta gente, em nós que escrevemos essas histórias, é que tudo isso aconteceu, é que estou aqui. Lembro do que disse Ernenek, um de seus milhares de orientandos: a melhor homenagem é continuarmos! Devemos continuar sua história, continuar acreditando que é possível escrever histórias daqueles que não tinham história. 
 
Como seu último orientando, eis a feliz obrigação que sinto. 
 
Mais uma vez John, muito obrigado! 
 

"Para nós povos indígenas é uma grande perda"

Chikinha Paresi

Meus amigos e amigas, estou triste pela perda irreparável do Prof. John Monteiro da UNICAMP tive a satisfação de conhecê-lo e aulas com ele no Doutorado como aluna especial, foi um grande incentivador para a pesquisa e estudos na linha da história indígena. Para nós povos indígenas é uma grande perda, pois ele contribuiu com a historiografia brasileira, nos colocando como sujeito da historia indígena e do Brasil. Estávamos preparando para um trabalho importante que iria contribuir com a Lei 11.645. Me sinto orfã diante desta tragédia!
Sentimos profundos de pesar a sua familia, aos meus colegas do doutorado, tô arrasada com esta notícia!
 

"Capaz de enfrentar os cabeludíssimos problemas com tranquilidade"

Daniela Ferreira Araújo Silva

Outros colegas já comentaram sobre o delicioso senso de humor do Prof. John. Lembro de uma aula na pós, quando uma das alunas se desculpou por ter que sair mais cedo da aula para ter que cuidar da filha, ainda bebê, para que o marido pudesse cumprir com o compromisso. Ele, com o sorriso preciso de sempre, disse algo nessas linhas: "Você poderia tê-la trazido a aula. É conhecido o poder soporífero do meu tom de voz, ela dormiria o tempo inteiro". Suspeito que John soubesse que, por trás das nossa irresponsável jocosidade, houvesse a genuína expressão do afeto que tínhamos por ele, em uma dessas peculiares formas que as hierarquias sociais muitas vezes lhe dão". Pelo contato esporádico que tive com ele, como aluna do instituto desde a graduação ao fim do doutorado, não poderia imaginar que sua partida me fizesse sentir um vazio tão grande. Mas acho que o tamanho do vazio é proporcinal à grandeza da vida do homem, que de sua forma tranquila, sem fazer alarde, deixou um legado sólido e inestimável, não só por toda a sua obra, mas também pelo exemplo de ser a pessoa que ele era: capaz de enfrentar os cabeludíssimos problemas com tranquilidade e paciência, de dialogar e conciliar, de não se abalar, não ficar amargo, ou paranóico, ou desesperançoso com todas as agruras tantas vezes surreais que abatem a vida acadêmica em uma instituição como a Unicamp; sem perder tempo lustrando os brios da reputação intelectual ou administrativa, mas trabalhando diligentemente pelo que considerava ser o melhor a ser feito. E que fazia questão de arrumar tempo pra ser feliz. Enfim, o tipo da pessoa que eu adoraria ser quando crescer.

 

"John sempre apresentou novas possibilidades"

Marcelo Moura Mello

Tive o privilégio de ser aluno de John Monteiro, assim como os (as) demais colegas da turma de mestrado de 2006, em uma disciplina cujo conteúdo, em geral, tem um caráter mais fixo: História e Teoria da Antropologia I. Ao invés de revisar autores seguindo uma orientação cronológica, como sói acontecer, John optou por outro caminho: ele escolheu uma temática (tempo e antropologia) e transitou por diferentes contribuições da antropologia, formuladas seja por autores 'clássicos', seja por autores 'contemporâneos'.
 
Certamente, qualquer escolha de bibliografia acarreta em supressões e lacunas, mas já nesse momento tivemos uma ideia das orientações de John: seu objetivo era o diálogo, de pensar a partir de distintas perspectivas, de atravessar fronteiras disciplinares, de romper com soluções fáceis.
 
Dentre as inúmeras virtudes de John, algo que chamava minha atenção é que sua 'interdisciplinariedade' não se restringia a seu tema de estudo. Seu vasto saber facilitava a discussão de vários assuntos, mas era justamente a combinação de erudição, gentileza e receptividade que tornava-o tão convidativo a alunos como eu, que não realizavam pesquisas sobre etnologia indígena.
 
Em todas minhas conversas sobre projetos de pesquisa (realizados, em curso ou engavetados), John sempre apresentou novas possibilidades.
 
Ao comentar minha pesquisa sobre remanescentes de quilombos no sul do país, John sempre sugeriu novas vias, em geral inexploradas por conta de um habitus paroquial, que paira sobre todos nós. Nossas conversas e suas arguições mais do que generosas na qualificação e na defesa da dissertação reforçaram um dos seus ensinamentos: para aprender sobre nossos temas, não é indispensável conversar apenas com os 'especialistas' da área. 
 
Ao discutir um projeto sobre as relações entre africanos e indígenas no sul do Brasil no século XIX, John comentou: “Interessante. Mas é preciso conciliar interesses históricos com os antropológicos. Além do mais, por que se limitar o Brasil? Precisamos pensar além do próprio umbigo. Estenda essa pesquisa para a região platina”.
 
Por fim, em nosso último encontro, na RBA (2012), aproveitei-me novamente de sua solicitude para discutir meu atual tema de pesquisa – o culto à deusa hindu Kali na Guiana. John, com seu conhecimento sobre a Índia, me ofereceu novos ensinamentos e sugeriu-me possíveis linhas de investigação. E, generoso como era, enviou-me por e-mail o quadro da deusa Kali que tinha em sua casa, além de franquear o acesso à sua coleção de livros sobre o tema.
 
Assim era John. O maior especialista em sua área de estudos, mas que sempre estava disposto a trilhar novos rumos. Um acadêmico alheio a fronteiras rígidas entre saberes, áreas de estudo, disciplinas e nações. Um grande mestre, em suma, que sempre incentivou a abertura de novos caminhos. Tragicamente, John deixou um vazio quando percorria um caminho rotineiro. Resta a certeza de que o convívio e o aprendizado com John abriu, para muitos, caminhos impensáveis, que, independentemente da forma como serão trilhados, trarão a marca indelével desse mestre.
 

"Quem me ensinou a fazer resenha foi o John"

Flávia Paniz

Quem me ensinou a fazer resenha foi o John, quem me ensinou a fazer diagrama de parentesco foi o John, quem me ensinou a fazer resenha de filme foi o John, quem me ensinou a fazer diário de campo foi o John. Acho que toda vez que eu fizer qualquer trabalho acadêmico vou lembrar do John.... ele não era meu orientador, mas ele foi o cara que sentou comigo por mais de uma hora pra me explicar mil coisas sem nunca olhar o relógio, ele foi o cara que, na época da graduação, devolveu o meu diário de campo com um bilhete que dizia: "nunca vi alguem falar de Oasis e Marshall Sahllins no mesmo assunto, mas deu certo, parabéns pela criatividade e empolgação". Será que ele gostava de Oasis? Saudades John.
 

"Do Brasil fomos para Goa"

Lucas Mestrinelli

Quando, em 2010, fui pedir ao John que me orientasse em um projeto de iniciação científica, subi e desci as escadas do prédio da direção do IFCH, e perambulei apreensivo pelo corredor antes de tomar coragem para bater em sua porta. No entanto, no curto instante entre um olhar simpático e um sorriso amigável, todas as minhas preocupações me abandonaram. Do Brasil fomos para Goa, e por horas o escutei falar com entusiasmo. Em poucas semanas John me presenteava com um livro. Ou melhor, acho que foi uma dádiva. "Um brasileiro em terras portuguesas", o livro, falava de um outro brasileiro. Mas o presente falava comigo, e de certo modo me prendeu ao John, a um novo mundo, me libertando daquele que estava acostumado. O destino, que passava por Goa, ainda era desconhecido, mas a viagem logo se tornou um sonho. Em momentos breves e preciosos, entre um olhar simpático e um sorriso amigável, vivi uma jornada no sentido mais radical que consigo compreender.

 

"Parece que umas luzes se apagam"

Olivia Gonçalves Janequine

Quando um mestre se vai, parece que umas luzes se apagam aqui e outras se acendem em outro lugar, que eu ainda não vejo

 

"Eu ficava algumas vezes depois da aula, bombardeando-lhe de perguntas"

Stella Zagatto Paterniani

O john foi meu professor no segundo ano da graduação. cheia de questões e angústias, eu ficava algumas vezes depois da aula, bombardeando-lhe de perguntas. numa dessas ocasiões, ele me levou até a sala dele e lá conversamos por muito tempo. ele me emprestou um livro do marvin harris, 'cultural materialism', e sugeriu que eu o lesse, podia ser mais pra frente, não tinha problema, podia ficar com ele o tempo que quisesse. em 2010, prestei o processo seletivo para o mestrado em antropologia. john fazia parte da banca de seleção. durante a entrevista, ele ficou boa parte do tempo em silêncio; só me fez uma pergunta: 'por quê na antropologia?'. essa pergunta abre a introdução da minha dissertação, que devo defender em breve, e está presente o tempo todo no texto. durante o mestrado, fui representante discente ao mesmo tempo em que john era chefe de departamento. acompanhei as reuniões de departamento nutrindo um crescente respeito e admiração por ele, suas posturas sempre éticas, íntegras, ponderadas. foi um 'professor', um 'mestre' no pleno sentido desses termos. e há dias eu me pego perplexa, olhando, na minha estante, o livro que ele me emprestou.
 

 "Ele sempre sorrindo, cheio de ideias e novos textos"

Emanuela Mendes

Quantas vezes esperei o Prof. John Monteiro sentada na escada do IFCH para nossa reunião semanal, ele sempre sorrindo, cheio de ideias e novos textos... Saudades...

 

"A minha história com o John se inicia e termina com dois livros brilhantes"

Erik Petschelies

A minha história com o John se inicia e termina com dois livros brilhantes. No primeiro a relação entre antropologia e história não é apenas evidente por conta do objeto de pesquisa, índios coloniais, mas também por aliar metodologicamente a perspicácia etnográfica à meticulosidade historiográfica. O segundo livro, é parte de uma obra muito vasta, constantemente acusada de ignorar a história. Enfim, quando eu cursava Antropologia I, a Heloisa Pontes passou como texto de apoio um trecho de "Negros da Terra". Eu me lembro que eu estava lendo este texto a cama, e eu me empolgava tanto que não conseguia ficar deitado. Achei incrível. Outro dia, eu andava aleatoriamente pelos corredores do IFCH quando vi o nome do John Manuel Monteiro em uma das salas dos professos. Fiquei atônito quando soube que o autor daquele livro lecionava na Unicamp. Imediatamente comecei a pensar em um projeto para que ele me orientasse na iniciação científica. A nossa primeira conversa foi marcada para após uma assembleia geral. Mesmo depois de participar de uma longa reunião, que durara umas quatro ou cinco horas, ele me atendeu, mas estava com fome e queria comer alguma coisa. Ele me perguntou por uma cantina, eu sugeria aquela pequena da física, que já não existe mais. Na cantina o John olhou as opções e disse, o que está melhor aqui, é o pão de queijo? Quero um e um suco de laranja. E uma paçoca. Eu pedi um café. Eu quis pagar, mas o John não deixou. Eu pago, John. Não eu pago. Que isso, eu insisto. Ele me olhou sério, EU pago. Ele era um cavalheiro. Começamos a conversar sobre o meu projeto, que era absolutamente ridículo. Enquanto conversávamos, ouvimos o moço da cantina chamando João. Conversávamos. João! Conversávamos. JOÃO! Conversávamos. JO-ÃO! Acho que sou eu, ele disse foi pegar o suco. Eu fiquei rindo constrangido. Apesar do projeto ser muito ruim, pois eu estava no primeiro ano, em 2006, o John, me falava, olha você pode apro veitar isso, pense naquilo, leia fulano. Faça as matérias as matérias de pesquisa antropológica e metodologia de pesquisa, ela te ajudarão muito. Fiz, elas ajudaram e concluí a pesquisa. Em dezembro de 2012, durante a minha qualificação de mestrado, orientado pelo John, O Uirá Garcia sugeriu que eu devesse ler o “Finale” do “Homem Nu” de Lévi-Strauss. Como eu só havia dois meses para terminar, eu disse, olha eu vou tentar, mas acho que não dá tempo, porque eu só estou escrevendo. Algumas horas antes da minha defesa eu recebi um SMS de um amigo, Boa sorte Erik e que a força de Lévi-Strauss esteja com você. Durante a defesa, dia 22 de março, havia vários livros em cima de mesa, mas eu nem reparei neles. Depois de anunciar, sem mais firulas, nas palavras do John, que eu fora aprovado, o John me abraçou e me deu um livro preto enorme de presente. Erik, um dia depois da sua qualificação eu fui até uma feira de livros e comprei este para você. Era “O Homem Nu”. Foi a última vez que nos vimos. Ele era um cavalheiro.
 

"Pode ficar com ele, eu peço outro a editora!"

Ana Laura Lobato

Não fiz a graduação na Unicamp e por esta razão, me sentia em certa medida, "fora do ninho" me mantendo, então um pouco mais distante dos professores do que muitos dos meu colegas, muito embora, ficasse encantada e admirada pelo privilégio ter excelentes professores e colegas que me ofereceram uma das mais ricas experiências não só na formação antropológica mas e sobretudo humana. Com o querido John tive dois processos distintos de troca e muito aprendizado como aluna e depois com o estágio docente. Me lembro com se fosse hoje do dia da avaliação da primeira resenha que fizemos. Cheguei em casa extasiada com a generosidade dele em pegar cada um dos nossos erros e também acertos para nos mostrar “com é que se faz". Assim foi o nosso curso, com erros e acertos e um espirito permanente de busca pelo melhor. No estágio docente o medo era imenso! Era minha primeira experiência e ainda na antropologia 3 (Mauss, Shallins, Turner e claro o temeroso Levi-Strauss). Uma turma de mais de 50 alunos, conteúdos que eu mesma ainda tinha dificuldade. Mas ele fazia tudo parecer fácil, embora não fosse simples. Me estimulava a "tomar frente" e depois com seu jeito sereno me apontava os erros e também os acertos. Emprestava, livros, noticias de jornal, dvds, tudo que pudesse enriquecer o aprendizado dos alunos e o meu. Um destes livros eu “enrolei” um pouco para devolver, depois de algumas tentativas mal sucedidas de encontra-lo na sua sala já morta de vergonha pela demora, eis que esbarro com John na secretaria do departamento e confesso ainda estar com a “Sociologia e Antropologia do Maus” prometendo rapidamente deixar lá mesmo no dia seguinte. E com um sorriso leve no rosto ele me reponde: mas você está precisando dele então, certo?! Pode ficar com ele, eu peço outro a editora! Ops e vergonha me consumiu inteira, tentando me desculpar e ele insistindo de que tudo bem,
 eu poderia ficar com o livro. Bem para muito pode ser apenas um livro, mas para mim foi um gesto de absoluta generosidade e serei sempre grata a ele por tudo isso. A convivência com John foi uma das experiências mais marcantes na minha formação. Saudades...
 

"Ele era um grande incentivador dos alunos!"

Raquel Modolo

Quando foi meu professor, no terceiro semestre do curso, John nos incentivou a escrever - comentários de filmes e diários semanais, o que me deu a certeza de que aquela atividade faria parte da minha vida de modo muito especial dali em diante! Ele dizia, eu me lembro, que era importante que os recém chegados já se acostumassem com a prática de escrever... escrever sobre os acontecimentos políticos, as observações cotidianas, das coisas mais evidentes às menos percebidas. Ele era, mais que qualquer outro professor que tive, um grande incentivador dos alunos! Ele "punha fé" na capacidade de seus alunos! Apesar, infelizmente, do pouco contato, eu o admiro muito!

 

"Imagino um pouco como se a estrela norte apagasse"

Eva Rößler

Imagino um pouco como se a estrela norte apagasse de repente e tem que achar seu caminho sem luz. Mas ele criou "Johnzetes" para isso, grande responsabilidade eles tem agora e grande honra! ele estará nos corações de todos que já tiverem aula com ele, mais um abraço desses forte e longos para a "linhagem"
 

"Parece que vou escrever esta mensagem e ele a lerá"

Fernanda Sposito

Como os demais, estou incrédula e profundamente triste. Não há palavras para expressar a dor da perda da pessoa e intelectual que John era. Parece que vou escrever esta mensagem e ele a lerá, o que torna tudo tão surreal. Envio minha solidariedade às pessoas próximas a ele, aos familiares, filhos, à Maria Helena.
 
John foi um ser marcante em minha vida, um divisor de águas no rumo que minha vida acadêmica tomou. Como pessoa generosa que era (é tão difícil usar o verbo no passado!) vinha contribuindo com meu trabalho desde o primeiro encontro, em 2004, até a participação em minha banca de doutorado, em janeiroúltimo.
 
Nem sei mais o que dizer.... Como disse Edson, que nos consolemos, que o homenageemos. 
 

"Minha admiração não morrerá"

Edna Ferreira

Além da profunda tristeza pela perda de um ser humano digno de todos os elogios, professor e amigo, sempre com palavras carinhosas de incentivo e esperança...sem dúvida o mundo perde um grande homem... com certeza minha admiração não morrerá.. Meus sentimentos aos familiares.
 

"O sorriso amigo e reconfortante em um Cebrape tão frio"

Giovana Lopes Feijão

Foi um amigo que está em Paris que me avisou do falecimento do John nas primeiras horas da manhã aqui na Europa, ainda madrugada no Brasil. Eu não conseguia acreditar. Desliguei o computador na vã esperança de que o fuso, a distância ou algum engano me desmentisse a notícia mais tarde. Religuei o computador umas 4 horas depois e infelizmente era verdade. Então foram dois dias de lágrimas, saudades, lembranças e uma imensa vontade de estar no Brasil para me despedir, abraçar os amigos e dividir a tristeza.
 Ele era o sorriso amigo e reconfortante em um Cebrape tão frio para uma bolsista do primeiro ano de graduação. Com ele conheci autores, livros e tribos. Perdi a conta das vezes em que conversas informais se tornaram surpreendentes indicações de livros, que sempre se tornavam os preferidos da estante. Também não lembro quantas foram as tentativas de imitar sua disciplina e começar os meus diários, coisa que nunca consegui. Quem sabe agora? Mas principalmente o que aprendi com ele foi a imensa generosidade, o diálogo sempre aberto e o respeito a intelectualidade alheia.
Aos parentes, amigos e orientando desejo força, coragem e muito trabalho para que linhagem tão nobre continue.
 

"John, meu amigo, 'Sr. orientador'"

Vítor Queiroz

27 de março 
John, meu amigo, “Sr. orientador”, onde quer você esteja espero que você esteja em paz. Nós ficamos por aqui com muita honra de termos sido guiados e dividir tantas coisas com você. Você sabe que nossa admiração é imensa e que você vai estar sempre aqui, não enquanto corpo, mas como estrela, encantado mesmo. John, já contamos muito com você. Agora esperamos corresponder aos seus cuidados – e que você, suas reflexões, sua gentileza, suas atitudes políticas – possam também contar com a gente. Um beijo do seu orientando.
 
5 de abril
DA MORTE.
trenodia
 
toda a vil cobiça é abandonada,
e cadê a iluminação?
 
uma lagarta
uma rã
um poço
ou um Buda? afinal, por que, Jesus?
pra que servem as perguntas?
 
no quando entretanto
no ontem
no futuro do pretérito, no imparfait,
no sempre, 
os mesmos motivos 
as mesmas plumas,
da morte a ode mínima.
da morte.
 
e qual a diferença entre o lírio esmaecido
e a célebre cantiga da rosa,
de que vale o pouco
o nada
e o inteiro, o violão vadio de Cruz e Souza,
o charme o funk
o banho ou a tosa?
 
afinal, quantos zeros
são, de fato, 
necessários
para habitar o êrmo animista do deserto? 
e, uma vez que em toda má fábula
quaisquer animais falam
quanto dá
a soma de todas as opções?
 
da vida.
 
toda a vil cobiça é abandonada,
e cadê a iluminação?
 
velha é a carta amassada 
em cima da mesa nova, prazenteira.
 
uma lagarta
uma rã
um poço sem fundo
e a vida frágil transparecendo
no que é 
na superfície branda,
o que é
que essa vidinha significa?
 
tem dias em que o dia anoitece antes dos ossos
e tudo é prematuro
 
cadê a foto do primeiro Buda
no fundo do poço?
 
cadê a careca do Buda 
amanhecendo antes da fístula e do pensamento?
 
cadê o espelho do Buda
que salvou a aranha e sua teia a samambaia e o revólver?
 
o tédio o morro a taquicardia
os ventos uivantes e o óbvio ululante?
 
cadê o fundo do poço, aliás?
 
no final da história, depois de cada sentença
há uma árvore em miniatura
e, no toco no vão de seus galhos 
 
a fragilidade irreprimível
de todas as coisas, da cantiga,
do espinho e da rosa habita.
 
as pedras tumulares um dia
e sempre despetalam o horror
na frincha, na fresta da ausência
 
e uma dessas pedras musguentas
dum tanque, pobrecito, qualquer
perorava sozinha no êrmo 
 
frio e prazenteiro de um jardim
tentando encobrir, no oco no toco,
o zumbidinho caranguejeiro, as lantejoulas
 
inquietas da libélula, cáscara sin valor,
toda surda e transparente:
 
"- Vamos, não fique a vontade na casa
desse Buda!
 
Passe voando, criatura,
pelo deserto chamado "Aqui Não Mora Nenhum Buda"."
 
mas cadê a rã a pedra o musgo e a transparência
cadê o número um?
"Aqui Não Mora Nenhum Buda"
 
um descabelo raspado no pouco no oco no toco,
no pente rente
 
alguém cantando longe daqui
um canção antiga
no quanto entretanto
no ontem
no futuro do pretérito, no imparfait,
no sempre
no ainda, present perfect tense, o refrão revelho
da cantiga da rosa:
"e passe voando, meu netinho,
pelo deserto chamado "Aqui Não Mora Nenhum Buda"."
 
tem dias em que o dia anoitece e pronto, acabou
aí não fica mais nada
 
de pé.
 
aos trancos e barrancos
em cima dos seus pés,
John Manuel, 
estão outros pés
evitando a dor dos pisões
e da falta de assunto
 
pero, o que é
que você guardou
no baú
esmaecido
da vida ínfima
da vida, frágil inseto, da rã transitória
das fábulas?
 
uma foto da primeira iluminação
uma cantiga
uma estação que favorece a introspecção
e certo hermetismo
uma balada elizabetana
uma dor de dentes
 
cadê?
cadê?
cadê?
cadê?
cadê?
cadê?
cadê?
cadê?
cadê?
 

Um profissional ético, dedicado e brilhante"

Núbia Braga Ribeiro

Meus sentimentos aos familiares e amigos do Prof. John Monteiro. A lembrança de um profissional ético, dedicado e brilhante ficará para sempre entre nós.
 

"Ele era uma daquelas raras pessoas que agregam"

Larissa Nadai

Escrevi esse depoimento no dia 27/03, uma triste quarta-feira, quando incrédulos permanecíamos "juntos" no IFCH. Penso que esperávamos mais que notícias e abraços. Segue o texto: 
Só tenho a agradecer ao professor John Monteiro. Com ele aprendi que devo defender aquilo em que acredito com elegância, serenidade e justiça. Ele era um exemplo único desses três adjetivos dentre tantos adjetivos que são impossíveis nomear agora. Sua partida repentina, impensável e tão dolorosa embarga a voz. Uma perda inestimável para Antropologia, para o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, para a vida. Sentirei falta de suas criativas reflexões, de sua generosidade em compartir conhecimento, de sua seriedade acadêmica e política, mas acima de tudo de seu sorriso franco e convidativo ao debate.
Hoje, completaria essas palavras, dizendo: John Monteiro não era apenas querido por muitos, ele era uma daquelas raras pessoas que agregam, que compartem o conhecimento com uma generosidade ímpar e que não abandonam um debate, nem por mesquinharias, menos ainda por discordâncias ou posições políticas divergentes. Raridade no mundo acadêmico, sua falta será para sempre irreparável.
 

"O problema não é a falta, mas o excesso de lembranças"

Luisa Tombini Wittmann

Escrever sobre John não é tarefa fácil. O problema não é a falta, mas o excesso de lembranças. Muito foi e está sendo dito sobre sua excelência e generosidade, qualidades que, juntas, faziam dele não só um profissional, mas uma pessoa admirável. Como os casos pessoais são os que menos conhecemos, relembro a primeira e a última vez que o vi. Numa aula do início dos anos 2000 um professor me disse, despretensiosamente, o nome de um especialista renomado na área de História Indígena. A informação ficou gravada, e por vezes foi revigorada com a leitura de Negros da Terra. Em 2002, pretensiosamente, fiz a seleção do mestrado na Unicamp. Passei, mas houve durante meses uma lacuna: não conhecia meu próprio orientador! John estava lecionando em Harvard e de lá saiu com destino a João Pessoa para coordenar o Simpósio Temático da Anpuh (esse mesmo que em julho faria uma década de existência sob a sua liderança). Cheguei, espiei pela porta, vi um homem que se parecia com a foto do livro e, timidamente, me apresentei. O nervosismo inicial logo se esvaiu, ao perceber que teria a oportunidade da convivência com alguém brilhante e também gentil. Como orientador ele de fato guiava, abria inúmeras portas, mas sem jamais tolher a autonomia do discípulo. Foi através de seu exemplo que aprendi algumas das agruras e delícias de ser pesquisador e professor. Em novembro do ano passado, depois de ter passado também pela sua orientação no doutorado, fiquei feliz ao receber o aceite dele para abrir a Semana Acadêmica de História da UDESC. Foi gratificante ver como o meu respeito e admiração pelo John atingiu os estudantes, que fizeram questão de buscá-lo no aeroporto e lotaram a palestra. Foi a última vez que o vi, observando nos olhos dos meus próprios alunos o impacto da fala do meu mestre. Momentos assim me fazem ter certeza de que o seu legado permanecerá. Apesar do vazio que sua ausência provoca, farem
os o possível para honrar a 
memória de John fazendo germi
nar as sementes por ele plantadas em cada canto desse país...
 

John na Terra Santa

Juliano Klevanskis

Ao longo da minha pesquisa de mestrado, na Universidade de Haifa, que resultou na dissertação defendida em 2010 (e na qual o nome John Monteiro aparece 24 vezes) tive o primeiro contato indireto com John.
Em 2010, participando dos preparativos para o simpósio Globalization in the Amazon, tarefa que incluía a seleção de palestrantes e a busca de patrocínio das passagens aéreas para Israel, tive o primeiro contato direto com John.
Consegui juntamente ao MRE, através da Embaixada do Brasil em Tel Aviv, o custeio das passagens – e assim se deram os primeiros contatos por e-mail com John.
Foram emitidas passagens para todos os palestrantes - Ela Wiecko (ex-Vice-Procuradora-Geral), Almir Surui, Alcida Ramos e José Pimenta (UnB) e Ivaneide Cardozo (Associação Kanindé). Porém, recebi um telefone internacional de John, poucos dias antes do evento, preocupado por não ter sido contatado por ninguém de Brasília. E imediatamente viajei de trem de Haifa a Tel Aviv para pressionar o diplomata responsável pela área cultural.
A consequência da vinda de John a Israel – que tive a honra e o privilégio de recepcionar no Aeroporto Ben Gurion – foi o entusiasmo de estudantes e acadêmicos israelenses pela diversidade histórica e pelo exotismo da cultura brasileira presente na apresentação de John.
No simpósio, meu receio era de participarmos de um evento no exterior que concluísse sobre a necessidade da internacionalização da Amazônia ou mesmo que conjeturasse a imperícia dos brasileiros com o seu patrimônio natural. Entretanto, felizmente, um episódio em especial corrigiu este temor. Em 27 de maio, segundo dia do evento, John apresentou o tema Indigenous Responses to Slavery, Commerce, and Missionary Activities in the Amazon during the Colonial Period.
Sua exposição sobre as imagens do Brasil indígena – parte periférica da população brasileira – fizeram irrupção no meio universitário israelense, nos dias do simpósio e mesmo após o seu retorno ao Brasil.
Gostaria de agradecer ao John por ter sido minha inspiração enquanto pesquisador da etnohistória e por aceitar o convite para participar do simpósio em Israel. Uma característica do simpósio foi o aumento da consciência acadêmica sobre as questões indígenas brasileiras. Tive a felicidade de ver estudantes judeus, russos, árabes, drusos, dentro de um ambiente brasileiro. Vi a curiosidade dos jovens que, atentos, recebiam uma parcela do conhecimento do Professor John Manuel Monteiro. Valeu, John.
 

"Admiramos su compromiso con lo indígena"

José Kidel e Jimena Pichinao

Llegamos sin conocer, sin saber del calor, de las lluvias torrenciales, de la inmensa gentileza brasileña, de ese ¡adorei!, pero lentamente nos fuimos aclimatando tanto en
relación a los tiempos, a lo humano y a lo académico.
 
Un día Raúl nos invitó a la primera reunión del CEPI, en una de las salas, estábamos ansiosos por conocer al profesor encargado del centro en aquel año, 2009. De pronto aparece una persona alta, sonriente, con su mochila desde donde emana su notebook que lo instala y frente a él se despliega como si todo el mundo estuviera contenido en ella.
 
Era el profesor, maestro, John Monteiro. Muy gentilmente nos acogió y estuvimos muy gratos de estar en estos espacios. Así transcurrieron los días, las semanas, meses, lunas, semestres, hasta que nos encontramos por un semestre completo estudiando, aprendiendo con el profesor Historia Indígena e do Indigenismo. En aquel curso pudimos conocer a John en su faceta de profesor y amante de la historia y un profundo conocedor de ella a todo nível. Nos parecía que había leído todos los libros de historia de cualquier país… era impresionante.
 
Admiramos su compromiso con lo indígena, no solo con la historicidad en torno a nosotros sino con los indígenas en concreto, que se traduce en su contundente apoyo para nuestro ingreso a la maestría, que mejor gesto de congruencia y consecuencia para con aquellos a los que dedicó gran parte de su vida.
 
Nos queda un grato recuerdo de su persona, de su gentileza, de cuando más de una vez nos invitó a conversar sobre nuestros temas como indígenas, el saborear de algunas cervezas, son gestos que se agradecen cuando se está lejos de su tierra, de su gente, pero que gran parte del motivo que nos tiene en estos espacios, son nuestra gente, nuestra lucha, nuestros dolores y fortalezas como mapuche.
 
Sólo nos resta decir, gracias, obrigados, Thankiu, chaeltu füta peñi John Manuel Monteiro 
 
Lamentamos enormemente tu partida hacia otras tierras, que seas bien recibido,
 

Los mapuche

 

"Uma forma de narrar..."

Ernenek Mejía

(escrito e rescrito entre os dias 27 de março e 14 abril)

Cada um acredita nas suas coisas e eu sou de poucas crenças. As minhas nunca tem mediação, espero receber as histórias direto de algo que pode ser chamado de cosmos e de suas absurdas combinatórias incomensuráveis que ao encontrar para elas uma narrativa me tirem do apertado mundo da racionalidade, mostrando caminhos possíveis pelos quais, alguém ou algo, andou, anda ou pode andar. 
Isso praticamente nunca acontece...
 
Esperando essas histórias as vezes meus sonhos deixam acreditar que entendo o que acontece, outras vezes sinto de algum modo as coisas que entendo o que esta passando sem muita conversa. Nunca imagino esses sentimentos como uma comunicação de algum lugar onde se tem o privilégio de saber tudo, penso eles como sensibilidades se relacionado e cuido delas com muito carinho e cuidado.
 
Todo isso é um rodeio para dizer que antes de saber da notícia da morte de John não sonhei nada, não senti nada, soube do que tinha acontecido, como muit@s naquele 26 de março, por um chamada telefônica que de madrugada nos deixou paralisados, detidos, sem tempo. A falta de narrativa nessa noite me deixou desesperado e com um vazio parecido ao dos olhos de quem chorou e segue chorando ele, igual ao coração d@s que aquela noite, desesperad@s, desejamos poder controlar possibilidades para modificar o que contaram ao telefone.
 
Na noite do 26 de março, rodeado aos poucos pelos que foram se juntando ao longo da madrugada na minha casa... esperando, esperando muito uma história com a qual contar e entender a repentina morte de John, me fez pensar uma e outra vez no desorganizado desespero que ele poderia estar passando ao se recordar - com aquela cara de pressa repentina que fazia ao se lembrar de algo esquecido - que além de Maria Helena, Álvaro e Thomas nos que ele estaria pensando sempre, também deixava a seus orientandos partidos, no meio do caminho.
 
Deixava ao Raúl Ortiz sem qualificar, no ponto final do doutorado e no começo de uma longa agenda de pesquisa; a Mariana Françozo sem uma sensível despedida, com tempo, e ela longe a só uns dias de re-vêla; a Oscar Guarin sem seu cúmplice das paixões pelas imagens, pelas iconografias, sem um companheiro na procura de mais e mais fontes; a Patricia Lora sem seu aliado defensor dos saberes indígenas e sem ninguém para fazer do IFCH pensamentos outros; a Vitor Queiroz sem aquele que acreditava com firmeza que sua louca trajetória pela música e pela história tinha que se encher também de antropologías para escrever sobre as diferenças; a Luciano Cardenes, no meio do caminho de chegada à Unicamp, sem as repostas que planejava já perguntar na volta de seu campo pela Amazonia; a Soraia Dornelles e Karina Melo com a lembrança de um ano difícil em que não existiu tempo e não do atual onde John escutava, falava e viajava ao encontro de suas orientandas em uma de suas almas maters; a Lucas Mestrinelli sem as histórias de Goa, sem os segredos que dela sabia e que planejava oferecer aos poucos para ir degustando com ele esse lugar próximo e distante; a Erik Petschelies sem um tempo para curtir essa conversa, já como mestre, na qual diria o que logrou e o que tinha na frente; a Guilherme Cardoso sem esse primeiro papo que deixava a qualquer um tranquilo, chegando em terra firme; a João Paulo Peixoto, sozinho, entre historiadores que ainda duvidam dos índios com histórias próprias; a Mariana Petroni sem seu único interlocutor, porque ele saiba que nem em ABAs e ANPUHs encontraria facilmente alguém com quem discutir da história feita pelos índios na ditadura.
 
Naquela madrugada, eu só queria que a bolsa que tinha pedido junto a ele e que teríamos resposta aqueles dias fosse rejeitada para deixar seu caminho com uma preocupação a menos, era todo o que eu pensava: deixar ele, pelo menos por mim, sem um trabalho a fazer. Era minha forma de imaginar um pouco de tranquilidade para John e dizer: adeus e bom caminho...
 
Mas parece que ele, ou o cosmos, estavam buscando contar outra historia.
 
Depois daquela primeira longa manhã no IFCH em que caminhamos perdidos sem ele como possibilidade nos corredores, encontrei no meu correio uma resposta que falava - ao contrario do que desejava para sentir que dava calma ao John - que tínhamos conseguido a bolsa. Comecei a chorar sem parar e sentir uma tristeza que ficava grande no peito e ao mesmo tempo uma alegria, quase com culpa, que crescia na garganta, um sentimento misturado que continuou ao dia seguinte quando de caminho ao seu velório soubemos por outro correio que tínhamos sido aceitos para um grupo de trabalho num congresso no México, meu país, no qual ele seria um dos palestrantes magistrais e planejávamos fosse nosso comentador, mais importante ainda, planejava passeios, bebidas e comidas com as quais imagina devolver todo o que tinha dado para terminar meu mestrado.
 
Esses começos no meio de um fim encheram não só as minhas histórias, mas também as de outros como Oscar que duvidando viajar aos Estados Unidos, numa viajem que faria com John, recebeu uma bolsa inesperada para seguir na frente com a caça de fontes, de imagens e de filmes.
 
Todas elas eram histórias já sem John, mas que parecia ser ele querendo contá-las para nós, uma outra forma de narrar a despedida na que falava a cada um para continuar com nossos compromissos, com nossos trabalhos, os quais acreditava eram respostas precisas para uma realidade contradecida. Uma outra forma de narrar cheia daquilo que deixou e que, além de uma saudade que não termina, ocuparia algo significativo num lugar importante dentro de nós, algo que ele tinha deixado aos poucos ali, sem saber, porque sabia que sempre precisaríamos dessas outras possíveis formas de contar as coisas, de narrar como ele narrava o passado e o futuro...
 
Nos seguintes dias, John apareceu muito nos meus sonhos, mas nunca conseguia dizer algo a ele nem escutar nada do que falava. Na noite em que se cumpriram quinze dias da sua morte ele apareceu de novo nos meus sonhos. Um pouco mais jovem, gravava com uma câmera de vídeo velha, e muito emocionado, um evento no qual um de seus orientandos tinha conseguido passar no concurso de uma universidade, ao ver de longe ele no local entrei rápido, me aproximei com muita emoção e perguntei o que estava fazendo ali se ele ainda estava morto, tomava ele pelo braço muito devagar para senti-lo, me olhava e sorria - com aquele sorriso só dele - e respondia "estou bem" a uma pergunta que eu não fiz, mas que estava sempre ali. John andou um pouco mais para não perder a toma do vídeo e voltou a me olhar sabendo que as perguntas não tinham terminado dizendo, antes de eu perguntar, "tudo vai sair, fiquem bem", daquela forma que falava quando sabia de algo que não podia dizer, tranquila, enfática, forte, sorrindo. 
Seguia andado e dezia que deveria seguir porque tinham muitos orientandos, com o carinho das despedidas.
 
Este é um adeus ao John ou, tal vez, o do John a tod@s nós que diz ter bons caminhos.
 
Obrigado por tudo...
 

"John Monteiro fica aqui"

Oscar Guarin Martinez

Ainda não teve a coragem de publicar essas palavras. No entanto, as memórias e lembranças de cada um de nós acabaram fazendo sentido. 
 
Escrito em 28 de março de 2013, após o funeral de John:
 
Esse corpo não é John. É o corpo de John, mas não é John. São os olhos de John, mas não é sua mirada. São os lábios de John, mas não são suas palavras. São as mãos de John, mas não são suas obras. São as pernas de John, mas não é seu caminho. É o coração de John, mas não é seu amor.
Todas as palavras, as obras, os caminhos e o amor de John estão em nossos corações, nossas lembranças, nossas memórias. Cada um tem uma parte de John e agora John está em todos nós. Todos juntos somos John Monteiro, e só assim ele pode viver.
O corpo de John vai embora, mas John Monteiro fica aqui. Não vai morrer, porque já morreu, e agora ele vai viver para sempre em nós. E não vai morrer nunca mais.
 

"Um grande homem, uma perda enorme para as Ciências"

Graziella Grazie

27/03/2013
 
Não  poderia deixar de vir aqui nesse espaço para prestar a minha  homenagem a um dos maiores especialistas em História Indígena no Brasil,  o grande pesquisador John Manuel Monteiro, que morreu essa noite em um  acidente de carro em SP. Tive o privilégio de ser sua orientanda no  Doutorado da Unicamp e acreditava que ainda faríamos outras parcerias  por essa vida...
 
"Um grande homem, uma perda enorme para as Ciências"
 
Obs: a última vez que estive pessoalmente com John, em 2012, na banca da Roberta, na Unicamp
 

"Um pioneiro na construção do campo temático da história indígen"

Ricardo Cavalcanti-Schiel

Faleceu por volta das 21:30 de ontem, 26 de março, vítima de um acidente de trânsito no Km 92 da Rodovia Bandeirantes, o diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, Prof. Dr. John Manuel Monteiro, quando regressava da universidade para sua residência em São Paulo.

Historiador e antropólogo, John Monteiro foi um pioneiro na construção do campo temático da história indígena no Brasil, não apenas produzindo uma obra analítica densa e relevante, como também criando e estimulando a abertura de espaços institucionais e de interlocução acadêmica sobre o tema. Não seria exagerado dizer que foi em larga medida por conta do seu esforço dedicado que esse campo de estudos foi um dos que mais cresceu no âmbitos das ciências humanas no país desde a publicação do seu já clássico “Negros da Terra: Índios e Bandeirantes nas Origens de São Paulo” (1994) até o momento.

Tendo tido toda sua formação acadêmica nos Estados Unidos (graduado pelo Colorado College e doutor pela Universidade de Chicago), John Monteiro carreou para o ambiente acadêmico brasileiro o horizonte do cosmopolitismo e da amplitude geográfica da curiosidade intelectual, algo que ainda hoje contrasta consideravelmente com a primazia de um enfoque quase estritamente regional no âmbito dos objetos temáticos das pesquisas sociais no Brasil. Foi professor visitante na Universidade de Michigan, na École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris e na Universidade de Harvard. Era professor titular da Unicamp e assumiu recentemente a direção do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

John Monteiro foi o responsável pela formação de uma geração de pesquisadores brasileiros instigados pela reflexão sobre a possibilidade e os significados de se pensar os índios na história e uma história dos índios. Sobretudo no Brasil. Mas também interessados em confrontar a reflexão sistemática empreendida neste campo em outras partes do mundo. Como consequência, não só brasileiros como também muitos latinoamericanos vieram buscar sua interlocução e orientação científica, e ele acolheu pesquisas e pesquisadores da Índia Portuguesa aos Andes, do México ao Chile. Mais que apenas uma obra que tenha eventualmente congregado seguidores, John Monteiro deixa como legado uma agenda intelectual que conta seguramente com muitos cúmplices, da academia ao campo indigenista, do Brasil ao resto do mundo.

Em 1999 participou como um dos autores de uma das mais importantes obras das últimas décadas sobre a história indígena nas Américas, a “Cambridge History of the Native Peoples of the Americas”. John Monteiro faleceu no momento em que provavelmente se encontrava no auge da sua carreira acadêmica e intelectual, e aí permaneceria ainda por muitos anos. Seu corpo será velado a partir das 9:00 de amanhã (28 de março) na nova extensão da biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, e posteriormente será cremado pela família.

 

"conforta saber que o caminho que meu pai assinalou possa ainda ser seguido"

Thomas Monteiro

2 de abril
Gostaria, por meio dessa, de agradecer em nome da família do John todas as demonstrações de carinho com sua memória. É incrível ver tanta gente sensibilizada com o acontecimento e com o legado que ele deixou. Me conforta muito saber que o caminho que meu pai assinalou possa ainda ser seguido e que cada uma de suas sementes possa se transformar em belos frutos, flores e folhas, todos com a mesma raiz de igualdade, liberdade e conhecimento.
14 de Abril
Depois de tantos relatos maravilhosos, que ainda hoje me fazem chorar ao ler, e depois de tantos pensamentos e desilusões, tentarei agora compartilhar com vocês um pouco de como tem sido a vida depois da tragédia. (Também poderei compartilhar memórias e histórias posteriormente, se elas forem do interesse de alguém).

Na medida em que a vida se segue e a maioria das pessoas levam suas vidas como se nada de velho houvesse no ar, respiro uma nova e esmagadora força vinda do vazio - que por não ser provida de tamanho almeja sempre ser maior e que, por não ter natureza alguma, está na natureza de todas as coisas.
Sinto o cheiro de meu pai em suas roupas no armário, ouço as teclas de seu computador pela manhã e ainda posso rir de suas piadas que, em silêncio, são as mesmas. Na intimidação da casa e na intimidade da vida, a presença pela ausência é agora a mais traiçoeira das ilusões, mas o último fio de normalidade.
Penso então a memória como aquele famoso retrato que envelhece no nosso lugar. A diferença é que, na morte, o retrato não é mais dotado de vaidade, tornando-se apenas a fria imagem da realidade, imóvel ao sentimento e desprovido de criação.
A poeira da existência que dificulta a visão ao fazer a imagem ficar cada vez mais turva passa a ser também parte importante do retrato, pois é a manifestação maior da presença viva e transformadora do nada.
Apenas no nada encontro a verdadeira natureza do meu pai nesse momento. E nessa trivial constatação encontro também a mais aprisionadora das liberdades: que o vazio é a única e infindável matéria de todas as coisas.
Dias que parecem ter passado em minutos, se mostram diante desse passado com a distância de anos, décadas talvez. Lembranças de um mundo que, hoje sei, foi apenas uma doce ilusão perdida na infinidade da existência.
Eu era ele e ele era eu. Mas agora ele está em todas as coisas - e eu não estou mais nele.

 

Vocês sabem que muitos sentem um respeito e uma admiração profunda

Karina Melo Soraia Dornelles

Queridos amigos e colegas,
Vocês sabem que muitos sentem um respeito e uma admiração profunda pelo trabalho e pela pessoa do John. A morte dele nos deixou consternados. Acreditamos que todos que puderam aprender com ele partilham um sentimento de orfandade. Escrever sobre isso é realmente difícil, mas gostaríamos de compartilhar com vocês a percepção de que é difícil para todos. Foi triste constatar que o John não viria aos encontros onde ele era esperado. Professores, amigos, colegas, alunos e conhecidos dele nos EUA demonstraram umenorme pesar pela sua perda. Mas em todas as conversas e homenagens, a mensagem que fica é a de que precisamos continuar com os seus ensinamentos e, de certa forma, honrar seus esforços, sua memória e sua herança intelectual.
No dia em que John faleceu, Dain Borges – seu colega do Departamento de História da Universidade de Chicago e nosso co-orientador – nos convidou para fazer, simbolicamente, um velório em sua casa. Passamos a tarde dividindo as histórias que tínhamos com nosso mestre e amigo. No dia 29 de abril, durante o I Seminário Rice-Unicamp, realizado em Houston, Texas, John foi homenageado. Ele participaria deste evento e nós o encontraríamos para ouvir, como sempre, suas insubstituíveis observações e sugestões. A professora e organizadora Alida Metcalf, que conhecia John de longa data, escolheu a sessão em que nos apresentamos, chamada Fronteiras, para lembra-lo. Suas palavras foram de saudade e lamento; sobre o quanto John era estimado por aqueles que tiveram a oportunidade de trabalhar com ele; sobre como sua contribuição foi de importância incalculável para a história do Brasil e destacou que nossa participação era uma forma de continuar o trabalho que John fazia com amor. No dia 5 de maio, ocorreu na Universidade de Chicago o Seminário Katzworth Years. O evento homenageava dois dos professores de John na Universidade de Chicago, Friedrich Katz e John Coatsworth. Estudantes que tiveram carreiras bastante profícuas em diversas áreas e lugares e que reconheciam no período Katzworth um símbolo desse sucesso se encontrariam para homenagear seus mestres. John os homenagearia e ironicamente muitos o homenagearam. Os professores Emilio Kouri e Dain Borges falaram sobre sua carreira, sobre como ele havia construído o campo da História Indígena no Brasil. Citaram trabalhos de extremo pioneirismo e importância como Negros da Terra e a organização do Guia de Fontes para a História Indígena. Dain Borges falou sobre como a notícia de sua perda, do modo como foi, tornava tudo mais duro, principalmente neste momento em que o Departamento de História da U of C recebia duas de suas alunas como visitantes. Outros colegas e alunos falaram sobre John. Paul Gootenberg, seu colega do doutorado, compartilhou fotos de uma viagem que fizeram ao México em 1982. Seu professor, John Coatsworth falou sobre como John havia sido um aluno brilhante e que sua tese era prova disso.
Para nós duas, ter vindo aos Estados Unidos em busca do passado intelectual de John para ajudar a construir nosso futuro, e de repente perder a chance de te-lo participando das nossas escolhas foi chocante e frustrante. Por outro lado, temos o privilégio de ter aprendido ensinamentos valiosos com ele, desde gestos de respeito, generosidade e boa-vontade até os mais elaborados apontamentos e comentários de quem parecia ter mais clareza sobre nossas pesquisas do que nós mesmas. Levaremos isso para sempre conosco. Levaríamos de todo modo. Jamais nos esqueceremos dos significados do seu trabalho para a História brasileira e da sua importância para as nossas escolhas como historiadoras.

 

Conheci John em 1996 qdo fiz um curso com ele no IFCH

Warney Smith

Conheci John em 1996 qdo fiz um curso com ele no IFCH. Depois disso não paramos mais. Eu namorava uma aluna da UNESP- Assis e nós lhe pedimos para nos orientar sobre historia dos índios do nordeste. E John me disse que era necessário,(no contexto ainda de popularização do Guia de Fontes) pois pouco havia de fontes sobre isso. Sabíamos das dificuldades mas mesmo assim fizemos o projeto “Subsídios para a História Indígena do Nordeste” e desse trabalho em conjunto, resultaram um razoável levantamento, e também vários textos analíticos como a dissertação “Visões dos Índios do Nordeste” entre 1997 e 1999...
Nesse período, a pedido de John , me integrei ao CPEI e fiquei responsável pela organização e divulgação de eventos do Centro. Foi nesse período de 1998 a 2002 mais ou menos, que organizei ou participei de inúmeros eventos tanto na Unicamp, USP , como em diversas outras universidades do país onde sempre me encontrei com John: USP, UNESP, UFF, UFRJ, PUC, Federal de Vitória, BH, Curitiba, Mato Grosso do Sul, ABA em Salvador, ANPUH em Florianópolis, e em Fortaleza e SBPC em Natal.
Foi em 1999 que John foi para Goa e eu fiquei sem orientador na Unicamp. E foi em 1999 que praticamente fui expulso da Unicamp, sob a acusação burra e extremamente dolorida (como todo preconceito) de que eu era um “dinossauro” embora ainda não tivesse 10 anos que estava na Unicamp e mesmo assim me impediam de fazer tudo.... O único jeito foi me transferir para a USP em 2000 onde fiz uma especialização em Organização de Arquivos e onde terminei o curso de História e tentei o mestrado sem sucesso...
E inúmeras vezes peguei carona com ele para São Paulo, e cheguei a ir em sua casa na rua Girassol, onde cheguei a conhecer o Thomas , ainda menino . E também muitas vezes me encontrei com ele na FFLCH. Tanto em encontros da ANPUH como em pesquisas e trabalhos. Recordo –me uma vez que estava saindo de um curso de Tupi Antigo do professor Navarro e encontrei com ele E John me disse que gostaria muito de fazer esse curso com o Navarro... O que me deixou impressionado !!
Perdi as contas de quantas vezes pensei em procurá-lo para retomar o projeto... Eu tinha vários planos de documentários em que gostaria de entrevistá-lo.
Em 2010 eu comecei a trabalhar em Embu das Artes , que se originou de uma das principais aldeias de seu Negros da Terra. E onde há hoje um “Museu do Índio”. Mas é IMPRESSIONANTE que ninguém conheça o seu trabalho na cidade. Em 2012 aventei a possibilidade de levá-lo para uma apresentação no Museu do Índio e mesmo no Museu dos Jesuítas e este ano, cheguei a acertar com uma das diretoras essa proposta... Perdi o emprego em março: 20 dias depois o acidente... De boca aberta até hoje... Que fazer?
Fazer o que tem que ser feito: Levantar e organizar sua obra, estudá-la, divulgá-la , abri-la para a pesquisa e organizar DIVERSOS eventos para discutir e sintetizar sua obra . Ao Thomas já se incu mbiu de terminar e publicar sua última obra inacabada. É NOSSO DEVER DIVULGAR E LEVAR AO FUTURO TÃO VASTA OBRA
Enfim , seja aonde estiver, parabéns é pouco para este pensador que ao seu jeito bem humorado, polemizou, transformou e influenciou e modificou a historiografia brasileira, com uma concepção crítica toda própria, madura, relativista, inteligente e polêmica. Sua obra nunca foi aceita pelos historiadores tradicionais da “São Paulo Quatrocentona” por ter abalado suas certezas absolutas e ao mesmo tempo também não era aceita pelos historiadores coloniais marxistas que defendiam que os índios foram completamente aniquilados e extintos pelos portugueses.... Não aceitavam uma – talvez a principal - teoria de John de que os índios - brasileiros e americanos sempre foram mestres e campeões em suas políticas, sempre se integrando, se adaptando, resistindo, desaparecendo quando necessário, e se impondo quando possível.
Vamos levar adiante sua obra! ´Com certeza é isso que ele gostaria PARABÈNS A TODOS OS JOHNS!!!