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Nova direção

Discurso de posse de Ronaldo de Almeida como novo diretor do IFCH

Boa tarde a todas as pessoas.

Quero começar cumprimentando e saudando nosso magnífico reitor, professor Paulo César Montagner, e nosso vice-reitor, professor Fernando Coelho. Estendo esse agradecimento à toda composição de diretores, pró-reitores e demais autoridades presentes.

Saúdo também minha amiga Andréia [Galvão], de mais de 30 anos, e o amigo Michel [Nicolau], que encerram uma competente gestão. Ao Sávio [Cavalcante], agradeço por ter aceitado, com entusiasmo, o desafio de assumir a direção comigo. Obrigado, Sávio!

Aos colegas e amigos de fora do IFCH que vieram me prestigiar, obrigado pela presença e pela deferência. Agradeço também a quem mandou mensagem e não pôde estar aqui hoje — em particular à Artionka [Capiberibe], que está num evento na Finlândia, e à boa parte do meu departamento, que está num evento em Salvador, bela e quente Salvador. Sinto saudades deles.

Por fim, agradeço à toda comunidade do IFCH — servidores, estudantes, trabalhadoras terceirizadas, docentes — e, sobretudo, àqueles que depositaram em mim um voto de confiança. Muito obrigado.

Não é simples falar depois da Andréia — e hoje ainda juntou o Michel — pela forma e pelo conteúdo. Tenho acompanhado os últimos discursos da Andréia e, quando eu crescer, quero ser igual. Uma das minhas metas pessoais é terminar este mandato fazendo discursos como os dela.

Mas é, sobretudo, pelo conteúdo. Eles estão assentados em uma série de realizações, fruto de um trabalho sério, vigilante, sensível e qualificado. Eu não gosto muito de adjetivar — porque acho que perde em intensidade com muitos adjetivos —, mas não consigo usar menos de quatro para falar de vocês. Imagino que quem passou por aqui tenha outros, mas esses são os meus, que revelam seriedade, vigilância, sensibilidade e qualidade. Espero que Sávio e eu tenhamos a mesma felicidade de concluir bem nosso trabalho. Tenho certeza de que falo agora em nome do IFCH: o nosso muito obrigado a vocês.

Cada vez mais me orgulho de dizer que sou cria do ensino público — do fundamental à docência. Fazendo um esboço de autoanálise, tenho certeza de que isso não foi só fruto de mérito pessoal, mas também de suporte material: de religiões protestantes no ensino médio e da universidade pública, a Unicamp, no ensino superior. Na graduação, tive bolsa de trabalho — que a Raquel [Menguello] me ajudou a conseguir —, duas iniciações científicas, bandejão e moradia estudantil.

Fiz parte da primeira leva de estudantes que ocuparam a parte superior da moradia. Eu, Roberto do Carmo, Arnaldo [Pinto] da Faculdade Educação e Marcos Lopes do IEL moramos juntos lá. Foi muito legal quando o Sávio, ainda na DEAPE, fez um evento resgatando essa história de quadros da Unicamp que passaram pelos programas de permanência. E foi aí que descobri — olha só que bonitinho — que o Sávio fez parte da primeira turma da creche da Unicamp. Como diria José Simão: é um predestinado, não é?

Mas logo saltou em mim a veia de pesquisador e sugeri ao Sávio que fizéssemos um estudo sobre docentes e servidores da Unicamp da ativa que estudaram aqui e usufruíram das políticas de permanência, mantendo a excelência científica da universidade sem deixar cair a peteca.

O professor Fernando Coelho coordena os preparativos das comemorações dos 60 anos da Unicamp para o ano que vem. Fica aqui a sugestão de termos um olhar para os nossos quadros — docentes, servidores, técnicos — que passaram por essas políticas. Talvez isso ajude a diminuir as resistências às políticas de inclusão e permanência.

Por essa trajetória e por outros fatores, considero uma honra dirigir este Instituto, no qual estudei na graduação e no mestrado e ao qual retornei como docente há 21 anos. Entre esses dois períodos, morei em São Paulo por duas décadas, fiz doutorado na USP e fui pesquisador do Cebrap — instituição central na minha trajetória e à qual devo muito, em particular ao filósofo José Arthur Giannotti e à demógrafa Elza Berquó, que dá nome ao Núcleo de Estudos de População da Unicamp, o NEPO.

Desde que o tema da direção começou a ocupar minha cabeça, tenho lembrado muito do John Monteiro e de sua eleição como diretor do IFCH em 2013. Para quem não estava naquele momento, e esta é a minha leitura dos fatos, por motivos variados internos e externos — tínhamos uma dificuldade grande com a reitoria —, o IFCH não estava bem, em particular nas relações políticas e profissionais.

Lembro da dificuldade para encontrar um candidato, até que o John aceitou a empreitada. Mas teve dificuldade de encontrar um diretor associado, e acabou sendo eleito sem um. Era um ambiente conflituoso e com certo descompromisso, e vários tentavam retecer os laços — tendo o John como expoente disso.

Depois de um tempo, o professor Jesus Ranieri gentilmente aceitou se associar ao John, mas no dia da sua nomeação, um trágico acidente de carro tirou a vida do John. Foi tudo muito rápido: candidatura, eleição, posse, conseguir um associado e falecer.

Conversei várias vezes com o professor Jesus sobre aquele momento na época e mais recentemente. Nosso entendimento — como o de muitos — é que o John tinha, além do reconhecimento intelectual, uma fleuma gentil e elegante — ele era um lorde no trato — e tinha uma postura institucional necessária naquele momento, capaz de articular um tecido desgastado, sobretudo entre os docentes.

Não quero santificar pessoas mortas, mas trabalhei com o John antes da direção, na Antropologia. Eu na coordenação da Pós, ele na chefia do departamento. Cada um em dois mandatos. Trabalhamos juntos por quatro anos. Aprendi muito com ele, desde história indígena e protestantismo norte-americano — ele tinha uma ascendência luterana estadunidense — até o comportamento institucional acadêmico.


Minha leitura era que o John estava em um bom momento pessoal e disposto a trabalhar pelo Instituto. Algo que me emocionou muito nos últimos meses, em conversas com funcionárias e funcionários, foi que pelo menos três deles — lembro do Ricardo, talvez o Betanho e a Marli — lembraram, separadamente, da mesma cena: o John entrando nas salas com o seu caderninho, perguntando o que faziam, tentando reconstruir uma dinâmica num momento em que as relações estavam travadas.

Dedico este discurso de posse à memória do amigo Professor John Manuel Monteiro.

Há situações de reconstrução, mas há situações de continuidade. Não temos aquele contexto de 2013. Ao contrário, Sávio e eu recebemos um Instituto, regra geral, com bons ares e com pessoas dispostas a construir suas carreiras e o IFCH. Não são todas, evidentemente, mas há gente suficiente disposta para valer a pena topar essa empreitada.

Apesar das dificuldades estruturais e conjunturais, considero o Instituto em um bom momento, em uma trajetória crescente, na verdade. Isto, em grande medida, por que houve uma mudança geracional, uma troca parcial de pele, que continuará com a novas contratações. E essa composição — Sávio e eu, Michel e Andréia — expressa bem o perfil atual do IFCH.

Quanto aos servidores técnico-administrativos, temos pessoas qualificadas, criativas e engajadas. Lembro novamente da Raquel, que dizia nos debates sobre a Direção: uma boa gestão é aquela que oferece condições de trabalho. E isso é mais do que computadores ou ar-condicionado. É, sobretudo, ter servidores capacitados, animados, engajados e reconhecidos. Isso é decisivo para a qualidade do ensino, da pesquisa e da extensão que fazemos aqui.

Há muitas formas de falar da qualidade resultante desses trabalhos: o AEL, a Biblioteca, os mais de 20 centros, núcleos e laboratórios. Mas quero destacar a pós-graduação e a graduação que são exemplares. Temos três graduações de excelência e dez programas de pós-graduação: dois com nota 7, cinco com nota 6, e três com nota 5. É muito significativo no cenário nacional e no contexto da própria Unicamp esse desempenho do IFCH.

Quanto aos estudantes, eles sempre mudam e estão sempre jovens. Talvez o estudante não tenha a dimensão disso, mas um dos grandes prazeres dessa profissão é lidar com a mesma geração, mais ou menos entre 17 e 30 anos. Você vai tendo uma experiência de mudança geracional e trabalha com a mesma geração, que vai ficando mais distante, e você tenta correr para não ficar distante.

Uma mudança recente entre os estudantes é a presença de outros corpos, outros saberes, outras experiências sociais para as quais a Unicamp se abriu. A crescente diversidade econômica, étnico-racial e de gênero é uma realidade nas nossas salas de aula, com repercussões também na própria sala a de aula — no conteúdo, na dinâmica e na inclusão epistêmica. E, ressalte-se, o IFCH e seus quadros foram fundamentais no debate na universidade sobre esses temas.

Mas quero dizer que o IFCH tem pretensões maiores nos rumos da universidade para além desses classicamente associados a nós. Sávio e eu entendemos que é fundamental a Direção dar continuidade a um movimento de interlocução com a reitoria, que julgo ter se iniciado na gestão de Álvaro [Bianchi] e Roberto [do Carmo], e se aprofundado com Andréia e Michel. Isso se expressa na ocupação de cargos e posições no CONSU, PRPG, ComVest, DEAPE, entre outros.

Caro reitor, tenha no seu radar a disposição desta Direção e, creio, de boa parte do Instituto de trabalhar com a reitoria nos interesses do IFCH e da universidade como um todo. De forma crítica, porque essa é uma característica do IFCH, mas com discernimento, sabedoria e sem ingenuidade política. Tendo clareza de quem, de fato, são os grandes inimigos do ensino público neste momento. Isso vale para a universidade e vale para nós mesmos: saber com quem brigamos.

Pensando também em projetar o IFCH para fora — dentro e fora da universidade —, entendemos a importância da participação nos debates públicos, sobretudo naqueles em que detemos conhecimento: relações sociais, transformações no mundo do trabalho, democracia, extrema direita, religião e política, mudanças climáticas, mudanças demográficas e culturais, China, e tantos outros que compõem a pauta global. Muita coisa passa por aqui.

Sinto falta — e deixo como proposta, algo que conversava com o John — de um seminário, um espaço em que possamos refletir sobre essa conjuntura geral que diz respeito à vida de todos, e sobretudo com professores, docentes de diferentes departamentos. Um debate menos especializado. Gostaria de debater com Raquel, com Fernando [Teixeira], com a História, com a Demografia, com o Tom [Dwyer]. Gostaria de falar sobre o Brasil e o mundo. O mundo não está simples, mas o IFCH tem o que investigar e tem o que dizer sobre ele. Precisamos recuperar isso, cada vez mais, para dentro e para fora da Unicamp.

Quando penso nesse seminário, nesse espaço de interação interpessoal, penso também como parte de um processo de "reabitação" do IFCH e da universidade no pós-pandemia. Isso envolve condições de trabalho e vida acadêmica. E faz parte do nosso projeto — meu e do Sávio — de internacionalizar ainda mais o Instituto. Ele já é internacionalizado, mas pode mais.

Neste semestre, dei aula no doutorado para uma turma com uma argentina, dois peruanos (um deles indígena), uma basca, uma egípcia e uma afegã. Eu pensei: "É uma experiência de que a gente pode atrair mais estudantes estrangeiros circulando entre a gente." Para isso, é importante o projeto de internacionalização que eu tenho feito com o Michel. E como eu não sou bobo, eu chamei o Michel para ocupar a posição que estou deixando agora. Então, ele vai dar mais esta contribuição para o IFCH: na internacionalização. Obrigado, Michel.

Para concluir, permitam-me uma digressão antropológica sobre como vejo uma faceta da direção.

Em algum momento da graduação, os alunos veem nas primeiras Antropologias tratar da chefia indígena da América do Sul, analisado por Pierre Clastres, em “Sociedade contra o Estado”, e ouvem falar do chefe “pele de leopardo”, dos indígenas africanos, os Nuer, estudado por Evans-Pritchard. Indo direto ao ponto em que penso o que é dirigir o IFCH olhando essas chefias.  Eles não mandam em nada. Basicamente, essa é a tese. Sua autoridade política não têm poder de coerção, de controle. É muito mais um poder de convocação: “Vamos lá cuidar da roça para o coletivo”. Para isso, precisam convencer, estimular, usar a palavra e, para usar uma palavra da conjuntura atual, gerar engajamento. E no caso do chefe “pele de leopardo”, mediar conflitos internos para romper o ciclo de vingança.

Seria ingenuidade dizer que a Direção, a estrutura universitária e qualquer burocracia estatal não tenham poder de controle e coerção. Não sou ingênuo. Como disse Gilmar Mendes no podcast Medo e Delírio: “Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”.

Mas, quando olho para as instâncias decisórias colegiadas da universidade — de uma banca de seleção ao CONSU, ou como funciona a nossa Congregação na forma parlamento — vejo que, muito mais do que o mando, o que é necessário a uma direção é desenvolver a escuta e a articulação.

Algo que ouvi muito nos últimos meses — de colegas mais velhos e mais novos — e está me soando como um mantra desde então é: que a direção fique junto da comunidade que ela representa. Ficar junto numa direção é mais do que estar à frente. É estar ao lado. Às vezes atrás, empurrando; às vezes sendo empurrado. Espero ter discernimento e sabedoria para perceber isso. Saber o momento em que é preciso ser um chefe indígena, um chefe pele de leopardo... ou um John Monteiro.

Isso é um aprendizado para mim e resultado de um compromisso geracional com o IFCH, que eu vejo atuante. E, se esse compromisso existe, vamos alimentá-lo, então.

Para tanto, Sávio e eu contamos com todos vocês. Obrigado.