Sociólogo guineense Miguel de Barros visita o IFCH

Data da publicação: sex, 21/03/2025 - 17h07min

O Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp recebeu, na última segunda-feira, 17 de março, o sociólogo Miguel de Barros, pesquisador do Centro de Estudos Sociais Amílcar Cabral (CESAC), da Guiné-Bissau. O pesquisador ministrou a palestra Amílcar Cabral: Juventude, Questão da Terra e Políticas Contemporâneas - Princípios, Legados e Emancipações, promovida pelo Centro de Estudos de Migrações Internacionais (Cemi), em conjunto com o Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS) e o Programa de Pós-Graduação em História (PPGH).

Miguel de Barros é uma das principais referências no debate sobre políticas públicas e desenvolvimento social na Guiné-Bissau. Nascido em 1980, em Bissau, formou-se no Instituto Universitário de Lisboa, em Portugal, e, desde 2012, dirige a organização não governamental Tiniguena, que atua na proteção da biodiversidade e no apoio a agricultores para a adoção de práticas sustentáveis. Além disso, é cofundador do Centro de Estudos Sociais Amílcar Cabral (CESAC) e da cooperativa Corubal, que busca divulgar obras científicas e culturais na Guiné-Bissau. Em 2018, foi eleito pela Confederação da Juventude da África Ocidental (CWAY) como a personalidade mais influente do ano e recebeu o Prêmio Pan-Africano Humanitário de Liderança em Pesquisa e Impacto Social. Em 2020, foi agraciado com o Creative Activism Awards por suas contribuições na promoção da justiça social e ambiental.

Em entrevista realizada após a palestra, Miguel de Barros destacou que Amílcar Cabral antecipou muitas das teorias contemporâneas sobre movimentos sociais e agroecologia. "Amílcar Cabral empresta à nova geração o pensamento e a ação prática de lutar contra o sistema. Mas essa luta passa pela capacidade de maior conhecimento, maior proximidade com as comunidades de pertença, pela construção de alianças que vão além dessas comunidades, tanto no plano local, nacional quanto internacional. E, acima de tudo, pela formulação de uma agenda para essa transformação", afirmou.

Ele ressaltou ainda a importância da cultura como instrumento de libertação, um dos conceitos centrais de Cabral. "A cultura é o meio para a nossa libertação. Essa conceptualização permite não apenas trabalhar a autoestima, considerando o que a nossa própria cultura pode representar, mas também fornecer ferramentas para a legitimação da ação pública", disse Barros, que também destacou como rappers na Guiné-Bissau e em Cabo Verde utilizam o pensamento de Cabral em suas músicas para mobilizar a juventude.

Miguel de Barros também chamou a atenção para os desafios econômicos e ambientais enfrentados pelos países do Sul Global, criticando o modelo econômico atual e a exploração desenfreada dos recursos naturais. "Esse modelo, baseado na especulação, não cria condições nem para um sistema educacional capaz de fornecer as ferramentas necessárias para enfrentar o mercado, muito menos facilita a integração produtiva da juventude. Como resultado, os jovens são empurrados para a precariedade, gerando revoltas que, por sua vez, levam à repressão", afirmou.

O sociólogo guineense enfatizou a necessidade de uma agenda internacional que una países da África e da América do Sul em torno da justiça social e ambiental, destacando a importância de repensar modelos econômicos e culturais que integrem as sociedades na vanguarda da proteção ambiental. Com uma trajetória marcada pela multidisciplinaridade, além de estudar os movimentos sociais juvenis, Miguel de Barros dirige a ONG Tiniguena, que trabalha com agricultores familiares e valoriza os saberes tradicionais.

"Essa ONG tem uma abordagem muito forte em relação ao trabalho de proteção da natureza com os agricultores familiares que estão inseridos em mercados endógenos e, ao mesmo tempo, com a valorização dos saberes tradicionais. A ONG foi fundada por Augusta Henriques, que foi a principal auxiliar de Paulo Freire no programa de alfabetização em língua materna na Guiné-Bissau e trouxe metodologias de educação participativa de base. Isso permitiu desenvolver uma corrente de proximidade com as comunidades tradicionais, com os agricultores, com os povos rurais, em particular com as mulheres, que estão fortemente envolvidas no sistema da agricultura familiar camponesa", contou Miguel.

A importância de articular pesquisadores de diversas universidades para ampliar o diálogo entre a academia e as comunidades locais também é citada por Miguel de Barros. Ele enfatizou a necessidade de incluir, no espaço acadêmico, agentes sociais que tradicionalmente eram apenas objetos de estudo, como agricultores familiares, ativistas, líderes tradicionais, artistas e jovens. Segundo Barros, é essencial inverter a lógica de apenas levar o conhecimento científico para essas comunidades, trazendo também seus saberes para o campo acadêmico. Essa abordagem tem permitido uma ressignificação do espaço universitário, desconstruindo narrativas tradicionais sobre ciência e produção de conhecimento. Ao incluir esses protagonistas, cria-se uma legitimidade maior para suas vozes e experiências, transformando a dinâmica acadêmica.

Além disso, Miguel de Barros ressaltou a aproximação entre pesquisadores e instituições acadêmicas no Brasil e na África, promovendo um diálogo mais profícuo no Sul Global. Ele mencionou que essa conexão tem permitido a mobilidade entre territórios e a produção conjunta de conhecimento. "O Brasil tinha a tendência de se voltar para o Norte, sobretudo para os Estados Unidos e a França. Hoje, há estudantes africanos que vêm estudar no Brasil, assim como pesquisadores e estudantes brasileiros que estão fazendo suas pós-graduações na África e têm o continente como campo de pesquisa e trabalho", destacou, enfatizando como esse intercâmbio tem enriquecido a produção acadêmica e fortalecido os laços entre pesquisadores e comunidades dessas regiões.

Por fim, o sociólogo avaliou a necessidade de reconstruir o Estado com base em premissas como instituições prestadoras de serviços, políticas de proteção social, um modelo econômico que promova o bem-estar e uma cultura de solidariedade. Ele ressaltou, em especial, a importância da formação de novas lideranças entre os jovens. Barros defende a construção de lideranças colegiadas, baseadas em uma governança participativa, em decisões tomadas por consenso e em um compromisso social amplo. Para ele, os jovens devem ser protagonistas na construção de um novo modelo de sociedade, no qual possam exercer plenamente os seus direitos.