Ricardo Antunes, Doutor Honoris Causa da Universidade Nacional de Rosario

Data da publicação: qui, 12/06/2025 - 09h47min

Durante o XIV Encuentro Regional Ciencias Sociales y Sindicalismo, realizado na última segunda-feira (10/06), na Facultad de Humanidades y Artes da Universidade Nacional de Rosario (UNR), na Argentina, o professor Ricardo Antunes, do Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp, foi homenageado com o título de Doutor Honoris Causa. A honraria reconhece sua destacada trajetória acadêmica, o compromisso com o pensamento crítico e os importantes aportes ao estudo das transformações no mundo do trabalho. A homenagem pode ser assistida aqui https://www.youtube.com/watch?v=2_ZeuyAd9Jg.

A cerimônia foi marcada por um discurso emocionado e combativo do sociólogo, que abordou temas centrais de sua obra, como a precarização laboral, a digitalização do trabalho e a crise estrutural do capitalismo. Na ocasião, Antunes também lançou a edição em espanhol de O privilégio da servidão (publicado no Brasil pela Boitempo), livro em que analisa criticamente os impactos da uberização e das novas formas de exploração trabalhista no capitalismo contemporâneo.

Referência internacional na sociologia do trabalho, Antunes tem trajetória acadêmica consolidada: mestre em Ciência Política pela Unicamp (1980), doutor em Sociologia pela USP (1986) e livre-docente pela Unicamp (1994). Foi pesquisador visitante na Universidade de Sussex, na Inglaterra, e tem ministrado cursos e conferências em diversas instituições da América Latina e da Europa.

Em seu discurso, Ricardo Antunes recordou sua primeira visita à Argentina, em 1976, e destacou sua longa relação com o país e com a cidade de Rosario. “Decidi viajar para este país para celebrar a finalização da minha licenciatura. E o presente que me fiz foi comprar uma passagem de ônibus de ida e volta de São Paulo a Buenos Aires, mas nunca mais me esqueci deste país”.

Ao tratar da conjuntura global, o professor afirmou que o mundo vive uma profunda crise do capital iniciada nos anos 1970. Segundo ele, essa crise se manifesta na devastação ambiental, na corrosão dos direitos trabalhistas e no aumento da desigualdade. “Há pouco tempo, parecia que o mundo seguia uma certa normalidade: um abismo profundo entre ricos e pobres, ainda mais acentuado no Sul Global. Mas essa disparidade também cresce no Norte. Desde 1973, o sistema sociometabólico do capital — para usar um conceito desenvolvido por meu querido amigo István Mészáros — ingressou numa crise estrutural que se aprofunda até hoje.”

Sobre o avanço tecnológico e as promessas do trabalho digital, Ricardo Antunes alertou que "Desde finais do século passado e princípios deste século XXI, gerou-se um novo dicionário global: Tecnologias da informação e comunicação, algoritmos, internet das coisas, big data, 5G, inteligência artificial, Indústria 4.0, gig economy, sharing economy, crowdsourcing, etc. Em consonância com tudo isto, o trabalho digital foi celebrado como instaurador de uma nova era dourada, diziam os arautos do capital, mas na realidade melhor seria dizer que hoje nos encontramos em meio aos escombros do trabalho". Recuperando a perspectiva histórica e latino-americana do trabalho, Ricardo Antunes destacou a brutalidade das formas coloniais e escravistas que marcam a origem do trabalho no continente, onde o trabalho livre mudou para um trabalho escravizado ou à servidão.

Sobre os trabalhadores da plataforma, ele observou que "Hoje os trabalhadores, as trabalhadoras das plataformas — hoje aqui PedidosYa, Uber, iFood, Mercado Livre, Amazon, Airbnb, a lista é imensa — trabalhadores e trabalhadoras se encontram sem direitos. A classe trabalhadora lutou um, dois, três séculos para conquistar direitos que estão desaparecendo em nome de uma pretensa modernidade, sem jornada laboral regulada. Eu entrevistei muitos trabalhadores entregadores que trabalham 12, 14, 15, 16, 17, 18, 19, até 20 horas por dia".

Ele denunciou a falácia do empreendedorismo imposto. "A expansão da Indústria 4.0 significa consolidação de uma nova fase mais profunda de desemprego, robotização, e esta expulsão de força de trabalho da Indústria 4.0 é incorporada como a única possibilidade de trabalhar pelo capitalismo de plataforma, com uma condição: 'Você não é trabalhador, você não é trabalhadora, porque na medida em que não é trabalhador e não é trabalhadora, é empreendedora, está fora da legislação protetora do trabalho”.

O professor ainda cunhou o conceito de desantropomorfização do trabalho para descrever o processo contemporâneo de esvaziamento do sentido humano do trabalho. “Temos que reinventar um novo modo de vida e entender que este é um desafio crucial da classe trabalhadora”. Ao denunciar o falso discurso do empreendedorismo, Antunes reforçou a situação de trabalhadores de plataformas digitais como entregadores e motoristas de aplicativos. “No Brasil tivemos em 31 de março deste ano e no dia 1 de abril uma greve geral, uma paralisação geral dos trabalhadores de aplicativos. Não vou me referir aqui a greves de metalúrgicos, de professores, deste segmento. E os dias primeiro de abril? Sabem por que foi escolhido primeiro de abril? Porque é mentira. Eles não são empreendedores, eles não são empresários, eles são proletários sem direito”.

Antunes encerrou sua fala com um testemunho emocionado e um agradecimento à Universidade Nacional de Rosario. “Eu sou professor da Unicamp há 40 anos, mas eu sou também professor Doutor Honoris Causa desde hoje da Universidade Nacional de Rosário”.

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