Elide Rugai Bastos, Professora Emérita da Unicamp

Data da publicação: sex, 14/03/2025 - 11h18min

A Universidade Estadual de Campinas homenageou a socióloga Elide Rugai Bastos com o título de Professora Emérita em uma cerimônia realizada nesta quarta-feira, 12 de março de 2025, no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH). A outorga do título reconhece a trajetória acadêmica e as contribuições da professora para as Ciências Sociais no Brasil, marcadas por uma dedicação incansável à pesquisa, ao ensino e à formação de gerações de estudantes e pesquisadores.

A mesa da cerimônia contou com a presença do reitor Antônio José de Almeida Meirelles, da professora Andréa Galvão, diretora do IFCH, e da professora Mariana Chaguri, do Departamento de Sociologia e madrinha da homenageada. A aprovação do título foi realizada na reunião do Conselho Universitário da Unicamp em 26 de novembro de 2024, a partir de uma proposta apresentada pelos professores Mário Augusto Medeiros da Silva, Marcelo Ridenti e Mariana Chaguri, do IFCH.

Nascida em São Manuel (SP), em 9 de março de 1937, Elide Rugai Bastos vem de uma família de agricultores. Estudou em colégios internos em Botucatu e na capital paulista, além de ter cursado piano no Conservatório Musical de São Paulo. Graduou-se em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) em 1960 e, no mesmo ano, iniciou sua carreira como professora universitária. Tornou-se referência nas Ciências Sociais no Brasil, com destaque para seus estudos sobre a luta pela terra, a reforma agrária e o pensamento social brasileiro.

Elide Rugai Bastos obteve o título de mestre em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) em 1981, com a dissertação As Ligas Camponesas, orientada por José Augusto Guilhon Albuquerque. Sua pesquisa sobre o tema consolidou sua atuação na sociologia rural e nas questões agrárias, sendo publicada como livro pela Editora Vozes em 1984. Já o doutorado em Ciências Sociais foi realizado na PUC-SP, com a tese Gilberto Freyre e a formação da sociedade brasileira, sob a orientação de Octavio Ianni, defendida em 1986. O estudo projetou-a no campo do pensamento social brasileiro e deu origem ao livro As Criaturas de Prometeu: Gilberto Freyre e a formação da sociedade brasileira (Global Editora, 2006).

Ingressou na Unicamp em 1989, onde atuou no Departamento de Sociologia do IFCH. Tornou-se livre-docente em 1998 e professora titular em 2006. Além da docência, coordenou o Programa de Pós-Graduação em Sociologia do IFCH e, junto a outros colegas, fundou o Centro de Estudos Brasileiros (CEB) e a revista Trapézio. Sua atuação foi fundamental na formação de gerações de estudantes e pesquisadores, e dois de seus orientandos deram sequência ao seu legado no mesmo departamento, evidenciando o impacto duradouro de seu trabalho. Elide não apenas atuou no IFCH, mas foi uma das principais responsáveis por sua construção e consolidação, dedicando quase 40 anos à instituição.

Após sua aposentadoria em 2007, Elide manteve-se ativa como colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Unicamp e em projetos com instituições. Ela também se destacou como editora e organizadora de livros, entre os quais Conversa com Sociólogos Brasileiros (34 Letras), L’Intellectuels et Politique: Brésil-Europe (Harmatan), Intelectuais e Política: a Moralidade do Compromisso (Olho d’Água) e O Pensamento de Oliveira Vianna (Editora da Unicamp).

Além de sua atuação na Unicamp, Elide Rugai Bastos teve uma carreira marcada por reconhecimentos nacionais e internacionais. Foi coordenadora de Ciências Humanas e Sociais da Fapesp por dois mandatos consecutivos, a partir de 2013, e atuou em comissões e comitês de assessoramento do CNPq e da Capes. Recebeu, em 2005, o prêmio Gilberto Freyre, concurso nacional de ensaios da Fundação Gilberto Freyre, e, em 2017, o prêmio Anpocs de Excelência Acadêmica. Sua obra é referência não apenas no Brasil, mas também em países da América Latina e Europa, onde participou de conferências e colaborou com pesquisadores de diversas instituições.

Durante a cerimônia, Mariana Chaguri, sua ex-orientanda na graduação, mestrado e doutorado e madrinha da homenagem, destacou a importância de Elide Rugai Bastos na formação de mais de 1.100 alunos ao longo de seis décadas de atuação. "Elide nos ensinou que sociologia é uma prática cotidiana e exigente. Exigente porque nos demanda o melhor das nossas capacidades de observação e de escuta. Exigente ainda porque nos demanda horas e horas de leitura e de releitura, de escrita e de reescrita. Elide também foi muito generosa ao nos ensinar que a vida acadêmica tem uma temporalidade lenta, que ela é feita a partir de espaços muito diferentes, na interação com pessoas muito diversas entre si e que são inúmeros desafios que a vida acadêmica nos prepara, nos apresenta. Sobretudo, Élide nos ensinou a ter coragem. Coragem para experimentar no campo teórico e metodológico, coragem para explorar as mais diversas empirias do mundo social e coragem para inventar os mais diversos espaços intelectuais e institucionais. Elide nos ensinou a sermos corajosos, que gentileza, generosidade e a ética são imperativos da vida acadêmica", afirmou.

Mariana Chaguri também ressaltou o compromisso de Elide com a universidade pública, especialmente durante o período de lockdown no Brasil entre 2020 e 2021. “Durante a pandemia de Covid-19, Elide sempre me ligava para perguntar sobre como eu estava me saindo com as aulas remotas, mas me perguntava especialmente sobre os estudantes e sobre como eles acompanham as aulas e se saiam nas atividades. Quando a retomada presencial das aulas na Unicamp foi anunciada para março de 2022, Elide novamente me telefonou e foi muito categórica: “vamos dar aula semestre que vem, Mariana”. Eu obedeci, claro”.

Em sua fala, a professora Andréia Galvão destacou a generosidade e o rigor intelectual de Elide. "Elide é uma grande referência para todos nós, não só para o departamento de Sociologia ou para o IFCH, mas para as Ciências Sociais, no Brasil e na América Latina. Foi uma das principais responsáveis pela construção e consolidação do pensamento social brasileiro como campo de estudos, tendo sido pioneira em diversas frentes e agendas de pesquisa, trazendo também uma imensa contribuição ao campo dos estudos rurais", afirmou. 

A diretora do IFCH também ressaltou a importância de sua obra para a compreensão das desigualdades sociais no Brasil. "A preocupação com as raízes que frutificaram e dominaram o pensamento social e político brasileiro se combinam, ao longo de sua obra, à análise dos atores que os difundem e os mobilizam, e que inspiram novas e velhas formas de ação coletiva, que coexistem no tempo e no espaço. Ao invés de dualismos e linearidades, seus textos insistem na dinâmica entre as permanências e mudanças, os avanços e retrocessos que permeiam os processos sociais", disse Andréia Galvão, que ainda lembrou o papel de Elide na consolidação do pensamento social brasileiro como campo de estudos, bem como por ter sido uma  primeiras pesquisadoras a oferecer uma visão sistemática sobre o conservadorismo brasileiro como fenômeno social e sociológico, abordando o tema com rigor teórico e metodológico. 

Em seu discurso, Elide Rugai Bastos refletiu sobre sua trajetória e o significado de fazer sociologia no Brasil. "A expressão 'no Brasil' significa ter em conta o fato de constituirmo-nos em uma formação econômico-social localizada na periferia do capitalismo. O que se configura um fundamento para a busca de explicações diferenciadas daquelas utilizadas para as formações capitalistas originárias, mostrando que são aspectos de realização particulares do modo de produção. Ou seja, como essa construção não se realiza estritamente nos moldes clássicos que a história nos apresenta, conferindo a esse processo certa ambiguidade que exige do analista uma abordagem especial das categorias analíticas", afirmou a homenageada. Elide também destacou a importância de enfrentar os desafios da desigualdade social. "A sociologia enfrenta essa situação, assumindo a dimensão das legitimidade do conflito como um dos passos em direção a uma sociedade democrática", completou.

Elide Rugai Bastos também falou sobre a importância da universidade e do compromisso com a formação de novas gerações, aproveitando a comemoração dos 50 anos do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Unicamp. "Sinto-me honrada de participar, agora como convidada de sua continuidade. Os alunos nele titulados espalham-se por várias instituições aqui e no exterior. Orgulhamo-nos ao ler seus trabalhos, constatar sua atuação como produtores de arquivos e livros, relatórios de pesquisa, formação de médicos, pesquisadores e assessores de entidades voltadas a políticas sociais e muito mais. Junto aos novos alunos, eles fazem parte importante de nossa carreira profissional e intelectual", disse.

A cerimônia foi encerrada com a entrega do título de Professora Emérita pelo reitor Antônio José de Almeida Meirelles, que destacou a importância de Elide Rugai Bastos para a Unicamp e para as Ciências Sociais no Brasil. Com uma trajetória marcada pela coragem, generosidade e compromisso com a universidade pública, Elide Rugai Bastos tem um legado que continuará a inspirar novas gerações de pesquisadores e estudantes.