Uma vida dedicada à generosidade, à educação e ao serviço público

Data da publicação: sex, 27/09/2024 - 18h17min

Valério Paiva

A professora Gilda Figueiredo Portugal Gouvea, colaboradora aposentada do Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, faleceu no dia 21 de setembro de 2024. Nascida na cidade de São Paulo em 12 de dezembro de 1944, Gilda foi uma figura central na sociologia e teve uma trajetória marcante no campo das políticas públicas educacionais e da administração pública.

Gilda ingressou no ativismo político durante a juventude, atuando na construção de um grêmio estudantil secundarista. Em 1963, participou da União Paulista dos Estudantes Secundaristas, ao mesmo tempo em que aderiu à Juventude Estudantil Católica. Ingressou no curso de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), onde se formou em 1967. Durante a graduação, ingressou na organização política Ação Popular (AP).

Seu engajamento político a levou ao exílio durante a ditadura militar, quando viveu nos Estados Unidos e no Chile. De volta ao Brasil, atuou por anos no antigo Movimento Democrático Brasileiro (MDB) e, posteriormente, foi uma das fundadoras do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB).

Gilda construiu uma sólida carreira acadêmica. Concluiu o mestrado em Ciências Humanas pela Universidade de São Paulo (USP) em 1971, com a dissertação “O comportamento do estudante: um estudo do radicalismo e do conformismo”, sob orientação de José Pastore. Seu doutorado em Ciências Sociais foi defendido na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em 1994, com a tese “Burocracia e elites burocráticas no Brasil”, orientada por Argelina Figueiredo, e que deu origem a um livro de mesmo nome. Entre 1971 e 1974, realizou estudos na Cornell University, nos Estados Unidos.

Contratada como professora do IFCH da Unicamp em 1975, Gilda lecionou por décadas no Departamento de Sociologia. Como pesquisadora e docente, dedicou-se aos estudos sobre Teoria Sociológica e Políticas Públicas, abordando temas como sociologia clássica, pensamento de Durkheim, educação, administração pública, políticas públicas, sociologia urbana e o impacto das tecnologias da informação nas relações sociais. Além disso, teve uma atuação importante no Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP) da Unicamp.

Ao longo de sua carreira, Gilda colaborou com diversas instituições, como a Fundação Getulio Vargas (FGV), a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE), a PUC-SP e o Centro Universitário FECAP. Sua trajetória no campo da administração pública também foi notável. Atuou como assessora em diversas instituições, como a Fundação Seade, CESP, Banespa, Secretaria Municipal de Educação e Conselho Municipal de Educação de São Paulo.

No governo do estado de São Paulo, durante a gestão de Franco Montoro, foi Chefe de Gabinete da Secretaria da Educação e da Secretaria de Governo. Em 1987, ocupou, por alguns meses, o cargo de Chefe de Gabinete do Ministro da Fazenda Luiz Carlos Bresser-Pereira, durante a presidência de José Sarney. No governo Fernando Henrique Cardoso, foi Secretária Executiva do Ministério da Educação e, em 1995, atuou como Ministra da Educação interina. Posteriormente, foi Assessora Especial do Ministro da Educação Paulo Renato Souza, sendo a Delegada Regional do Ministério da Educação em São Paulo. Entre 2007 e 2011, trabalhou na Secretaria da Educação de São Paulo, durante o governo de José Serra.

Gilda também era uma entusiasta torcedora e sócia do São Paulo Futebol Clube, frequentando o clube desde a época em que a antiga sede social e o estádio estavam no bairro do Canindé. Seu irmão, Marcelo Portugal Gouvea, foi presidente do São Paulo FC na década de 2000.

A professora Gilda Portugal Gouvea deixa um legado significativo no ensino, na pesquisa e nas políticas públicas educacionais do Brasil. Sua presença será sentida não só pela comunidade acadêmica, mas por todos aqueles que tiveram a oportunidade de trabalhar e conviver com ela ao longo de sua carreira. A sua perda levou a declarações de pesar de diversas pessoas e instituições, como da direção do IFCH Unicamp e do Departamento de Sociologia do instituto, do NEPP Unicamp, da Fundação Fernando Henrique Cardoso, Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais, entre outros.

O professor Antonio Carlos Dias Junior, do Departamento de Ciências Sociais na Educação da Faculdade de Educação da Unicamp, conviveu durante anos com Gilda Portugal Gouvea. Graduado em Ciências Sociais no IFCH, Antonio Carlos conheceu a professora Gilda em 2002 no segundo ano de curso, quando ela era responsável pela disciplina de metodologia científica, então oferecida pelo Departamento de Sociologia. 

O interesse em comum pelo São Paulo Futebol Clube acabou levando a uma aproximação acadêmica e pessoal. “Tive um projeto de iniciação científica, e perguntei se ela podia orientar. Não era um tema muito ligado aos interesses de pesquisa dela. Foi uma pesquisa sobre o uso da violência por parte dos policiais militares, mas me ajudou com o espírito sempre aberto dela”, relembra Antonio Carlos. “Nasceu uma amizade ali permeada pelas questões do São Paulo. E daí em diante nunca mais perdemos o contato. Fiz a iniciação científica com ela, depois o mestrado também. Somente no doutorado que ela sugeriu que eu procurasse outro orientador, porque além do tema de pesquisa do meu doutorado ser também está bastante longe das coisas que ela pesquisava, ela achou que seria importante eu ter uma outra visão de orientação, pois ela se interessa pelo crescimento dos estudantes”.

Antonio Carlos destaca ainda a preocupação e a generosidade de Gilda com seus alunos com questões tanto dentro quanto fora da sala de aula, e o fato dela não ter se afastado da docência enquanto atuava na administração pública apesar das limitações físicas, como marcas profundas do caráter da professora. “As dificuldades que ela sempre teve por ser uma pessoa portadora de deficiência física pareciam que eram o combustível dela. Era uma força para ela. Ela dizia que a docência é o que a tornava jovem. O que mantinha o espírito dela jovem era esse contato com as novas gerações. E daí a importância de manter as disciplinas e os cursos que ela ministrava, mesmo nesses períodos mais tumultuados das atividades políticas que ela manteve.