POÉTICA E POLITICA NO TEXTO ETNOGRÁFICO: REPRESENTAÇÕES E EFEITOS DA ESCRITA
Resumo
Em 2020, um ano após a realização de uma pesquisa que teve como objetivo principal analisar, comparativamente, os ciclos de greves de canavieiros, em Pernambuco, e de metalúrgicos de São Paulo e do ABC Paulista que ocorreram em fins de 1970, retornamos às questões suscitadas em campo e as entrevistas feitas com ex-sindicalistas e trabalhadores(as) para compreender os modos que a interlocução nós-eles assumiu na formulação dos problemas de pesquisa e, nisso, os efeitos das formas de representação das nossas identidades/posições em campo e no texto que veio a ser publicado como resultado do projeto. Não meramente para reconhecer as implicações da autoridade etnográfica na escrita, mas para arguir em favor da fertilidade analítica da mediação do outro em nossa prática etnográfica. Que acolhe a dimensão política dos interesses manifestos seja como recurso para “dar um retorno”, seja para preservar o que merece ficar no anonimato. Aqui radica o objetivo desse texto. Ele nasceu como forma de dar vazão às questões metodológicas e éticas que surgiram em uma pesquisa sobre o tema das memórias de ex-militantes operárias metalúrgicas no ABC Paulista. O que pretendemos é refletir sobre os limites e possibilidades do registro etnográfico no que tange: i) as alianças forjadas em campo, com os nossos interlocutores, e os seus efeitos na construção das questões mobilizadas pela pesquisa; ii) a revelação de situações traumáticas colhidas no anonimato, mas sujeitas ao escrutínio público pelo efeito da divulgação do texto científico no meio pesquisado. A despeito da pesquisa ter encontrado o seu fim no final de 2019, o vínculo criado entre os pesquisadores e as pessoas que entrevistamos continuou a ser mobilizado para novas demandas dos(as) nossos(as) informantes. Não sendo uma ocorrência atípica em abordagens do gênero, o que nos inquietava era a maneira como iríamos representar, no texto, os elementos de uma pesquisa cujos resultados eram, ao menos para nós, tributários de um intenso deslocamento de posições entre as nossas figuras no campo, com acenos a reflexividade de ambas as partes. O problema não se restringia à forma de apresentar o texto etnográfico, sendo um impasse de estilo literário, mas se desdobrava em questões epistemológicas sobre a distinção entre "insider" e "outsider" e os efeitos das formas de representação – da realidade, dos(as) nossos(as) narradores(as) e também a nossa – que estávamos construindo narrativamente.
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