
Projeto da Unicamp estuda centro histórico de Amparo como modelo de preservação urbana
Valério Paiva
Um projeto de pesquisa da Unicamp está realizando um estudo piloto sobre o centro histórico do município de Amparo (SP), com o objetivo de desenvolver novas metodologias de preservação e atualização de dados sobre conjuntos urbanos tombados no estado de São Paulo.
A iniciativa, intitulada “Estudo piloto do centro histórico de Amparo como exemplar dos centros históricos paulistas tombados e os desafios da preservação”, é coordenada pelos professores Marcos Tognon, do Departamento de História do IFCH, e Haroldo Gallo, do Departamento de Artes Plásticas do Instituto de Artes. O projeto conta ainda com a colaboração dos professores Marcello Balzani, Luca Rossato e Fabiana Racco, da Universidade de Ferrara (Itália), e tem financiamento da Fapesp, além do apoio do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat).

A escolha do município de Amparo como caso piloto se deve à sua riqueza arquitetônica e urbanística, à variedade de morfologias urbanas e à presença de técnicas construtivas que articulam o período colonial e a industrialização paulista. O projeto analisa o centro histórico como modelo representativo dos 15 centros e conjuntos urbanos tombados pelo Condephaat, entre os quais estão Iguape, São Luiz do Paraitinga, Paranapiacaba e Itu — cada um representando diferentes fases e tipologias da formação urbana paulista.
A proposta tem caráter pioneiro, ao propor uma metodologia replicável para a atualização e o monitoramento contínuo dos centros históricos tombados, articulando bases de dados regionais, nacionais e internacionais. Essa abordagem visa não apenas à preservação física dos bens, mas também à criação de instrumentos técnicos de gestão e acompanhamento do patrimônio histórico, permitindo o cruzamento de informações em diferentes escalas e períodos.

Entre 2018 e 2022, o Condephaat analisou 98 pedidos de intervenção no perímetro tombado de Amparo, ainda com base em levantamentos das décadas de 1980 e 2000. Essa defasagem reforça a necessidade de atualizar o inventário e ampliar o acesso público às informações sobre o patrimônio urbano — objetivo central da pesquisa.
Tecnologias de mapeamento e levantamento
Durante o trabalho de campo, realizado entre 20 e 24 de setembro de 2025, pesquisadores da Unicamp e da Universidade de Ferrara atuaram em conjunto no registro e na medição de imóveis que compõem o patrimônio histórico de Amparo, sem qualquer interferência na rotina de moradores e comerciantes do centro. As equipes utilizaram tecnologias de ponta para a aquisição das volumetrias dos edifícios e do espaço urbano, integrando quatro tipos principais de levantamento: escaneamento a laser, fotogrametria, sobrevoos com drone e levantamentos topográficos com estação total.

“Os trabalhos seguiram muito bem. No sábado e domingo fizemos muitas captações de imagens, e os alunos trabalharam com quatro tipos de informação: escaneamento a laser, fotogrametria — que é um protocolo muito específico para obter medidas em escala real a partir da fotografia —, sobrevoos com drone e levantamentos topográficos com estação total”, explica o professor Marcos Tognon. “Esses quatro equipamentos fornecem diferentes graus de precisão e, ao mesmo tempo, todas as informações são georreferenciadas. Isso permite coincidir os dados e chegar a um nível mínimo de erro no levantamento das formas e dos materiais. Foi uma experiência excelente.”
Essas técnicas permitirão criar modelos tridimensionais de alta precisão, que servirão de base para o registro, diagnóstico e monitoramento das intervenções futuras. “A pesquisa é inédita no Brasil em sua área, operando nos níveis conceitual, metodológico e tecnológico, e gerando ferramentas inovadoras de gestão de bens patrimoniais preservados, especialmente os centros históricos urbanos”, afirma o professor Haroldo Gallo, do Instituto de Artes da Unicamp. “O estudo substitui métodos tradicionais de identificação e gestão aplicados nos organismos de preservação histórico-culturalpor ferramentas digitais que podem ser compartilhadas nas esferas local, regional, nacional e internacional.”

A pesquisa abrange também as dimensões materiais e paisagísticas do centro histórico de Amparo — arquitetura, tipologias construtivas, ornamentações, cromatipologias, desenho urbano, infraestrutura, mobilidade, recursos naturais, jardins e riscos ambientais.
O recorte territorial compreende a área entre o Largo da Catedral de Nossa Senhora do Amparo e o Largo do Rosário, incluindo as ruas Humberto Bereta, General Câmara, Duque de Caxias e Dr. Oswaldo Cruz, áreas representativas pela diversidade de tipologias e pela monumentalidade de seus conjuntos edificados.
Equipe internacional e interoperabilidade dos dados
As equipes italianas envolvidas no projeto integram o Laboratório DIAPReM (Development of Integrated Automatic Procedures for Restoration of Monuments), vinculado ao Departamento de Arquitetura da Universidade de Ferrara e dirigido pelo professor Marcello Balzani, com participação dos professores Luca Rossato, Federica Maieti e Fabiana Racco. Desde 1997, o DIAPReM desenvolve procedimentos automatizados e integrados para o levantamento, modelagem e representação tridimensional de complexos arquitetônicos e monumentais, atuando em projetos de preservação e restauro na Itália e em diversos países.

O laboratório é referência internacional na aplicação de tecnologias digitais ao patrimônio cultural, tendo colaborado com o escaneamento 3D e as obras de restauração do Museu do Ipiranga, em São Paulo. Suas pesquisas reúnem abordagens interdisciplinares voltadas à conservação preventiva, ao monitoramento de sítios históricos e à gestão sustentável do patrimônio arquitetônico e arqueológico.
A colaboração com a Universidade de Ferrara amplia o alcance científico e tecnológico do projeto. A equipe italiana é reconhecida por sua atuação em documentação digital, modelagem tridimensional e conservação de patrimônio histórico, sendo responsável pelo desenvolvimento dos protocolos técnicos que orientarão a integração das informações coletadas em Amparo.
“Agora começamos o processamento dos dados, tanto na Unicamp quanto em Ferrara, a partir do compartilhamento de todas as informações em um servidor da Universidade de Ferrara. As equipes italianas retornam na próxima semana e seguimos com o tratamento das informações coletadas”, explica Tognon.
O uso de uma plataforma compartilhada entre as instituições permitirá a criação de um banco de dados interoperável e colaborativo, capaz de dialogar com sistemas de preservação nacionais e estrangeiros.

Colaboração institucional e apoio local
O projeto contou com apoio da Prefeitura de Amparo, que atuou por meio das Secretarias de Cultura, Turismo e Urbanismo e do Conselho Municipal de Patrimônio Cultural (Condepahc). As equipes municipais acompanharam todas as fases do trabalho de campo, oferecendo suporte logístico e técnico.
O encerramento da etapa de campo foi marcado por um seminário no Museu Histórico Bernardino de Campos, no centro de Amparo, com a presença da vice-presidência do Condephaat, professora Mariana Rolim. Na ocasião, as equipes apresentaram os resultados preliminares do trabalho, antes de seguirem para visitas técnicas na capital paulista.
Próximas etapas
O cronograma de atividades, dividido entre Unicamp, Universidade de Ferrara e instituições paulistas, se estende de setembro de 2025 a julho de 2026, com etapas que vão do levantamento em campo à apresentação pública dos resultados.
A primeira fase, em setembro de 2025, foi dedicada ao trabalho de campo em Amparo. Entre outubro e dezembro de 2025, as equipes concentram-se no tratamento das informações, nas pesquisas documentais e no levantamento da legislação.
De janeiro a maio de 2026, serão desenvolvidos os modelos metodológicos e a edição dos resultados digitais, com apresentação prevista no Salone del Restauro 2026, em Ferrara, Italia. Por fim, entre junho e julho de 2026, ocorrerão os testes e a elaboração dos manuais de uso, seguidos da apresentação pública dos resultados pelo Condephaat e de uma exposição didática em Amparo e São Paulo.

Pesquisa aplicada e formação acadêmica
Com foco em pesquisa aplicada e cooperação internacional, o projeto reúne estudantes e pesquisadores das áreas de História, Arquitetura e Artes da Unicamp e da Universidade de Ferrara em atividades conjuntas de levantamento, análise e modelagem digital dos dados coletados. A integração das equipes reforça o caráter formativo e interdisciplinar da iniciativa, aproximando a investigação acadêmica das práticas contemporâneas de preservação e documentação do patrimônio histórico
“Foi uma experiência muito rica para os estudantes. Depois do seminário, visitamos a Fazenda Atalaia, uma das fazendas históricas mais conhecidas de Amparo, premiada internacionalmente pela produção de queijos e preservada desde o ciclo do café, de meados do século XIX. Uma oportunidade de conhecer um exemplo concreto de patrimônio rural preservado”, comenta Marcos Tognon.
“Além de escolher um artefato preservado significativo - o centro histórico do município de Amparo -, o projeto articula suas ações entre a Unicamp, a Universidade de Ferrara, o Condephaat e as instâncias de gestão da Prefeitura Municipal de Amparo”, explica Haroldo Gallo. “Potencialmente, a metodologia criada poderá ser aplicada nos demais centros urbanos preservados ou em estudo no estado de São Paulo.”
O Estudo piloto do centro histórico de Amparo pretende consolidar uma metodologia replicável para outras cidades históricas do estado, articulando uma base de dados integrada regional, nacional e internacionalmente. O trabalho conjunto entre os pesquisadores da Unicamp e de Ferrara, por meio do laboratório DIAPReM, permite combinar inovação tecnológica e pesquisa aplicada com cooperação institucional, fortalecendo as políticas públicas de preservação e gestão integrada do patrimônio histórico urbano no Brasil.