
Encontro de Estudos em Pierre Bourdieu reúne comunidade bourdieusiana no IFCH
Entre os dias 9 e 12 de setembro de 2025, o Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp sediou o IV Encontro de Estudos em Pierre Bourdieu, um dos principais espaços de articulação da comunidade bourdieusiana no Brasil. Organizado pelo GEBU — Grupo de Estudos em Bourdieu, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e ao CNPq, o evento teve como objetivo reunir pesquisadoras e pesquisadores que dialogam com a obra do sociólogo francês.

A mesa de abertura foi intitulada As múltiplas formas da desigualdade na mundialização: uma análise a partir da França e do Brasil, integrada à programação oficial da Temporada França-Brasil 2025 — iniciativa dos governos brasileiro e francês para fomentar intercâmbios artísticos, culturais e científicos. O debate contou com a presença de Frédéric Lebaron (ENS Paris-Saclay), Miqueli Michetti (UFPB) e Michel Nicolau Netto (IFCH Unicamp), destacando o reconhecimento internacional da produção acadêmica desenvolvida no instituto.
A programação incluiu mesas de debate, grupos de trabalho, um workshop e a reunião de grupos de pesquisa, com participantes de diferentes regiões do país. Além da abertura, destacaram-se mesas sobre a recepção da obra de Bourdieu no Brasil, a apresentação de pesquisa original do GEBU e os primeiros resultados do projeto temático FAPESP “Para Além da Distinção”, sediado no IFCH com participação de universidades brasileiras e estrangeiras.

Outro momento importante foi a reunião nacional de grupos de pesquisa, que discutiu a criação de uma instância estável de articulação, como uma confederação de núcleos dedicados à obra de Bourdieu no Brasil. O encontro, que contou com mais de 140 inscritos, foi encerrado com a conferência de Frédéric Lebaron, “Feminizing central bank governance: from the pioneers to positive discrimination”.
Segundo Michel Nicolau Netto, o evento representou um ponto de convergência de diferentes processos em curso: o projeto temático Para Além da Distinção, a vinda de Lebaron no âmbito das Cátedras Franco-Brasileiras e a integração de uma mesa à Temporada França-Brasil 2025.

Projeto temático e cooperação internacional
O projeto Para Além da Distinção, financiado pela Fapesp e sediado na Unicamp, investiga empiricamente a relação entre espaço das classes sociais e estilos de vida, atualizando hipóteses propostas por Bourdieu em A Distinção. A pesquisa reuniu uma equipe internacional e aplicou um questionário representativo a 2.004 pessoas adultas na cidade de São Paulo, complementado por entrevistas qualitativas e grupos focais, formando um amplo banco de dados sobre práticas culturais e classes sociais.
Os primeiros resultados foram apresentados no Encontro, em mesas sobre “espaço simbólico” e “espaço social”, antecipando análises finais previstas para 2025. O projeto também articula uma rede internacional de colaboração com pesquisadores da Inglaterra, França, Portugal e Chile. Em outubro, a equipe realiza seminários na França e na Inglaterra para debater resultados com especialistas estrangeiros; em novembro, será promovido o seminário de encerramento na Unicamp.

GEBU: uma década de produção e articulação
O GEBU foi criado em 2014 por discentes de graduação e pós-graduação do IFCH/Unicamp, sob coordenação de Michel Nicolau Netto. Vinculado ao CNPq, consolidou-se como referência nacional nos estudos bourdieusianos, reunindo hoje membros da Unicamp, UFABC e UFSCar.
Sua atuação se organiza em quatro linhas de pesquisa:
- Teoria e epistemologia bourdieusiana
- Gosto e classe social
- Instituições e cultura legitimada
- Intelectuais e campo do poder
De acordo com Michel, o objetivo sempre foi criar um espaço de pesquisa continuada e formar novas gerações de pesquisadoras e pesquisadores. Para ele, o fortalecimento de redes nacionais e internacionais e a incorporação de jovens pesquisadores em grandes projetos são sinais da maturidade alcançada pelo grupo.
Cátedras Franco-Brasileiras
A presença de Frédéric Lebaron também esteve ligada às Cátedras Franco-Brasileiras, programa organizado pelo Consulado da França em parceria com USP, Unesp e Unicamp para promover a cooperação científica bilateral. O projeto de Michel Nicolau Netto e Lebaron, “Classes e classificações em múltiplas escalas”, foi contemplado no edital do programa.
Durante sua estadia no Brasil, Lebaron participou de atividades no IFCH Unicamp, ministrou aulas de metodologia, reuniu-se com estudantes e desenvolveu pesquisas conjuntas com Michel e outros docentes. Na próxima etapa, Michel realizará uma estadia de um mês na França, com atividades correspondentes na ENS Paris-Saclay.
As Cátedras dão continuidade às trocas acadêmicas entre o IFCH Unicamp e a ENS Paris-Saclay. Nos dois anos anteriores, o programa já havia trazido colegas franceses para ministrar workshops, colaborar em análises de pesquisa e discutir projetos de estudantes do instituto.

A presença do sociólogo Frédéric Lebaron no IFCH
Frédéric Lebaron, sociólogo da École Normale Supérieure (ENS) Paris-Saclay, esteve na Unicamp como convidado das Cátedras Franco-Brasileiras, fortalecendo a colaboração entre pesquisadores brasileiros e franceses.
Formado pela École des Hautes Études en Sciences Sociales (EHESS), Lebaron iniciou sua carreira nos anos 1990 em contato direto com Pierre Bourdieu e seu grupo de pesquisa. “Fiz meu doutorado nos anos 1990. Foi uma época em que trabalhei com Pierre Bourdieu. Ele não foi meu orientador, na verdade, mas trabalhei muito com ele em seu grupo de pesquisa. E meu tema era o mundo social dos economistas”, contou. Desde então, passou a se dedicar também ao estudo dos bancos centrais, tema que segue em sua trajetória acadêmica.
Após o doutorado, tornou-se professor associado na Universidade de Amiens, no norte da França, onde permaneceu por 16 anos. Nesse período, dirigiu o Centre Universitaire de Recherches Administratives et Politiques de Picardie (CURAPP), centro responsável por integrar ciência política, direito público, sociologia, linguística, educação e filosofia. “Foi um pouco complexo porque também estávamos mudando a divisão tradicional do trabalho entre faculdades. Criamos uma aliança entre ciência política e sociologia, que se ampliou nos anos seguintes em outras universidades. Acho que fomos dos primeiros a estabelecer essa aliança, fortemente baseada no fato de que tínhamos referências teóricas semelhantes — entre elas estava Bourdieu, obviamente.”
Essa experiência também marcou sua virada metodológica. “Desde os anos 1990, estive envolvido em discussões com matemáticos, com colegas que usavam métodos como técnicas de análise geométrica de dados, nas quais eu estava realmente interessado desde a tese. Realmente aprendi muito com eles, praticando e discutindo cada etapa da metodologia, e também me tornei metodólogo”, afirmou. Nomeado professor de metodologia em Amiens, passou a combinar diferentes técnicas, como análise de correspondências múltiplas, clustering e métodos qualitativos.
Lebaron destaca que sua proposta é superar divisões artificiais entre métodos. “Não há oposição entre análise de correspondências múltiplas, regressão, redes neurais, análise de redes e muitas ferramentas que muitas vezes são descritas como opostas. Achamos que não há contradições, e tentamos mostrar isso, até mesmo de um ponto de vista matemático”, disse, lembrando sua parceria com o estatístico Henri Rouanet.
A partir de 2016, já na ENS Paris-Saclay, ampliou seus cursos e pesquisas em temas como sociologia da linguagem, sociologia da cultura, sociologia da felicidade, indicadores sociais, confiança e atitudes políticas. Para ele, a unidade de sua trajetória se expressa na noção de “desigualdade de capitais”. “Agora tento ir mais adiante na direção de ver o capital cultural como algo fortemente composto de capital linguístico. O capital linguístico, para mim, é bastante central na economia geral dos capitais”, defendeu.
Em 2015, Lebaron publicou, em coautoria com Brigitte Le Roux, o livro La méthodologie de Pierre Bourdieu en action, dedicado à análise de espaços sociais e simbólicos em perspectiva comparativa. Mais recentemente, integrou o consórcio europeu INVENT, iniciado em 2020, que investiga práticas culturais, bem-estar e inclusão social em nove países. O projeto reuniu um extenso conjunto de dados cuja análise comparativa segue em curso. Nesse trabalho, Lebaron contou com a participação de Lucas Page Pereira, pesquisador brasileiro formado no IFCH Unicamp, que desenvolveu estudos sobre classes sociais no Brasil e atuou diretamente na investigação internacional.
O vínculo entre linguagem e metodologia também aparece em sua reflexão sobre pesquisas empíricas. “Um questionário é um ato de fala em uma situação social. Precisamos refletir sobre o que exatamente eles realizam quando respondem a um questionário. O risco é essencializar os resultados, os dados, e o viés escolástico está sempre ameaçando”, observou. Sua pesquisa, afirma, mantém um fio condutor: “A perspectiva é a mesma em geral. É essa perspectiva de integrar a dimensão dos capitais, integrar o método, métodos mistos, e assim por diante.”
Livros selecionados de Frédéric Lebaron
- Lebaron, F. (2000). La croyance économique. Les économistes entre science et politique. Paris: Seuil, coll. Liber.
- Lebaron, F. (2003). Le savant, le politique et la mondialisation. Paris: Éditions du Croquant, coll. Savoir/Agir.
- Lebaron, F. (2006). Ordre monétaire ou chaos social ? La Banque centrale européenne et la révolution néo-libérale. Paris: Éditions du Croquant, coll. Savoir/Agir.
- Lebaron, F. (2006). L’enquête quantitative : recueil et analyse des données. Paris: Dunod, coll. Psycho Sup.
- Lebaron, F. (2010). La crise de la croyance économique. Paris: Éditions du Croquant, coll. Dynamiques socio-économiques.
- Lebaron, F. (2011). Les indicateurs sociaux au XXIᵉ siècle. Paris: Dunod.
- Lebaron, F., & Le Roux, B. (2015). La méthodologie de Pierre Bourdieu en action. Espace culturel, espace social et analyse des données. Paris: Dunod.
- Lebaron, F. (2021). Savoir et agir. Chroniques de conjoncture (2007-2020). Paris: Éditions du Croquant.