
Nota do PolCrim - Massacre da Penha e Alemão - Outubro de 2025
Nas primeiras horas do dia 28 de outubro de 2025, foi desencadeada pela Polícia Militar, pela Polícia Civil e pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, uma operação policial no Complexo da Penha e no Complexo do Alemão, chamada de Operação Contenção. Sob o comando do governador Cláudio Castro, essas polícias cumpririam mandados de prisão contra integrantes do Comando Vermelho. Essa operação se transformou na chacina mais letal da história do Brasil. O dia terminou com a contagem de 64 pessoas assassinadas, dentre essas 04 policiais.
De acordo com que afirmou em coletiva de imprensa o secretário da Polícia Militar do RJ, Marcelo Menezes, foi criado o que foi chamado de “Muro do Bope”: policiais foram estrategicamente posicionados para que os suspeitos fossem empurrados e encurralados para uma área de mata. No amanhecer do dia 29, acompanhamos a crueldade do resultado dessa estratégia, com a cena dos próprios moradores localizando e retirando dezenas de corpos da área.
O número de mortos, ainda em contagem, chega hoje a mais de 128. Imagens de corpos enfileirados nas ruas das comunidades circularam nas redes sociais e mídias jornalísticas, dando uma dimensão do massacre. Moradores denunciam que os corpos possuem sinais de tortura e execução. Sobre este fato, o delegado Vinicius Jorge, do Rio de Janeiro, declarou que “na mata é Vietnã”, escancarando um cenário de guerra imposto pelo próprio Estado do Rio de Janeiro, que fere os direitos humanos não apenas dos mortos, desaparecidos e de seus familiares, como de toda uma cidade que ficou sem direito de ir e vir, com paralisação do transporte público, escolas e hospitais.
Estas ações que ocorreram na Penha e no Alemão não podem ser vistas como uma operação policial, como uma política de segurança pública, e tampouco como medida de resgate da soberania nacional, como afirmou o Procurador-Geral do Ministério Público do Rio de Janeiro em entrevista no dia de ontem. Temos que chamar o que ocorreu pelo nome, para dimensionar mais essa barbárie: estamos diante de um massacre.
Diante do massacre, manifestamos nosso total repúdio a essa ação por parte do Estado e à tentativa de enquadrá-la no rol do que seriam políticas de segurança pública.
Convivemos historicamente com chacinas e massacres policiais no Brasil. As Chacinas de Acari, Candelária, Vigário Geral, Jacarezinho, Carandiru, Crimes de Maio, Alcaçuz, Compaj, Operação Verão e Escudo, e agora da Penha e Alemão revelam como a violência de Estado é operada em territórios racializados, a partir da militarização urbana com o discurso de guerra às drogas e ao crime.
Alguns jornalistas, pesquisadores e políticos, ao enfatizar que pessoas inocentes também morreram nessas operações, desviam o foco do essencial: ninguém deveria morrer em operações policiais.
Também repudiamos o uso político do massacre, claramente feito pelo governador Cláudio Castro, mas encampado também pelo Governo Federal, que em suas manifestações sobre o ocorrido tem se limitado a defender as suas próprias ações contra o crime organizado como mais “inteligentes”, reproduzindo o discurso de guerra que sustenta esse tipo de operação, e escusando-se de denunciar a violência policial, defender os direitos humanos e demandar e agir para uma apuração rigorosa dos fatos e das responsabilidades pelas mais de 120 mortos na Operação Contenção.
Diante desse cenário, afirmamos a importância e reivindicamos as seguintes medidas imediatas:
● A realização de perícias independentes e urgentes, conduzidas de forma autônoma em relação às polícias, como determina a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos do Caso Favela Nova Brasília vs. Brasil;
● O acompanhamento das investigações sobre as mortes e o suporte e apoio às vítimas e familiares de vítimas da violência de Estado, incluindo atendimento jurídico, psicológico e médico especializados, garantindo sua integridade diante de possíveis ameaças, intimidações e novas ações violentas por parte da Polícia Militar do Rio de Janeiro;
● A federalização imediata da investigação sobre a chacina da Penha e do Alemão, permitindo que as investigações saiam da Justiça estadual e sejam atribuídas à Justiça Federal, diante da constatação de grave violação de direitos humanos e a possibilidade de responsabilização do Brasil por tribunais internacionais;
● Que o Estado do Rio de Janeiro arque com todas as cobranças das burocracias pós-morte para todas as famílias de vítimas, e seja garantido o velório e enterro de todos os corpos em local adequado;
● A proposição de políticas de redução da letalidade policial e de reparação, cuidado e atenção para as pessoas afetadas por mais esse massacre.
PolCrim – Laboratório de Estudos de Política e Criminologia
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
Universidade Estadual de Campinas

Imagens: Tânia Rêgo/Agência Brasil