Neste trabalho, o processo de instalação da Usina Hidrelétrica Estreito no Rio Tocantins é tomado como uma lente que amplifica e delimita um campo no qual é examinada a relação do Estado com trabalhadores assentados pelo Incra em 2001 e forçados a deixar o assentamento em 2010, com a subida das águas do reservatório da usina. A trama de relações sociais que convergiram para as negociações por justa reparação entre o consórcio de grandes grupos industriais transnacionais que controla a usina e os assentados em face da expropriação da posse da terra serve como um ângulo através do qual são analisadas interações de indivíduos e grupos assentados com funcionários e instituições do Estado, num momento histórico em que o Partido dos Trabalhadores alcançara a presidência da República.
Das famílias nos doze assentamentos do Incra afetados pela usina, nove no Estado do Tocantins, três no do Maranhão, apenas essas cujas experiências são aqui focalizadas obtiveram a reparação reclamada: novas terras, novas casas e o pagamento de indenizações pelas melhorias que ergueram nas suas parcelas. Lançando mão da pesquisa etnográfica e da análise de documentos oficiais, procura-se revelar como isso aconteceu. O que dizer sobre o funcionamento concreto da máquina estatal no governo de um partido político nascido das lutas operárias e de trabalhadores do campo, agora diante de um embate entre sujeitos sociopolíticos e econômicos tão desiguais?
A despeito da conquista de novas casas e terras para morar e produzir, alguns desses trabalhadores reassentados logo perfizeram uma ‘volta redonda’ – de assalariados rurais temporários sem terra passaram a assentados pelo Incra, daí a atingidos pela barragem e finalmente a assalariados rurais temporários sem-terra (ou com terra imprópria para o cultivo), força de trabalho disponível para o capital: as grandes propriedades rurais no vale do rio Tocantins ou as monoculturas de eucalipto que nos últimos anos se espalharam por toda a área rural hoje conhecida como Matopi (sudoeste do Maranhão, centro-norte do Tocantins e sul do Piauí). Uma trajetória que aponta para mais subalternização, não emancipação.
Procura-se identificar o conjunto de fatores cuja interação responde por essa tendência. Dentre eles, a política de estímulo à exportação para a obtenção de superávits e a mudança na relação do Estado com as frações do grande capital ligadas aos setores mínero-metalúrgico e sobretudo do agronegócio dela decorrente; a intensificação da função do Estado de garantidor da ordem, seja pelo consenso, aí algum apassivamento dos movimentos populares do campo, inclusive o Movimento dos Atingidos por Barragens (Mab), seja pela coerção exercida ora pela polícia, ora pelo judiciário; a persistência de chefetes políticos de expressão local e regional relevantes para a reprodução política do Estado brasileiro e, por fim, a modalidade de agência exercida pelos assentados durante suas negociações com o consórcio empresarial.