Veia arada: Velhices e Situações de Rua, uma etnografia

Nesta pesquisa busquei compreender governamentalidades na articulação de políticas em torno de envelhecimento e situação de rua, tendo como foco os processos de institucionalização e os trânsitos envolvendo espaços de acolhida e pessoas idosas em situação de rua. Seu objetivo geral é compreender como a “população idosa em situação de rua” ganha sentido nas políticas públicas contemporâneas e as formas pelas quais essas políticas imprimem marcas nas trajetórias de pessoas atendidas como “pessoas idosas em situação de rua” em equipamentos públicos, trajetórias as quais também estão para além da categorização administrativa. A estratégia metodológica primordial foi a realização de uma etnografia em um Centro de Acolhida para Idosos em Situação de Rua (CAEI), denominada nesta tese como Estação Sentinela, gerido por uma instituição não governamental em convênio com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Assistência Social (SMADS) da cidade de São Paulo. Com a atenção a formas de gestão na Estação Sentinela a partir das regras internas e moralidades, envoltas em convenções em torno de gênero, idade, classe, raça e sexualidade no cotidiano, na etnografia, conferiu-se especial atenção ao exercício de reconstrução das trajetórias dos interlocutores, dos seus trânsitos entre diferentes instituições e das relações entre cuidado e controle que se desenhavam nesses percursos. Em meio à etnografia, emaranharam-se também as políticas de assistência social e outras políticas municipais, como também de outras instâncias federativas, sugerindo diferentes sentidos e memórias acerca de velhices e situações de rua no âmbito da atuação do Estado. Tais emaranhamentos conduziram a uma estratégia metodológica adicional, a investigação dos processos socio-históricos que relacionaram velhices, ruas e prisões desde os tempos da escravidão, de modo a problematizar a ideia de que o encontro entre velhices e situações de rua trata-se de um fenômeno social absolutamente novo. É desta forma que o estudo, ao tratar da simultaneidade de processos de “acolhida” e “recolhida” em termos políticas de Estado, aponta, em seu trajeto, que se o problema não é novo, o tratamento dado a ele sim. Se o primeiro processo é predominante no reconhecimento que estabelece um equipamento público e transforma em um sujeito de direitos a “Pessoa Idosa em situação de rua”, o segundo continua a produzir também situações de rua. Organizada em dois diferentes volumes, a tese apresenta no seu segundo volume um material visual constituído ao longo do trabalho de campo, partilhas e interlocução, de modo a oferecer outras maneiras de aproximação aos interlocutores e ao seu cotidiano compartilhado com a pesquisadora.