“Se tudo é abusivo, nada é”: fluxos, usos e mudanças de sensibilidades na produção da categoria “relações abusivas”

Esta tese se dedica ao estudo do surgimento e consolidação da categoria relações abusivas. Para tanto, parte dos pressupostos de que as convenções acerca do que é percebido como violento estão sempre se modificando e de que os movimentos feministas brasileiros contribuíram significativamente para o modo como casais homo e heteroafetivos passaram a significar situações de violência e/ou de abusos em seus relacionamentos. Ao abarcar essa discussão, toma como base a etnografia online e offline e se divide em três frentes etnográficas distintas. Na primeira, tensionando a relação com o Google e colocando em jogo a agência do buscador em meio a customização dos resultados da busca, caminho entre os anos 2000 e 2018 para compreender como a categoria se modifica e se conecta com diferentes sujeitos no decorrer das quase duas décadas. Essa frente me permitiu acessar pelo menos quatro diferentes bases, que coexistindo, contribuíram para a formulação da categoria como a reconhecemos hoje: i. traduções de conteúdos oriundos da América do Norte; ii. discussões religiosas sobre o papel da violência nos danos causados, necessidade de superação da violência e reconstrução das famílias; iii. psicologização das emoções e buscas individuais por respostas ao problema da violência em relações afetivo-sexuais, a partir de categorias como autoestima; iv. discussões que buscam respostas coletivas ao problema pautadas principalmente nos feminismos, que são tensionados, por sua vez, por diferentes identificações feministas no modo de fazer política. Na segunda frente, dediquei-me a etnografia do Grupo de Apoio para Mulheres, que tem aproximadamente 20 mil membros, é secreto e faz parte do Facebook. Nele, a partir de pessoas pertencentes a diferentes círculos sociais, pude observar a produção de vítimas ideais em detrimento de corpos que não eram compreendidos como parte integrante da discussão – como as mulheres trans e travestis. O grupo se constitui a partir das rotinas circulares e suas quebras, construindo conjuntamente, entre as mulheres, regulagens para definir o que é ou não uma relação abusiva. O foco das mulheres está em compartilhar experiências e a partir de uma construção comum de sensibilidades, diagnosticar coletivamente os parceiros abusivos com os quais se relacionam ou se relacionaram. Nesse sentido, surgem as categorias perspecticídio, narcisista perverso e psicopata. A terceira frente da pesquisa se concentra na etnografia de rodas de conversa para que as e os participantes pudessem trocar entre si sobre suas experiências em relações abusivas. Organizadas na cidade de São Paulo, as rodas me permitiram acessar tensionamentos em torno de noções de masculinidades, feminilidades, pertencimentos étnico-raciais, diferenças de classes sociais e busca por saídas reparadoras. A conjunção das três frentes de pesquisa, em diálogo com bibliografia focada em violência de gênero e feminismos, permitiu-me reconstituir uma trajetória percorrida pela categoria relações abusivas, quais sujeitos estiveram imersos nesse caminho e quais acontecimentos foram marcos relevantes em seu percurso. Nesse percurso, os feminismos se tornaram o alicerce para considerar não apenas soluções individuais, mas também reflexões que articulam subjetividades diversas e aspirações políticas na construção coletiva de respostas a situações de violência nos relacionamentos afetivo-sexuais.

Data da defesa: 
quarta-feira, 20 Dezembro, 2023 - 10:00
Membros da Banca: 
Profa. Dra. Regina Facchini - Presidente
Profa. Dra. Heloísa Buarque de Almeida - Titular
Profa. Dra. Carolina Parreiras Silva - Titular
Profa. Dra. Jacqueline Moraes Teixeira - Titular
Prof. Dr. Roberto Cordoville Efrem de Lima Filho - Titular
Profa. Dra. Isadora Lins França - Suplente
Profa. Dra. Anna Paula Vencato - Suplente
Prof. Dr. Roberto Marques - Suplente
Nome do Aluno: 
Fernanda Kalianny Martins Sousa
Sala da defesa: 
Sala de Teses I