A presente tese de doutorado tem como ponto de partida as indagações acerca da patologização/despatologização de sexualidades ditas desviantes. Tomamos como objeto empírico as controvérsias envolvidas na produção de conhecimento médico-científico e psi no Brasil em torno do diagnóstico da “compulsão sexual”. Nesse sentido, insere-se nos Estudos sobre Gênero e Sexualidade, na interface com a Antropologia da Ciência. Analisa a emergência das categorias relacionadas à noção de compulsão sexual e suas relações com os campos da biomedicina, da ciência e da sociedade. Focaliza as trajetórias, as controvérsias e disputas de sentidos em relação a tais categorias no campo nacional, inclusive a partir dos debates em âmbito internacional em torno da inclusão/exclusão dos diagnósticos Hypersexual Disorder/Compulsive Sexual Behaviour Disorder nos/dos manuais diagnósticos como o DSM e a CID. Analisa também a maneira pela qual convenções acerca de gênero e de sexualidade emergem dos discursos biomédicos e jurídicos sobre o tema, bem como as controvérsias em torno da compulsão sexual envolvendo o HIV/AIDS, práticas homossexuais e bissexuais e as noções de risco e vulnerabilidade. A metodologia usada lança mão de técnicas qualitativas, integrando: 1) o mapeamento das redes e dos atores envolvidos nas controvérsias; 2) a realização de etnografia em espaços de produção e divulgação do conhecimento científico sobre o tema, como instituições e eventos do campo; 3) a análise documental da produção médicocientífica e psi, nacional e internacional acerca do diagnóstico, especialmente das últimas três décadas; 4) observação online. A tese apresenta seis capítulos que analisam o tema, sendo o primeiro deles focado na apresentação e análise das controvérsias envolvidas na construção de diagnósticos relacionados aos “excessos sexuais” nos manuais diagnósticos. A partir de análise documental da produção internacional sobre o tema, do mapeamento dos atores/redes, de observação online e análise dos manuais, como o DSM e a CID, busco realizar uma historicização das categorias diagnósticas apresentadas, relacionando-as ao contexto mais amplo da produção médico-científica sobre a sexualidade. O segundo capítulo busca dar conta da construção de um campo de produção médico-científica e psi sobre a compulsão sexual no Brasil, a partir da análise da produção científica nacional advinda majoritariamente dos campos da sexologia e da medicina sexual, mas também do campo psicanalítico. O terceiro capítulo traz análises resultantes da observação etnográfica de eventos científicos nacionais, como congressos e seminários, que congregaram atores sociais do campo. Analisa os discursos dos profissionais no que diz respeito às dificuldades encontradas no contexto clínico para o diagnóstico e para a própria demarcação da compulsão sexual, bem como discute as relações entre pesquisa científica e prática clínica. O quarto capítulo apresenta resultados da etnografia realizada entre o final de 2018 e o início de 2020 em um ambulatório brasileiro que trabalha com o tema da compulsão sexual. Apresenta a entrada em campo, as dificuldades de acesso e questões éticas envolvidas, bem como discute algumas das dinâmicas e relações presentes no ambulatório, em termos de composição da equipe, relações profissionais, produção científica e diálogo com o público leigo. O quinto capítulo discute alguns temas, conceitos e práticas que estão ligados ao diagnóstico da compulsão no campo e que informam a maneira como ele é pensado no contexto do ambulatório pesquisado, onde diferentes convenções sociais de gênero, sexualidade, natureza e cultura emergem dos discursos e informam as práticas dos profissionais. Também reflete acerca da relação entre a padronização dos diagnósticos relativos à compulsão sexual em manuais diagnósticos, como o DSM e a CID, e a maneira como tais diagnósticos operam na prática clínica e nas pesquisas realizadas no campo, sendo possível observar a existência de diferentes ontologias relacionadas ao transtorno. Por fim, o sexto capítulo traz as considerações finais acerca da tese.
“Quanto sexo é o suficiente?”: coprodução de conhecimento, discursos médico-científicos e controvérsias acerca da compulsão sexual
Data da defesa:
quinta-feira, 31 Outubro, 2024 - 14:00
Membros da Banca:
Prof. Dr. Marko Synesio Alves Monteiro ( Presidente )
Profa. Dra. Daniela Tonelli Manica (Unicamp)
Profa. Dra. Jane Araujo Russo ( Universidade do Estado do Rio de Janeiro )
Profa. Dra. Erica Renata de Souza ( Universidade Federal de Minas Gerais )
Profa. Dra. Fabiola Rohden ( Universidade Federal do Rio Grande do Sul )
Programa:
Nome do Aluno:
Sarah Rossetti Machado
Sala da defesa:
Sala de Teses