No início dos anos 2000, a América Latina vivencia um período conhecido como ‘onda rosa’ (pink tide), ‘giro à esquerda’ (left turn) ou ‘ciclo progressista’, no qual diversos países passam a ser presididos por governos de esquerda ou centro-esquerda, configurando novos cenários para as relações entre sociedade civil e Estado. A instauração de governos ‘progressistas’ na região foi um fator fundamental para a expansão de mecanismos institucionais de políticas para as mulheres e o aprofundamento das interações entre feminismos e Estados em muitos países, intensificando assim as possibilidades de absorção das demandas feministas pelos governos nacionais.
Tanto no Brasil como no Chile, a chegada de governos de centro-esquerda à presidência promoveu o fortalecimento de medidas e arenas institucionais em direção à garantia e ampliação de direitos para as mulheres, provocando alterações relevantes nas estruturas estatais e nas relações entre feminismos e Estados. Estes caminhos, porém, foram trilhados por vias distintas, apresentando similitudes, características específicas e resultados diversos. A partir do desenvolvimento de uma análise comparativa entre Brasil e Chile durante as duas primeiras décadas do século XXI, esta tese tem como objetivo central analisar em que medida o ‘ciclo progressista’ latino-americano constituiu-se em uma oportunidade política para aproximar ou promover encontros entre feminismos e Estados, avançar na garantia de direitos para as mulheres e impulsionar uma maior igualdade de gênero a partir das arenas institucionais nestes contextos.
A aproximação e contraste entre as experiências nos leva à caracterização de dois modelos distintos de fazer políticas para as mulheres a nível nacional e fornece algumas pistas para a reflexão sobre seus processos, resultados, consequências e possibilidades sociopolíticas. No Brasil, mediante o desenvolvimento de amplos processos participativos, impulsionados pelos governos do Partido dos Trabalhadores, uma agenda alinhada às demandas feministas logra ser introduzida no âmbito estatal, produzindo propostas e planos de políticas para as mulheres condizentes com demandas e reivindicações dos movimentos sociais. Entretanto, apresenta dificuldades na articulação com outros setores do Estado e, por conseguinte, em sua implementação. No Chile, especialmente a partir dos governos de Michelle Bachelet, uma agenda de gênero é produzida como programa de governo, inserida em uma agenda global de modernização e desenvolvimento, claramente desvinculada das reivindicações dos movimentos sociais locais. Porém, em seus limites, encontra caminhos e ferramentas institucionais para ser implementada.
Tendo em vista o contexto político contemporâneo, a análise pretende considerar não somente as práticas e discursos feministas no âmbito da política formal e nas arenas estatais senão que, seguindo os próprios fluxos do campo feminista, transitar entre estas fronteiras, discursos e práticas, na tentativa de abordar e refletir sobre o tema proposto em seu passado, presente e futuro. O fim do chamado ‘ciclo progressista’ na região e as novas realidades em ambos países representam uma oportunidade para analisar estes processos.