Um lugar ao sol: utopia e sofrimento no empreendedorismo popular paulistano

As várias crises que afligiram o Brasil nos últimos anos descortinaram relações de insegurança no mercado de trabalho e trouxeram para o primeiro plano a noção de “empreendedorismo”. Sobretudo a partir de 2015, este tema tem polarizado opiniões que não se limitam à economia, em que tanto aparecem a defesa de um modo de vida autônomo, quanto a denúncia de formas de desregulamentação do trabalho. O empreendedorismo, seja por necessidade ou por convicção, passou a ser percebido em diferentes contextos, como a escola, a família e a indústria cultural, interligados por representar uma alternativa para situações de desemprego e uma renovada subjetividade popular por vezes insubmissa. De modo que a uma cultura popular historicamente movida por soluções individualistas para situações de sobrevivência ou busca por autonomia, se reúnem preceitos globalizados de empreendedorismo enquanto racionalização. O objetivo desta tese é descrever o processo em curso de formação de um empreendedorismo de caráter popular, em que elementos de experiência da vida sem salário estruturam modos de vida e estabelecem relações ambíguas com as imposições de modernização. No choque entre a mobilidade social dos últimos anos e a consciência da precariedade do mercado de trabalho, sob o guarda-chuva do anseio contemporâneo por autorrealização técnicas de autoajuda fomentam a individualização do sofrimento, conformando assim uma estrutura de sentimentos de alcance global em que o avanço da tecnologia revigora e viabiliza formas sofisticadas de autogerenciamento. Dando consequência ao discurso, a formação socioeducativa para os mais jovens estimula a ruptura com o espaço de experiência popular, baseado nos saberes práticos, e ressignifica a noção de mérito, que deixa de assentar-se em critérios objetivos para consagrar atributos abstratos. Por outro lado, o discurso atinge também uma geração anterior de pessoas exauridas por uma vida de trabalho subordinado e receosas quanto ao futuro; estas veem no empreendedorismo uma nova oportunidade de autorrealização, mas cuja adaptação aos novos parâmetros frequentemente lhes traz frustração. Dois vetores de estímulo ao empreendedorismo especialmente destacados aqui são os negócios de impacto social e a Teologia da Prosperidade, que fazem adaptações discursivas específicas para seus públicos. O empreendedorismo popular se posiciona assim no âmago das contradições envolvendo a conservação da família e dos costumes e a renovação da utopia do trabalho através da racionalidade empreendedora. A abordagem metodológica do problema de pesquisa se baseou em etnografia desenvolvida entre 2017 e 2021 na zona sul de São Paulo em eventos, cultos religiosos e ruas de comércio; entrevistas em profundidade com trabalhadores por conta própria, assalariados que exerciam também outras atividades para complementar a renda e empreendedores; e acompanhamento de redes sociais e mercadorias culturais, reunindo extensa pesquisa empírica e utilização da teoria para identificar modos de vida e seus conflitos, cujas referências se encontram nos trabalhos de Michael Burawoy, E. P. Thompson, Raymond Willians e Paul Willis. Dentre as conclusões, se afirma que o autogerenciamento aponta tanto para a recusa do sofrimento quanto para uma renovada utopia de liberdade, às custas da cidadania regulada e fomentando uma sociedade de empreendedores.

Data da defesa: 
sexta-feira, 8 Abril, 2022 - 09:00
Membros da Banca: 
Profa. Dra. Angela Maria Carneiro Araújo - Presidente
Profa. Dra. Nadya Araújo Guimarães - Titular
Profa. Dra. Taniele Cristina Rui - Titular
Profa. Dra. Cibele Saliba Rizek - Titular
Profa. Dra. Carolina de Roig Catini - Titular
Profa. Dra. Marcia de Paula Leite - Suplente
Profa. Dra. Maria Livia de Tommasi - Suplente
Profa. Dra. Camila Rocha de Oliveira - Suplente
Nome do Aluno: 
Henrique Bosso da Costa