I AM A MAN: a evidência das coisas não vistas

No decorrer do século XX, uma quantidade considerável de artistas negros começou a figurar com proeminência pela primeira vez no mundo da arte estadunidense. Graças aos avanços sociais do movimento pelos direitos civis e à ascensão do multiculturalismo, artistas afro-americanos nos fins dos anos 1980 e começo dos 1990 desfrutaram de um acesso sem precedentes a instituições estabelecidas de publicidade e exposição. A partir disso, percebe-se atualmente a crescente variedade de métodos de envolvimento com a cultura visual negra contemporânea que vem sendo praticada dentro e para além dos limites discursivos tradicionais da história da arte. Desse modo, a presente dissertação se baseia no estudo da produção artística de Glenn Ligon (1960), artista conceitual e afro-americano, que ajudou a moldar o campo da arte estadunidense ao longo das duas últimas décadas, através do uso de mídias variadas na criação artística que desviam radicalmente das convenções anteriores para a representação do negro. Assim, a pesquisa se concentra na análise e leitura comparativa de duas obras desse renomado artista: “Condition Report [Relatório de condição]”, em sua versão de 2000, e a pintura “Sem título (I AM A MAN) [Eu sou um homem]”, de 1988, a qual se refere. Esta é um dos primeiros trabalhos de Ligon a problematizar a linguagem, além de evocar a fotografia de Builder Levy que inspirou o artista inicialmente, com sua própria representação dramática dos cartazes erguidos pelos trabalhadores do setor de saneamento que estavam em greve em Memphis, em 28 de março de 1968. Dessa forma, são pontos de partida, a exploração de diálogos entre a produção deste artista, a sua ligação com a arte Post-Black, a apropriação da fotografia, da técnica (óleo e esmalte), o uso de arquivo e o procedimento técnico de conservação nesta obra (“Condition Report”: documento que diagnostica o estado de conservação da obra) com base o estudo da Documentação Museológica, empreendendo assim a leitura do arquivo e sua desconstrução, na articulação de uma nova interpretação do passado. A pesquisa traça uma abordagem conceitual da noção de Post-Black, acompanhado de investigação das práticas curatoriais desenvolvidas no início do século XXI, no âmbito internacional, na análise das estratégias associadas à arte negra contemporânea. Essa dissertação explora a multiplicidade das narrativas de negritude nas diásporas, o potencial intrínseco da arte Post-Black , bem como as obras de arte que desafiam e enfatizam a mudança de significado da identidade negra e à crítica institucional para posicionar o negro como uma figura controversa – igualmente sujeito e objeto, propriedade e pessoa.