Hume e a Crença na Existência de Conexões Necessárias na Natureza: Uma pergunta para a qual não parece haver resposta.

David Hume é amplamente conhecido por suas contribuições ao debate acerca da metafisica da causalidade, feitas tanto no Tratado da Natureza Humana como na Investigação acerca do Entendimento Humano. No entanto, curiosamente não há consenso entre os próprios intérpretes de Hume acerca do que ele efetivamente acreditava sobre a natureza da relação de causa e efeito. De fato, a análise proposta por Hume da ideia de causação o leva, no limite, a concluir que o seu elemento mais importante, a ideia de conexão necessária entre causa e efeito ou poder causal, tem como origem um sentimento ou impressão interna, gerado na mente após ela ter observado a conjunção constante de dois objetos ou eventos. Essa conclusão, reconhecida pelo próprio Hume explicitamente como paradoxal, levou seus intérpretes a defenderem visões distintas acerca do que ele pensava sobre a existência de conexões necessárias ou poderes causais reais entre ou nos objetos ou eventos na natureza, tanto física como mental. A interpretação tradicional, e comum ainda hoje, atribui a Hume a negação da existência de poderes causais na natureza. Contudo, a partir da segunda metade do século XX, diversos intérpretes passaram a manter que, na verdade, Hume acreditava, sim, na existência de poderes causais reais na natureza, mas considerava que nós somos incapazes de obter conhecimento acerca deles, conhecimento esse entendido no sentido comum adotado pelos filósofos modernos, ou seja, como conhecimento certo. Diante dessa controvérsia sobre um tema fundamental na filosofia de Hume, o presente trabalho tem como objetivos principais: (1) analisar algumas das mais influentes versões das duas interpretações mencionadas em confronto direto com os textos de Hume; e, (2) defender, de maneira provisória, que essa não foi uma pergunta na qual Hume estava primariamente interessado.