Fronteiras da Fertilidade: criatividade, refúgio e autonomia na última fronteira interna de Angola, 1785- 1919

Esta tese investiga a história dos africanos da zona agropastoril da África meridional, com ênfase na região do deserto do Namibe e na região planáltica entre os rios Cunene e Caculovar. Já a partir do século XVIII, observadores europeus descrevem o contraste entre os sistemas políticos agropastoris e aqueles situados no imediato hinterland de Benguela. As narrativas orais e histórias de origem de alguns destes pastores, sobretudo aqueles situados nas regiões dos rios intermitentes do deserto- Kuvales, Mondombes, Giraúlos, Kurokas, Kwandos, etc.- e planalto, da Huíla ao Humbe- sugerem que estas seriam comunidades construídas em zonas de refúgio, como consequência da expansão da fronteira da escravidão ao norte. Ao longo do século XIX, as fontes descrevem um universo articulado através de alianças multiénicas, que atravessavam grandes distâncias espaciais e temporais. Sertanejos, missionários e administradores situavam-se, neste período, junto às zonas de densidade, normalmente organizadas em torno de grandes sistemas rituais devotados à promoção da abundância e fertilidade, muitas vezes encabeçados por figuras denominadas Hambas. O sistema político pastoril, portanto, se organizava a partir de redes de parentesco flexíveis, capazes de comportar e incorporar refugiados e aliados dos mais diversos tipos, bem como em torno de grandes sistemas rituais de promoção da fertilidade. O intuito desta tese é revisitar a documentação existente sobre a história destes pastores, a partir das primeiras fontes produzidas no final do século XVIII, articulando tal análise à textos muito pouco utilizados pela historiografia, como as publicações periódicas dos missionários da Congregação do Espírito Santo. Acreditamos com isso contribuir para a compreensão da história de um universo político complexo, o qual tem sido tratado pela historiografia pertinente como mera expressão de um modo de produção ou como um conjunto de tribos distintas com traços culturais compartilhados. Para isso, estabelecemos um diálogo interdisciplinar, sobretudo com trabalhos recentes nas áreas da arqueologia de sociedades complexas- heterarquias -, arqueologia da pastorícia no deserto do Namibe, antropologia de sociedades pastoris em diferentes contextos africanos, bem como trabalhos recentes de teoria antropológica. Abordamos, ainda, temas importantes mas relativamente pouco tratados pela historiografia relativa aos pastores, como a rinderpest ou peste bovina- inscrita aqui em um contexto inter-regional e cosmológico de protesto e rejeição ao colonialismo

Data da defesa: 
quarta-feira, 31 Janeiro, 2024 - 09:00
Membros da Banca: 
Omar Ribeiro Thomaz - Presidente (UNICAMP)
Raquel Gryszczenko Alves Gomes (UNICAMP)
Caetano Kayuna Sordi Barbará Dias (UFSC)
Cláudia Sofia Orvalho da Silva Castelo (Universidade de Lisboa)
Rodrigo Charafeddine Bulamah (Pesquisador independente)
Programa: 
Nome do Aluno: 
Rafael Coca de Campos
Sala da defesa: 
Sala de Defesa de Teses