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Quem era o Doutor Anísio? O desafio da ficção étnica à história social do Rio de Janeiro (1889-1916)

Como reconstituir as visões de mundo das classes populares no final do século XIX e início do XX se a maior parte dos documentos referentes a elas estão marcados pelas concepções e juízos de valor da elite letrada que os escreveu? Com pequenas variações, essa pergunta metodológica tem acompanhado a história social há décadas e está no centro desta tese. Na primeira parte dela, a resposta é buscada na análise da trajetória de um certo “Doutor Anísio” como integrante de um grupo especializados em fraudes, contos do vigário e furtos em diferentes cidades brasileiras no período, sobretudo o Rio de Janeiro. Negro, pobre, alfabetizado e altamente instruído, num primeiro momento esse parece o exemplo ideal de representante de uma “cultura da gatunagem” capaz de quebrar as normas oficiais por meio da manipulação delas próprias, o que, por sua vez, se refletiria em fontes nas quais se poderia verificar não só o discurso cientificista contra os subalternos, mas também as estratégias deles postas em ação. Entretanto, a partir de um certo momento em sua trajetória, Dr. Anísio passou a não mais assumir a identidade criminal, embora esta ainda lhe fosse atribuída por autoridades e jornalistas, deixando a pesquisa no impasse de não poder continuar tratando-o como modelo de enfrentamento da cultura dominante sem indagar-se, em primeiro lugar, de onde vem a dicotomia segundo a qual a ordem instituída correspondia às visões de mundo da elite, as quais estariam em oposição às dos “populares”. Desse modo, a segunda parte da tese recoloca a pergunta inicial, não mais para respondê-la e sim para questionar os pressupostos teóricos nos quais se baseia. Para isso, é reconstituída empiricamente a complexa articulação entre literatura, etnografia e direito criminal no Brasil do final do século XIX, da qual emerge uma forma de escrever sobre a realidade nacional no prisma da alteridade. Nela, o crime vem a ser a cultura da pobreza e das raças inferiores ao mesmo tempo em que se tenta vincular a preservação da organização social e das regras de civilidade a uma identidade letrada em construção. Transmitida pela dimensão narrativa das fontes nas quais a primeira parte da tese se baseia, essa forma de escrita, aqui chamada de “ficção étnica”, foi em grande medida responsável por conferir naturalidade ao confinamento de Dr. Anísio à condição de tipo representativo da cultura da gatunagem e remete ao fato de a história vista de baixo precisar levar em conta as nuances do debate literário oitocentista de modo as evitar armadilhas teóricas dele.

Data da defesa: 
terça-feira, 14 Agosto, 2018 - 12:30
Membros da Banca: 
Sidney Chalhoub (Orientador) - UNICAMP
Robert Wayne Andrew Slenes - Unicamp
Rodrigo Camargo de Godoi - Unicamp
Ludmila de Souza Maia - RICE University
Tania Regina de Luca - UNIFESP
Programa: 
Nome do Aluno: 
Israel Ozanam de Sousa Cunha
Sala da defesa: 
Sala de Defesa de Teses do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas - Unicamp
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