Este trabalho consiste em um estudo genealógico do "auto de resistência" (AR), uma peça administrativa fundamental nas práticas do Estado brasileiro. Sua característica distintiva reside na produção de uma narrativa oficial que alega que um agente estatal usou da violência contra outros indivíduos unicamente porque estes últimos "resistiram". O AR, portanto, desempenha um papel crucial na construção da chamada "verdade jurídica". O prólogo desta tese apresenta um caso exemplar no qual a capacidade de agenciamento dessa "verdade jurídica" resultou na afirmação de que 26 pessoas foram assassinadas por policiais sob a justificativa de que todas elas "resistiram".
Ao adentrarmos os materiais da pesquisa genealógica, inicialmente traçamos a história da justiça criminal brasileira e como o "crime de resistência" foi caracterizado em códigos penais. Em seguida, descrevemos como a instrumentalização do "crime de resistência" transformou os ARs em peças fundamentais da ação estatal em diversas formas de conflito social que atravessaram os séculos XIX e XX no país. Por fim, demonstramos como a década de 1960 foi crucial para tornar o uso dos autos de resistência uma parte indissociável dos debates sobre a letalidade policial no Brasil, superando seus usos anteriores.
Ao evidenciar a longa duração dos "autos de resistência", buscamos argumentar sobre a dinâmica do poder que combina a produção da verdade estatal com a aplicação desigual e localizada da violência, frequentemente resultando em consequências fatais no caso dos ARs. No prólogo da tese, adotando uma perspectiva abolicionista, propomos uma possível saída do círculo redundante das disputas jurídicas em torno das alegações de resistência.