Poucas narrativas parecem ter sido tão resilientes na história do tempo recente como aquela que se organizou em torno da ideia de crise. Observada desde diversos pontos de vista – econômico, político, simbólico – essa ideia foi um componente importante dos discursos mobilizados pelo universo intelectual para entender as mudanças pelas quais as sociedades ocidentais passaram nos últimos 100 ou 150 anos. Parto do aporte de Bourdieu (2001) para considerar o discurso sobre a crise como um tipo de arbitrário constitutivo, tácito, que só se anuncia como tautologia, tornando-se a própria condição histórica do discutível. Levando em conta um duplo olhar, sincrônico e diacrônico, proponho que a emergência do projeto da sociologia científica na Argentina da década de 1950, encabeçado por Gino Germani, bem como os combates travados com as referências anteriores (a saber, a predominância de uma sociologia histórica permeada por referências do pensamento alemão) e, notadamente, a própria crise desse projeto “científico”, funcionam exemplarmente enquanto pontos de observação de um conflito intelectual que extrapola a esfera unicamente teórica. Proponho que, ao dedicar-se à inserção de referências norte-americanas no debate da sociologia argentina, o projeto desses intelectuais incide tanto sobre os conteúdos das teses quanto sobre a estrutura institucional da produção do conhecimento e, paralelamente, sobre a preponderância de determinados tipos de atitude intelectual. Nesse sentido a hipótese é que a recepção e a ressignificação das tradições francesas, alemã e estadunidense na sociologia argentina podem ser observadas a partir de três olhares concomitantes: a atenção aos enfrentamentos especificamente teóricos, as tensões institucionais e, finalmente, as mudanças na concepção de “intelectual” e de “sociólogo” que acompanham esse processo. Trata-se de uma história da intersecção entre esfera pública e privada no universo intelectual argentino, através da qual se supõe possível trazer a tona as dinâmicas de circulação intelectual e a tradução, para o contexto argentino, das disputas globais acerca do lugar da sociologia nos enfrentamentos disciplinares e na relação com os espaços extra-universitários. Sustento, por fim, que o período entre 1955 e 1957, momento de reorganização do campo intelectual argentino e, especificamente, da organização do curso de Sociologia na Universidade de Buenos Aires, marca o início de um inédito projeto de revisão das fontes que até então informavam os debates sociológicos naquele país, notadamente aquelas oriundas do clássico debate alemão acerca da “crise dos tempos”, orientada pela divisão entre ciências do espírito (Geisteswissenschaften) e ciências naturais (Naturwissenschaften). A tentativa de superação dessas referências, levada a cabo pelo projeto da sociologia científica, bem como os ataques sofridos pelo projeto intelectual em questão, ajudam a perceber de que modo - recuperando a inspiração de Carl Schorske em Vienna Fin du Sciècle (1981) de somar à análise diacrônica de cotejamento das teses um corte sincrônico no mundo cultural – o projeto da sociologia científica não dialogou apenas com outras sociologias mas, também, com outras manifestações simbólicas de época que definiram seus limites e sua pretensão
A ARGENTINA NA PERIFERIA DO TEMPO: OS COMBATES DA SOCIOLOGIA CIENTÍFICA E UM MUNDO NOVO PARA OS INTELECTUAIS (1930-1970)
Data da defesa:
sexta-feira, 7 Dezembro, 2018 - 16:00
Membros da Banca:
Silvana Barbosa Rubino - Unicamp (presidente)
Miguel Soares Palmeira - USP
Alejandro Raúl Blanco - Universidad Nacional de Quilmes
Mariana Miggiolaro Chaguri - Unicamp
José Alves de Freitas Neto - UNICAMP
Programa:
Nome do Aluno:
Alexandra Dias Ferraz Tedesco
Sala da defesa:
Sala da Congregação do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
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