A presente tese dedica-se à investigação de um problema teórico-clínico autoimposto por Jacques Lacan em seu ensino: a lógica da fantasia. Esse empreendimento adquire centralidade a partir do Seminário 14: A Lógica da Fantasia, no qual Lacan propõe uma estruturação formal através da escrita do matema ($◇a), articulando os operadores sujeito ($), punção (◇) e objeto a. A complexidade dessa proposta intensifica-se pelo entrelaçamento crítico com os fundamentos freudianos, revisitados por Lacan a partir de uma epistemologia heterogênea, ampliando os impasses em torno da sustentação teórica e da implicação clínica dessa lógica.
A partir desse campo de tensão, surgem os seguintes questionamentos: (1) De que lógica se trata? (2) Por que estabelecer tal lógica, quais seus limites e qual a importância teórica e clínica derivada desse empreendimento?
O objetivo central da tese é retraçar os fundamentos dessa lógica, explorando sua pertinência clínica e sua capacidade de articular e integrar eixos fundamentais da teoria lacaniana concernentes à fantasia — a saber: os processos de constituição do sujeito, as dinâmicas de alienação e repetição, e os efeitos próprios da práxis e do discurso analítico. Defende-se, assim, a hipótese de que a lógica da fantasia condensa esses três eixos — nos quais a fantasia é um operador fundamental — e que, em última instância, essa lógica expressa os processos de alienação e desalienação.
A tese organiza-se em três estádios interrelacionados, distribuídos em duas partes. O primeiro momento propõe uma genealogia da noção de fantasia, examinando as principais formulações na teoria psicanalítica e as críticas advindas da leitura lacaniana. O segundo momento é formal: dedica-se à análise da proposta lógica do matema, decorrente das críticas lacanianas. O terceiro momento é ético-político, abordando as implicações da lógica da fantasia no ato analítico, na ética e na política da psicanálise. Esses momentos, embora distintos, não se organizam de forma linear, entrecruzando-se ao longo do desenvolvimento da tese.
A primeira parte, intitulada Da pluralidade ao matema: por que elevar a fantasia à condição de estrutura?, justifica teórica e clinicamente o recurso à formalização, analisando o matema ($◇a) como proposta conceitual operatória. Essa elaboração é acompanhada por uma crítica à tendência de reduzir a fantasia à esfera do imaginário, comum em outras vertentes da psicanálise. A lógica da fantasia é concebida como um dispositivo teórico paradigmático, que permite apreender sua articulação com o real, o simbólico e o imaginário.
A segunda parte, Do esquema à pluralidade: fantasia, ato analítico e política da psicanálise, explora as implicações da lógica da fantasia na clínica e nos processos de subjetivação. Utilizam-se aqui formalizações lacanianas, vinhetas clínicas e referências literárias e cinematográficas. Propõe-se ainda o esquema a (esquema da alienação) como operador formal que articula: (1) a inscrição da fantasia nos registros RSI, distinguindo a perspectiva lacaniana de outras abordagens; (2) a permutação entre esquemas como estratégia para lidar com impasses conceituais no ensino de Lacan; (3) a articulação entre lógica da fantasia, ato analítico e ética da psicanálise, contemplando seus condicionantes políticos e epistêmicos.
Metodologicamente, a tese adota um percurso em espiral, atravessando diferentes momentos do ensino de Lacan sem restringir-se a um único período. Deliberadamente, não se avança sobre a formulação do nó borromeano, central nos anos 1970, concentrando-se em outras formalizações — esquemas, matemas, grafo do desejo — que operam como ferramentas teóricas fundamentais para a articulação proposta.