“PUTA NÃO TEM AMIGA”? Afetos, Conflitos e o Imperativo de Inimizade nas Políticas da Prostituição Feminina

Esta tese trata das gramáticas emocionais e dos processos formativos que atravessam as políticas da prostituição feminina. Diante da difusão de imperativos que incentivam a inimizade entre prostitutas, e informam que prostitutas não têm ou não podem ter amigas, analisa-se como tais preceitos, junto às relações de amizade, embates, conflitos e afetos contraditórios incidem na formação dos vínculos entre elas, assim como nos processos pedagógicos que visam ao “aprender a ser prostituta”. A partir das investigações sobre emoções e práticas cotidianas manejadas por prostitutas, desenvolvo meu principal argumento de que o espírito bélico, usualmente observado nas negociações entre prostitutas e o Estado, também se apresenta de maneira estruturante nas interações entre trabalhadoras sexuais, sendo fundamental na constituição das políticas da prostituição. Para sustentar este argumento, as análises estão ancoradas em uma etnografia multissituada realizada em Campinas, no interior do estado de São Paulo; Belém, capital do estado do Pará; e nas cidades de Lisboa e Braga, em Portugal. A partir desses locais, apresento as conexões, semelhanças e diferenças nas regras de ação, modelos relacionais e dos afetos mobilizados tanto entre grupos de prostitutas politicamente organizadas, como o Grupo de Prostitutas do Pará e o Movimento de Trabalhadorxs do Sexo em Portugal, quanto entre aquelas cuja experiência na prostituição, popularmente denominada de “luxo”, se constrói distante dessas organizações. Em todos os espaços investigados, os imperativos de inimizade surgiam a partir de diferentes enunciados que consideravam as prostitutas como classe perigosa, e eram internalizados por elas na organização das gramáticas emocionais e na regulação afetos e das interações. Eles eram propagados por prostitutas, clientes, proprietários e funcionários dos estabelecimentos em que elas atuavam, e, ao se atrelar às disputas por clientes e às desconfianças relacionadas a concorrência inerente ao trabalho, visavam a produção de isolamento entre as trabalhadoras sexuais. O meu segundo argumento é que, ao mesmo tempo, esses imperativos não suplantavam a existência de circuitos de cuidado mútuo, alianças estratégicas e relações de amizade baseadas na articulação das diferenças, que atendiam às necessidades práticas do cotidiano e contribuíam para negociações de poder com o Estado, patrões, clientes e com grupos de prostitutas concorrentes. Além disso, frente às constantes reivindicações formuladas por parte das interlocutoras da pesquisa, as análises sobre negociações e dinâmicas conflitivas se estenderam às relações estabelecidas entre prostitutas e a Universidade, resultando na construção de um capítulo analítico escrito a partir da abordagem colaborativa com uma delas que questiona noções de autoria e principios éticos. Ao compreender que suas relações não se baseavam na ausência de interesse e disputas, tampouco eram capazes de transcender ou ignorar as diferenças entre si para que atingissem seus objetivos, o conjunto do material etnográfico me levou a concluir que a amizade, assim como as inimizades e conflitos compõem processos pedagógicos no quais, através do embate, elas aprendem a negociar seu lugar na prostituição. Assim, as políticas da prostituição são operadas através da concomintância entre a linguagem do conflito e da confiança, que podem tanto desafiar normas quanto reproduzi-las de diferentes maneiras.

Data da defesa: 
quinta-feira, 10 Abril, 2025 - 14:00
Membros da Banca: 
Profa. Dra. Adriana Gracia Piscitelli - Presidente
Profa. Dra. Natália Corazza Padovani - Titular
Profa. Dra. Iara Aparecida Beleli - Titular
Profa. Dra. Ana Paula da Silva - Titular
Profa. Dra. Laura Rebecca Murray - Titular
Prof. Dr. Omar Ribeiro Thomaz - Suplente
Profa. Dra. Flavia do Bonsucesso Teixeira - Suplente
Prof. Dr. Thaddeus Gregory Blanchette - Suplente
Nome do Aluno: 
Adriely Clarindo Cattani
Sala da defesa: 
PAGU