Na cidade de Turim (Itália), a presença senegalesa enquanto confluência de diversos fluxos migratórios se tornou significativa a partir da metade dos anos 80 do século passado. Dedicando-se principalmente ao trabalho em fábrica e a venda ambulante, os migrantes, aqui como em outros lugares de chegada, construíram suas relações e praticas sociais circulando (Tarrius, 1993), periodicamente, entre Itália e Senegal.
O presente trabalho analisa, etnograficamente, por um lado as trajetórias migratórias desses viajantes e, pelo outro, como a pratica do comercio ambulante se insere nesse contexto. A partir das narrativas aprendidas e da observação relativa à atuação dos meus interlocutores em uma feira do usado em Turim, o Balôn, temos procurado entender como se constrói o trabalho ambulante focando no éthos que o regula e como se articulam as praticas transnacionais de compra-venda de mercadorias que os migrantes adquirem em loco e, sucessivamente, enviam via container para Dakar.
Ao longo da pesquisa temos aprendido que valores morais como jom (dignidade, coragem), mana (prestigio), mousse (esperteza), ndimbale (solidariedade), dentre outros, modulam a construção das relações sociais entre senegaleses que, diversamente do que a maioria dos textos sócio-antropológicos sobre o tema sugere, não são sempre equânimes e pacíficas. Temos presenciado dinâmicas de alianças, mas também de conflitos entre comerciantes as quais, então, passaram a problematizar a perspectiva, já consolidada na literatura sócio- antropológica sobre o tema, segundo a qual a “solidariedade”, de matriz mouride, seria o principio regulador das relações entre migrantes. Colocando em foco os conflitos, com respaldo nas observações do sociólogo senegalês Leyla Sall (2010), temos então enveredado por uma perspectiva politica para mapear quais são os critérios que ordenam e hierarquizam as relações entre comerciantes no contexto das praticas econômicas acima descritas.
A diversificação das praticas comerciais em Turim e sua adaptação ao “modus migrandi” senegalês, ritmado pelo vai e vem entre Itália e Senegal; a flexão situacional dos valores considerados tradicionais por parte dos ambulantes e as suas respectivas modalidades de organização social representam, portanto, as questões centrais que, longe de serem esgotadas, interessam essa etnografia.