Andando à procura dessa vida: Dinâmicas de deslocamento na província de Tete-Moçambique, do colonialismo tardio à mineradora Val

Esta tese busca discutir a dinâmica dos deslocamentos na Província moçambicana de Tete, enclave geográfico localizado entre os vizinhos Malaui, Zâmbia e Zimbábue. Por ser atravessada pelo grandioso rio Zambeze, acesso natural da costa Índica ao interior do continente africano, a região de Tete foi palco de intensas trocas entre comerciantes árabes vindos do golfo pérsico a partir do século XI, e com os portugueses a partir do século XVI. Dessa interação sugiram potentados arabizados, além de instituições como os Estados Secundários caracterizados pelo poder de famílias muzungus ou afroportuguesas. A escravização, as disputas entre Estados e a invasão dos nguni vindos do sul criaram grandes vazios demográficos em Tete mas, foi a partir da ocupação efetiva no início do século XX com o arrendamento de grande parte do território ás companhias concessionárias, que os deslocamentos passaram a ser enquadrados e controlados para facilitar a cobrança de impostos e permitir o recrutamento do trabalho forçado dos indígenas, categorizados até 1961 como não civilizados. Tais elementos incentivaram o refúgio para os países vizinhos assinalando um persistente ciclo de deslocamento não desejado, a qual grande parte da população de Tete foi submetida, especialmente com o advento dos aldeamentos coloniais. Através da reordenação do habitat tradicional disperso, esses espaços extremamente militarizados e arquitetonicamente geométricos, ofertavam um “desenvolvimento comunitário” afim de “conquistar a adesão das populações” para o lado português da guerra, impedindo o apoio aos nacionalistas. Após a independência, o modelo de socialização do campo empregado nas aldeias comunais, retilineamente organizadas em talhões residenciais tal qual os aldeamentos portugueses, previu a transformação do Homem Novo moçambicano que abandonaria elementos considerados retrógrados como o modo de vida disperso, a poligamia, o curandeirismo e a produção familiar não produtora de excedentes. Atualmente, mais uma vez, milhares de famílias de Tete são novamente obrigadas a deixar seu habitat, aqui entendido como espaço social, para viver nos reassentamentos dos megaprojetos de exploração de carvão, cujos traços arquitetônicos e promessas de melhora na qualidade de vida podem, facilmente, ser confundidos com os projetos de deslocamento do colonialismo e do socialismo moçambicanos. Portanto, esta tese aponta para uma sistemática persistência de projetos de deslocamento não voluntario em Tete, colocados em prática desde o período tardo colonial (1961-1974) até os dias atuais. Mas, ao mesmo tempo argumenta através de fontes documentais e de narrativas de pessoas comuns de Tete que apesar da persistência da história, os projetos pessoais de deslocamento, a fuga, a recusa, a sabotagem e outros não permitem falar em simples continuidade, como se a história fosse cíclica e não formada por rupturas diversas.

Data da defesa: 
sexta-feira, 17 Março, 2017 - 17:00
Membros da Banca: 
Omar Ribeiro Thomaz - Orientador
Elena Brugioni - Membro Interno
Lucilene Reginaldo - Membro Interno
Inácio de Carvalho Dias de Andrade - Membro Externo
Lorenzo Gustavo Macagno - Membro Externo
Daniel de Lucca Reis Costa - Suplente Externo
Raquel Gryszczenko Alves Gomes - Suplente Interna
Christiano Key Tambascia - Suplente Interno
Nome do Aluno: 
Fernanda Bianca Gonçalves Gallo
Sala da defesa: 
Sala de Defesa de Tese