ABORTO, FEMINISMO E POLÍTICA: A Trajetória da Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito Rumo à Despenalização Social na Argentina

A legalização e a descriminalização penal do aborto são demandas históricas do movimento feminista na Argentina desde o processo de redemocratização do país (Bellucci, 2014). Em 2005, foi formada a Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito, uma aliança federal constituída por grupos feministas, movimentos políticos e instituições diversas, com o objetivo de concentrar esforços visando a garantia do pleno acesso ao aborto. Em 2018, o projeto de lei (PL) de Interrupção Voluntária de Gestação (IVE, na sigla em espanhol) chegou pela primeira vez ao Senado argentino; o país tornou-se palco de mobilizações massivas em apoio ao PL, rechaçado no mesmo ano. Apesar da derrota, a Campanha considera 2018 como um marco, afirmando que a despenalização social do aborto foi alcançada mediante a sociedade e a opinião pública argentina – o que significa, para acadêmicas e militantes argentinas, que o tema saiu do ocultamento em que antes se encontrava (Tarducci, 2018; Gutiérrez, 2018). Levando em conta tal percurso, e utilizando aportes teóricos da literatura feminista e do campo de estudos dos Movimentos Sociais e da Ação Coletiva, busco entender como ocorreu a despenalização social do aborto no país, investigando a relação entre esse processo e os enquadramentos interpretativos mobilizados pela Campanha e pelo movimento feminista argentino, além de identificar o repertório de ação coletiva empregado e a relação destes com o contexto político. Por meio da análise de conteúdo qualitativa, examinei 14 entrevistas semiestruturadas, que conduzi com pessoas que integravam a Campanha em 2018; 16 publicações da Comissão pelo Direito ao Aborto (1988-2007), um grupo formado por ativistas e que antecedeu a Campanha; materiais selecionados do acervo digital e físico sobre aborto do CeDInCI, centro de documentação localizado em Buenos Aires; matérias disponíveis na versão online do periódico El Clarín à época das tramitações do projeto de lei de IVE no legislativo em 2018; e, por fim, postagens, também selecionadas após curadoria prévia, feitas pela Campanha em seu site, no YouTube e na seção “Eventos” do Facebook.