Nenhuma teoria teve a sua morte tantas vezes anunciada como o marxismo.
O último desses anúncios fúnebres afirma que o marxismo
teria sido superado na medida em que os trabalhadores repudiaram seus livros,
suas teorias e seus símbolos. No Leste da Europa e na antiga URSS,
não restariam hoje senão os escombros do socialismo e do
marxismo. No Ocidente, apenas intelectuais "arcáicos" e as correntes
políticas "primitivas" ainda acreditariam nesses mitos e utopias
do século passado... Apesar de suas freqüentes e inevitáveis
crises, o capitalismo seria, juntamente com a democracia burguesa, a criação
perfeita e definitiva da civilização e da razão histórica.
Contra essa velha impostura reativada com a virulência que as atuais
circunstâncias propiciam à reação internacional,
é sempre tempo de relembrar que o marxismo continua sendo o instrumento
teórico decisivo e insubstituível para a análise e
transformação da realidade social contemporânea. Dispõe
dos recursos analíticos e autocríticos que o capacitam a
enfrentar os novos desafios teóricos e políticos do nosso
tempo. A vitalidade e a riqueza da obra de Marx revelam-se na abrangência
e densidade da sua teoria, nas sucessivas contribuições agregadas
à obra marxiana pelos mais diversos militantes, pesquisadores
e intelectuais marxistas e, também, na diversidade de interpretações
que a sua obra suscita. Teses e conceitos desenvolvidos nas diferentes
vertentes e tradições do marxismo constituem fecundos instrumentos
de pesquisa nos diversos campos das ciências humanas, da filosofia
e da cultura.
É a partir do marxismo que se pode criticar com lucidez e conseqüência
as diferentes tentativas de construção do socialismo. Essa
crítica foi iniciada, é importante relembrar, há muitas
décadas por teóricos, militantes e correntes marxistas. Nenhuma
teoria social pode se comparar ao marxismo em sua análise do capitalismo,
desvendando o dinamismo, as contradições e as crises recorrentes
desse sistema.
A brutal concentração de poder tecnológico, militar
e diplomático, de riquezas e capital financeiro em alguns poucos
países revela que é a lógica imperialista renovada
que preside os intensos processos de internacionalização
em curso no mundo. É igualmente a lógica dos grandes monopólios
que explica a persistência e o crescimento da miséria que
devasta povos inteiros do Terceiro Mundo, num período histórico
em que já existem os recursos materiais e tecnológicos para
abolir a fome, as doenças crônicas e todos os males resultantes
da subnutrição e do subconsumo. Essa mesma lógica
continua provocando a destruição do meio ambiente, as guerras,
fazendo da indústria armamentista um terreno privilegiado da ação
do capital. É ainda a lógica do capitalismo que, em todas
as partes do mundo, dissemina o desemprego e o subemprego, exacerba as
desigualdades sociais, o racismo, o individualismo mesquinho e difunde
formas degradadas de expressão cultural. O capitalismo não
só impede a plena emancipação da mulher, como
também ameaça, na atualidade, reforçar a discriminação
que pesa sobre ela.
Contra a ofensiva antimarxista e anti-socialista, os signatários
desse documento propõem-se criar uma revista de difusão e
de discussão da produção intelectual marxista em sua
diversidade e complexidade, bem como de intervenção no debate
teórico e na luta teórica em curso. Uma revista que critique
as panacéias elaboradas pelo neoliberalismo, o pensamento e a experiência
social-democratas - tributárias do imperialismo e que hoje abandonam
até mesmo a sua política distributiva - e aqueles que, em
nome de um pretenso e mistificador valor universal da democracia, terminam
por limitar o seu horizonte teórico e político às
instituições do Estado liberal burguês.
Propugnar a plena validade teórica do marxismo nunca será
um ato gratuito e sem conseqüências. Significa reafirmar, neste
final de século XX, a possibilidade histórica da revolução,
do fim da exploração capitalista e da emancipação
dos trabalhadores.
* Nosso
Manifesto, no fundamental, permanece válido, notadamente
ao afirmar o caráter científico-crítico do marxismo
e a permanência, no capitalismo contemporâneo, da exploração,
da luta de classes e do imperialismo, bem como ao sustentar a atualidade
da revolução. Sem dúvida carrega, como qualquer outro
documento político, as marcas do momento histórico
em que foi discutido e redigido. Assim, num momento em que muitos
intelectuais debandavam, o estilo necessariamente enfático da redação
explica certas simplificações de algumas passagens desse
texto que marcou a fundação da revista. Explica, em especial,
a insuficiente diferenciação entre o inimigo que combatemos
(capitalismo, imperialismo, neoliberalismo) e as teses que recusamos, como
a do “valor universal da democracia”. Se nos impuséssemos a tarefa
de redigir novo documento expressando os objetivos de nossa publicação,
tais como os entendemos hoje, sobre a base da experiência acumulada
nos sete anos de existência de Crítica Marxista, seríamos
seguramente menos esquemáticos.