Histórico

 
        O primeiro número de Crítica Marxista foi publicado em 1994, mas a história da revista começou em 1992. Dez a quinze pessoas, na sua maioria professores de algumas universidades públicas, realizaram sucessivas reuniões para discutir a necessidade e viabilidade de uma publicação marxista naquela conjuntura, marcada, muito mais do que a conjuntura deste final de anos 90, pela força da reação em escala nacional e internacional. Os meios de comunicação e a imensa maioria do público universitário consideravam o marxismo um pensamento morto e enterrado. A despeito disso, e também por causa disso, o grupo chegou rapidamente à decisão de que era necessário criar, a contracorrente, uma revista marxista. Mais demoradas foram as reuniões para discutir e definir o conteúdo, os objetivos e o modo de funcionamento de uma publicação de orientação marxista. Chegou-se à definição de que Crítica Marxista seria uma revista plural no âmbito do marxismo, fundamentalmente teórica e com um modo de funcionamento democrático. 

      Os fundadores da revista formaram o seu Comitê Editorial. Antes da revista ser lançada, aprovaram um Manifesto onde sintetizavam os propósitos da nova publicação. Este documento, publicado na abertura do primeiro número de Crítica Marxista, foi amplamente divulgado nos meios universitários e de esquerda do país. Mais de uma centena de intelectuais, professores, jornalistas, profissionais liberais e militantes de esquerda expressaram seu apoio público ao documento e passaram a integrar o Conselho Editorial da revista. Conhecidos intelectuais marxistas do exterior que manifestaram sua aprovação ao Manifesto passaram a compor o nosso Conselho de Colaboradores Internacionais.

      Crítica Marxista passou a ser publicada regularmente desde então. De início, anualmente, através da editora Brasiliense, que publicou os três primeiros números; a partir de 1997, passou a ser publicada semestralmente pela editora Xamã. Neste ano de 2.000, Crítica Marxista, alcançando seu 10º  número, passou a ser publicada pela Boitempo editorial.


MANIFESTO*
(publicado na abertura do número 1)
      Nenhuma teoria teve a sua morte tantas vezes anunciada como o marxismo.

     O último desses anúncios fúnebres afirma que o marxismo teria sido superado na medida em que os trabalhadores repudiaram seus livros, suas teorias e seus símbolos. No Leste da Europa e na antiga URSS, não restariam hoje senão os escombros do socialismo e do marxismo. No Ocidente, apenas intelectuais "arcáicos" e as correntes políticas "primitivas" ainda acreditariam nesses mitos e utopias do século passado... Apesar de suas freqüentes e inevitáveis crises, o capitalismo seria, juntamente com a democracia burguesa, a criação perfeita e definitiva da civilização e da razão histórica.

     Contra essa velha impostura reativada com a virulência que as atuais circunstâncias propiciam à reação internacional, é sempre tempo de relembrar que o marxismo continua sendo o instrumento teórico decisivo e insubstituível para a análise e transformação da realidade social contemporânea. Dispõe dos recursos analíticos e autocríticos que o capacitam a enfrentar os novos desafios teóricos e políticos do nosso tempo. A vitalidade e a riqueza da obra de Marx revelam-se na abrangência e densidade da sua teoria, nas sucessivas contribuições agregadas à  obra marxiana pelos mais diversos militantes, pesquisadores e intelectuais marxistas e, também, na diversidade de interpretações que a sua obra suscita. Teses e conceitos desenvolvidos nas diferentes vertentes e tradições do marxismo constituem fecundos instrumentos de pesquisa nos diversos campos das ciências humanas, da filosofia e da cultura.

     É a partir do marxismo que se pode criticar com lucidez e conseqüência as diferentes tentativas de construção do socialismo. Essa crítica foi iniciada, é importante relembrar, há muitas décadas por teóricos, militantes e correntes marxistas. Nenhuma teoria social pode se comparar ao marxismo em sua análise do capitalismo, desvendando o dinamismo, as contradições e as crises recorrentes desse sistema.

    A brutal concentração de poder tecnológico, militar e diplomático, de riquezas e capital financeiro em alguns poucos países revela que é a lógica imperialista renovada que preside os intensos processos de internacionalização em curso no mundo. É igualmente a lógica dos grandes monopólios que explica a persistência e o crescimento da miséria que devasta povos inteiros do Terceiro Mundo, num período histórico em que já existem os recursos materiais e tecnológicos para abolir a fome, as doenças crônicas e todos os males resultantes da subnutrição e do subconsumo. Essa mesma lógica continua provocando a destruição do meio ambiente, as guerras, fazendo da indústria armamentista um terreno privilegiado da ação do capital. É ainda a lógica do capitalismo que, em todas as partes do mundo, dissemina o desemprego e o subemprego, exacerba as desigualdades sociais, o racismo, o individualismo mesquinho e difunde formas degradadas de expressão cultural. O capitalismo não só impede a plena emancipação da mulher, como  também ameaça, na atualidade, reforçar a discriminação que pesa sobre ela.

    Contra a ofensiva antimarxista e anti-socialista, os signatários desse documento propõem-se criar uma revista de difusão e de discussão da produção intelectual marxista em sua diversidade e complexidade, bem como de intervenção no debate teórico e na luta teórica em curso. Uma revista que critique as panacéias elaboradas pelo neoliberalismo, o pensamento e a experiência social-democratas - tributárias do imperialismo e que hoje abandonam até mesmo a sua política distributiva - e aqueles que, em nome de um pretenso e mistificador valor universal da democracia, terminam por limitar o seu horizonte teórico e político às instituições do Estado liberal burguês.

     Propugnar a plena validade teórica do marxismo nunca será um ato gratuito e sem conseqüências. Significa reafirmar, neste final de século XX, a possibilidade histórica da revolução, do fim da exploração capitalista e da emancipação dos trabalhadores.


* Nosso Manifesto, no fundamental,  permanece válido, notadamente ao afirmar o caráter científico-crítico do marxismo e a permanência, no capitalismo contemporâneo, da exploração, da luta de classes e do imperialismo, bem como  ao sustentar a atualidade da revolução. Sem dúvida carrega, como qualquer outro documento político,  as marcas do momento histórico em que foi discutido e  redigido. Assim, num momento em que muitos intelectuais debandavam, o estilo necessariamente enfático da redação explica certas simplificações de algumas passagens desse texto que marcou a fundação da revista. Explica, em especial, a insuficiente diferenciação entre o inimigo que combatemos (capitalismo, imperialismo, neoliberalismo) e as teses que recusamos, como a do “valor universal da democracia”. Se nos impuséssemos a tarefa de redigir novo documento expressando os objetivos de nossa publicação, tais como os entendemos hoje, sobre a base da  experiência acumulada nos sete anos de existência de Crítica Marxista, seríamos seguramente menos esquemáticos.