Globalização e Forças Armadas*

João Roberto Martins Filho**

 

O exame do processo de adesão do Brasil às regras da globalização revela um paradoxo interessante. Por um lado, na frente interna, a partir da ascensão de Fernando Henrique Cardoso à Presidência (1995), os militares se adaptaram sem tensões significativas ao quadro das reformas neoliberais, levadas a cabo pelo novo governo em dois mandatos consecutivos. Por outro, no campo das percepções militares de ameaça externa, não há como ignorar que o mesmo período presenciou não a distensão, mas o agravamento do desconforto militar com a nova ordem. Este artigo procurará mostrar como esse paradoxo é apenas aparente. Se nossos argumentos estiverem corretos, algumas das características do próprio processo mais amplo que se convencionou chamar de globalização explicam por que as Forças Armadas, em países como o Brasil, podem se constituir num dos pilares do bloco no poder que dá sustentação às reformas. Contudo, outras características desse mesmo processo parecem aguçar as sensibilidades de setores sociais conservadores, preocupados com os riscos que o novo quadro colocaria à soberania nacional. No caso brasileiro, isso tem se expressado no aprofundamento das históricas preocupações militares com a ameaça de internacionalização da Amazônia.

 

Os Estados Unidos, a América Latina e a globalização

            Na visão oficial norte-americana, a globalização é um processo multifacetado de transformações que beneficia os EUA como principal potência mundial, mas não pode ser atribuído a políticas específicas de nenhum Estado-nação. De tal maneira, como já anotou um crítico dessas perspectivas, a globalização aparece “como um processo que surge de toda parte ao mesmo tempo, sem centro ou estrutura de poder discerníveis”.[1] Um exemplo dessa visão pode ser encontrado nas avaliações estratégicas produzidas no âmbito do Departamento de Defesa dos EUA. Nos textos que examinaremos a seguir, os vínculos entre as mudanças mundiais dos últimos anos e os interesses dos Estados Unidos aparecem como uma conjunção feliz de dois processos diversos, que compartilhariam uma vocação comum: a tendência para a criação de um mundo mais igual e menos conflituoso. De um lado, a globalização atuaria nesse sentido porque derrota tradicionalismos, integra economias, democratiza sociedades, promove o progresso econômico, suprime conflitos e cria um ambiente global mais seguro. De outro, os mesmos efeitos benéficos são atribuídos à política externa dos Estados Unidos, uma vez que, conforme a avaliação estratégica global publicada anualmente pela Universidade de Defesa Nacional, vinculada ao Pentágono, “a política dual que visa expandir a cooperação econômica e de segurança continua a ser o principal instrumento das políticas dos EUA para a construção de uma ordem mundial justa estável e próspera”.[2] Globalização e política externa norte-americana são dois processos distintos que atuariam, assim, em benefício da humanidade.

            Obviamente, o que torna possível essa visão desprendida e otimista é a própria explicação vulgar sobre as mudanças globais.[3] Nesse sentido, Thomas Friedman, o influente colunista de assuntos internacionais do New York Times ensina que a globalização apresenta três características: 1) é um processo dinâmico que envolve “a integração inevitável dos mercados, dos países e das tecnologias” de um modo que capacita indivíduos, corporações e países a produzir com menores custos e alcançar pontos mais distantes do planeta; 2) dispõe de uma cultura dominante, o que explica sua tendência à homogeneização e “sobretudo, mas não exclusivamente”, à difusão da americanização numa escala global; 3) fundamenta-se nas sua próprias tecnologias típicas que ajudaram a criar a perspectiva típica da globalização, fundada na “integração”. Em seu estilo característico, marcado pela repetição da mesma lição, o megacolunista sintetiza: “O símbolo do sistema da Guerra Fria era o Muro que dividia todo o mundo. O símbolo do sistema da globalização é a World Wide Web, que une todo o mundo”.[4]

Com efeito, vários autores já apontaram o determinismo tecnológico subjacente à ideologia da globalização.[5] Aqui, vale apontar que ele abre caminho a uma explicação benéfica da hegemonia dos Estados Unidos, na medida em que estes seriam o país mais preparado para tirar proveito das novas oportunidades, graças a um processo mais ou menos natural de evolução econômico-tecnológica. Nesse quadro, a fonte potencial de problemas que a nova ordem apresenta aos interesses de segurança norte-americanos localiza-se não tanto nos efeitos produzidos pelas políticas pró-globalização, mas no fato de que certos países e regiões do mundo não conseguem, por sua própria incompetência, se integrar inteiramente a esse processo. Assim, em 1999, a avaliação estratégica já citada da Universidade de Defesa Nacional (NDU) dos Estados Unidos reconhecia obstáculos no caminho da paz mundial porque:

 

“Ao mesmo tempo, forças associadas com a globalização econômica ameaçaram a estabilidade de curto prazo em vários países-chave, agravaram tensões sociais e econômicas e aumentaram o potencial de uma reação à globalização interna e externamente. Regiões inteiras – com sua alta concentração de regimes vilões (rogue) e estados problemáticos – carecem aparentemente de capacidade para competir na economia global e podem cair ou recair em hostilidade ou agressão esporádica”.[6]

 

A política da morfina

            É verdade que, no final da década de 90, depois das crises que levaram ao quase colapso economias como as asiáticas, a russa e as de alguns países da América Latina, era preciso admitir que a globalização criava potencialmente tensões de novo tipo nas relações internacionais. “O drama asiático – dizia o mesmo documento acima é a primeira crise real da globalização”. Contudo, tais crises pareciam expressar sobretudo “um choque entre as novas realidades da globalização e formas antigas de fazer negócios”. Não que os países asiáticos não estivessem dispostos a se adequar ao mundo da globalização: “um aspecto perturbador dessa crise foi que (eles) vêm seguindo as ordens do médico”, dizia a NDU. No entanto, “o caos econômico e político da Ásia deriva principalmente de debilidades domésticas e estruturais despertadas por pressões sem precedentes”. Diante disso, os Estados Unidos pouco podiam fazer, exceto “tentar canalizar a globalização econômica de modo a minimizar a dor e maximizar a estabilidade”.[7]

Essa estratégia da morfina harmonizava-se bem como a recusa dos documentos oficiais em aceitar a existência de um globalization gap ou, em linguagem mais direta, um abismo cada vez maior entre as regiões do mundo. Na sua perspectiva, a globalização efetivamente mina formas tradicionais de soberania nacional e provoca justificada ansiedade diante da falta de controles estatais, ao mesmo tempo em que agrava conflitos étnicos e facilita o crime internacional, mas, algumas dessas tendências podiam ser consideradas benéficas e a vontade política podia aprimorar sistemas políticos e legais capazes de evitar no futuro os problemas remanescentes. Quanto às acusações de que os processos de mudança diminuíam níveis salariais e condições de trabalho, polarizavam as sociedades, debilitavam as redes de proteção social e marginalizam populações indígenas, documentos como o que analisamos preferiam acreditar que “nenhuma evidência confiável identifica a globalização econômica como causa desses males sociais”.[8]

            Tal otimismo com a nova ordem ficaria mais evidente nas análises da NDU sobre a América Latina, que Washington batizou há tempos de “hemisfério ocidental”. Como se sabe, em meados da década de noventa, o ingresso tardio mas inequívoco do Brasil de Fernando Henrique Cardoso na corrente da “revolução silenciosa” da globalização completou o processo de integração dos países da região ao modelo das democracias de livre-mercado, ou free-market democracies. Em meados da década de noventa, a avaliação estratégica global da National Defense University abria-se com grandes expectativas para nossa área do mundo:

 

“A América Latina está reemergindo, depois de uma longa depressão, como zona econômica importante e dinâmica. Uma guinada abrangente em direção à economia de mercado, a formação de regimes de comércio sub-regionais cooperativos e uma dramática virada para a democracia não apenas estimularam o comércio e o investimento internacionais, mas promoveram um senso de comunidade sem precedentes baseado em valores e interesses comuns”.[9]

 

            Na nova ordem, o “primado da Economia” permitia enterrar finalmente o protecionismo estatal e facilitava a passagem do modelo de substituição de importações para o de “livre-mercado e crescimento orientado para a exportação”. Tal passagem teria significado, para os países da região, uma nova ênfase na estabilidade macro-econômica, no desmantelamento de instituições estatistas, no estímulo à iniciativa privada, na atração de investimentos estrangeiros e, como resultado final, na “aceitação de colaboração mais estreita com os Estados Unidos, a que muitos vizinhos resistiram por anos”.[10] Mas as análises otimistas não paravam por aí. Com as reformas pró-globalização, teriam surgido as condições propícias à maior integração econômica e crescido as condições para a consolidação de um ambiente mais estável e seguro nas vizinhanças dos EUA. Exultantes, os autores do texto da NDU comemoravam: “hoje o negócio do continente é fazer negócios”. Significativamente, a menina dos olhos dos arautos oficiais da globalização na América Latina era a Argentina de Menem, onde a venda de empresas estatais já permitira a entrada de 8 bilhões de dólares em moeda sonante (cash) e redução da dívida[11].

            Mas a tarefa não estava cumprida. Do ponto de vista dos EUA, faltava aos países latino-americanos implementar as reformas institucionais destinadas a aprimorar o Estado de forma a possibilitar “competência, honestidade, responsabilidade e capacidade para o fornecimento de serviços públicos cruciais”.[12] Isso não impedia, contudo, que no âmbito da segurança continental se anunciassem bons tempos para a estabilidade hemisférica. Na medida em que “um favorável ambiente hemisférico de segurança vem se desenvolvendo há vários anos”, criavam-se as condições para um benéfico esgotamento das tradições de “defesa da soberania e da honra nacional”.[13] Ainda assim, persistiam “questões relacionadas à soberania econômica”, bem como “ameaças transnacionais à segurança, como o tráfico de narcóticos e degradação ambiental” e a “migração constante e em massa”.[14] Nada, porém, que o próprio avanço da globalização não pudesse resolver.

 

A mudança de tom

            Três anos foram suficientes para mudar essas previsões. Em 1998, o capítulo dedicado às Américas na avaliação estratégica mundial da NDU colocava lado a lado “oportunidades” e “desafios” advindos da globalização. Estes últimos compreendiam “corrupção crônica, insurreições, violações dos direitos humanos, crime organizado profundamente enraizado e, parcialmente em conseqüência, migração econômica”.[15] Contudo, mais do que isso, aparecia no horizonte das preocupações norte-americanas uma “nova ameaça”: a atuação cada vez mais desenvolta dos atores não estatais[16]. Nesse quadro, o crime internacional passava a ser visto não apenas como um problema de um punhado de países produtores, mas de todos os países do hemisfério, fossem eles produtores, consumidores ou de trânsito. Numa clara mudança de tom em relação à sua edição de 1995, o Strategic Assessment de 1998 afirmava que apesar da idéia dominante da “terceira onda” democrática na América Latina, “o uso da palavra democracia levou à confusão sobre a situação real desses países”. Problemas como clientelismo político, debilidades dos sistemas de justiça, existência de agentes privados de poder e de um sistema informal de poder paralelo aos governos, bem como a escalada da violência associada à incapacidade dos governos em impor a ordem pública associavam-se às ameaças colocadas pela presença de atores não-estatais para criar um quadro cada vez mais sombrio e potencialmente explosivo[17]. Obviamente, o documento se dispensava de analisar com mais profundidade as relações entre globalização, neoliberalismo, retirada do Estado e o aparecimento de atores não-estatais como nova ameaça.

Bastou um ano para que as avaliações mais negativas chegassem ao campo da economia (no relatório de 1998 dizia-se ainda que “as economias da região tiveram em 1997 um desempenho no seu melhor nível em 25 anos”).[18] Publicada depois das crises financeiras que eclodiram no México, Argentina e Brasil, a avaliação estratégica mundial da NDU para 1999 reconhecia que o processo de globalização no continente “tem sido desigual, difícil e algumas vezes contraditório. Quando mal administrado, perpetuou desigualdades socioeconômicas, enfraqueceu instituições políticas e encorajou exércitos privados e elementos criminosos”.[19] Temia-se, nesse quadro, a eventualidade de uma revanche antiamericana. Ainda uma vez, porém, não era a globalização, mas a incapacidade para bem adaptar-se a ela, a principal fonte dos problemas.

Nesse quadro de expectativas oscilantes, falta examinar a visão oficial norte-americana sobre os efeitos da globalização no campo que aqui nos interessa mais de perto – o das Forças Armadas. Ao contrário de muitos especialistas acadêmicos, os estrategistas da NDU nunca viram com otimismo a temática militar na América Latina. Numa análise que contrastava com o tom otimista de suas avaliações sobre a economia e a política, o Strategic Assessment 1995 reconhecia que “definir um papel operacional para as Forças Armadas na promoção da democracia mostrou-se particularmente difícil, bem como determinar a posição dos EUA sobre a transferência de armas e tecnologia na região”.[20] Logo depois, no documento da NDU de 1998, os analistas do Departamento de Defesa preocupam-se mais explicitamente com a sobrevivência na América Latina de tradições militares corporativistas e de pouca subordinação aos governos civis nesses países: “Não há uma forte tendência no hemisfério no sentido de melhoria das relações civis-militares”.[21] Já no texto da NDU do ano seguinte, aparecia uma nota de alerta:

 

“Hoje, os estados latino-americanos integram-se economicamente e buscam acordos de livre-comércio com outras regiões. Os governos do hemisfério, desejam relações harmoniosas com Washington, seu parceiro preferido, mas não a qualquer preço. O ressentimento quanto a políticas e estilos passados dos EUA está à espreita logo abaixo da superfície”.[22]

 

Essa afirmação ganhará maior sentido mais adiante. Agora, vale passar a uma visão mais crítica sobre o processo de globalização.

 

A América Latina, os Estados Unidos e a globalização

            “Em última instância, qualquer discussão sobre a globalização tem de se haver, de uma forma ou de outra, com a realidade do próprio capitalismo”, dizia um texto recente[23]. “Contrariamente à maior parte da imagética evolucionária que é freqüentemente invocada para explicá-la (...), a globalização não foi nem espontânea, nem inevitável; foi o projeto político de uma constelação identificável de forças sociais dominantes”, alertava outro[24]. Tais afirmações introduzem uma visão diversa sobre aquele processo. Nela, é impossível separar as mudanças na economia mundial ocorridas nos últimos 25 anos de decisões políticas tomadas pelos países centrais do sistema capitalista. Em outras palavras, o processo de globalização não se dá num vazio de relações de poder entre as nações. Ao contrário, desde suas origens, ele relacionou-se intimamente com um quadro mundial profundamente assimétrico. Na verdade, essas relações de poder parecem estar na própria origem do processo a que se convencionou chamar de globalização[25].

            De tal modo, contrariando a visão hegemônica, alguns autores preferem localizar as origens do processo atual de globalização em políticas adotadas pelos EUA no final dos anos 70 e no decorrer dos anos 80. Mais especificamente, a partir do último ano do governo Carter e com mais força no governo Reagan, os EUA abandonaram a política monetária de Bretton Woods e aderiram aos princípios e à prática da moeda forte. Forjou-se então uma nova “aliança memorável” entre o poder do Estado e o do capital[26]. O traço novo dessa coalizão de poder está em sua “inclusividade”: no governo Reagan, sob a égide do capital financeiro, os mais diversos setores da economia americana vêem seus interesses protegidos[27]. O correlato externo desse alinhamento doméstico foi uma política econômica muito menos condescendente com os interesses dos aliados dos EUA no pós-45. O Japão, a Coréia e Taiwan sentiram em primeiro lugar os efeitos dessa nova postura[28].

            Nessa outra visão da globalização, esta se situaria no bojo da segunda “grande transformação capitalista” do último quarto de século. Após os anos de crise em torno da guerra do Vietnã, a recuperação geopolítica dos EUA no governo Reagan forneceu o quadro inicial dessas mudanças e entre seus efeitos mais palpáveis estaria a imensa derrota da URSS no final da década[29]. Mas foi no campo da economia que se deram as alterações que abririam espaço para o núcleo duro do que se chamaria depois de processo de globalização. Sob Reagan e Thatcher, têm início as políticas desregulacionistas

 

“que se universalizaram nos países centrais, em conseqüência da sua competição pelos capitais financeiros off shore e, nos países periféricos, como decorrência de sua crise externa e como imposição das políticas de ajuste patrocinadas pelos seus credores e pelos governos dos países centrais. Como produto final, nasce nos anos 90, uma finança mundial privada e desregulada, por cujas veias circula e se acumula uma riqueza rentista que já está na ordem de 3 a 4 trilhões de dólares por dia”.[30]

 

Apenas nesse quadro mais amplo pode-se entender o impacto da revolução tecnológica, não como motor do processo de mudanças mas como fator fundamental, cujo principal efeito foi a integração em tempo real de todos os mercados financeiros, além dos aumentos na produtividade e na lucratividade. No mundo do trabalho, as modificações em curso diminuem o trabalho industrial e criam o desemprego estrutural global que hoje presenciamos. Na periferia, a mudança mais importante foi a forma como os países aí localizados saíram da crise generalizada do balanço de pagamentos dos anos 80: à mercê dos credores externos e dos organismos internacionais, se submeteram sucessivamente às políticas de ajuste de corte neoliberal, ao custo de abandonar as políticas desenvolvimentistas seguidas até então. Como lembrou Giovanni Arrighi, “os efeitos devastadores das políticas monetárias norte-americanas, das altas taxas de juros e da desregulamentação logo colocaram os países do Terceiro Mundo de joelhos”.[31] E mais adiante, “os pagamentos latino-americanos de juros da dívida, por exemplo, subiram de menos de 1/3 de suas exportações, em 1977, para quase 2/3 em 1982. O estado generalizado de falência de facto, daí decorrente, selou a inversão da sorte dos países do Terceiro Mundo nos mercados financeiros mundiais”.[32] Como resultado desse processos:

 

“de forma mais ou menos generalizada, esses países, depois de uma década, aparecem, no final dos anos 90 como um universo relativamente homogêneo do ponto de vista de suas políticas econômicas e de sua forma de inserção desregulada e subordinada às finanças privadas internacionais.[33]

 

Mas, para os objetivos deste artigo, o quadro para uma outra compreensão da globalização não estaria completo se não se enfrentasse a questão do propalado enfraquecimento do Estado-nação. Mais do que uma rendição generalizada dos Estados-nações aos novos poderes da economia globalizada, o que parece ter acontecido é um aumento no diferencial de soberania entre os países centrais e os países periféricos do sistema capitalista mundial. Nesse quadro, como lembrou John Bellamy Foster em artigo recente, nos países centrais a soberania nacional não foi erodida[34]. Mesmo nas nações periféricas, o processo de globalização nem sempre significou um enfraquecimento geral do Estado, mas uma destruição seletiva. É neste ponto que interessa entender, a partir do caso específico de um país periférico da importância do Brasil, qual o efeito da globalização sobre as Forças Armadas. Antes, porém, é necessário aprofundar a questão das características centrais da globalização à brasileira.

 

O Brasil e a globalização

            Como já apontamos, para entender o processo brasileiro de adesão à globalização subordinada e a “promoção” do Brasil ao status de um dos mais importantes emerging markets do globo nos anos 90 é preciso abandonar a idéia da globalização como um processo sem centro e sem origens[35]. Em seguida, será preciso deixar de lado a visão da globalização como um processo apenas econômico. Nos anos 70, foram justamente as decisões tomadas pelos EUA, no sentido de suspender a paridade do dólar e adotar um sistema de câmbios flexíveis, que “tiveram efeitos devastadores sobre as economias periféricas como a brasileira”, atuando na origem da chamada crise do endividamento externo dos anos 80. No final dos oitenta, as medidas tomadas pelos EUA para aumentar as taxas de juros e revalorizar o dólar geraram “desequilíbrio generalizado dos balanços de pagamento, nova recessão mundial e choque quádruplo sobre a periferia”. No caso do Brasil, o primeiro desses choques foi a multiplicação da dívida externa; o segundo, a diminuição dos preços das commodities; o terceiro, o do preço da energia e, o último, “absolutamente decisivo, o do nosso afastamento do sistema financeiro internacional, depois da moratória mexicana”. Como resultado, a crise do Estado brasileiro não foi fiscal, mas financeira, “gerada pelas modificações do quadro econômico internacional provocadas pelas decisões internas de uma potência imperial”.[36]

Por sua vez, no plano interno, é fundamental reconhecer o peso da natureza conservadora das coalizões de poder que dominaram a chamada transição democrática brasileira nos anos 80[37]. Foi esse o quadro em que se deu a vitória de Fernando Collor de Mello - como primeiro presidente civil eleito por voto direto e primeiro governante a propor a adesão do Brasil às políticas de desregulamentação econômica. Contudo, sua expulsão do poder, adiaria por mais alguns anos a existência das condições políticas necessárias à implantação no país do projeto neoliberal. Dois aspectos fundamentais relacionados ao caráter da inserção do Brasil no mundo globalizado ajudam a entender particularmente o papel das Forças Armadas. O primeiro deles se refere à frente interna. Como já vimos, ao contrário das visões vulgares ou oficiais, o poder político é fundamental para o sucesso dos programas de inserção nacional no novo quadro internacional da globalização. Nesse sentido, no interior da sociedade brasileira, foi necessário construir um novo bloco no poder, a fim de viabilizar os requisitos de confiabilidade exigidos para o ingresso no clube dos países globalizados[38].

Nada disso, porém, seria possível se o novo presidente não se apresentasse, tanto para o público externo como para o interno, como capaz de vencer as resistências sociais que a adesão do Brasil aos preceitos sintetizados no “consenso de Washington” levantaria.[39] Como se sabe, um dos requisitos de processos como esse é a necessidade de tranqüilizar as instituições financeiras “internacionais”, investidores e governos dos países centrais. [40] Assim se pode entender a forma como o novo governo enfrentou, logo em suas primeiras semanas, a greve dos petroleiros, bem como os movimentos de protesto subseqüentes. Veremos mais adiante o papel das Forças Armadas nesses episódios. Também sob o imperativo de “reduzir as incertezas”, fortaleceu-se a idéia de que o processo de modernização do país não permitia desvios futuros. Vale dizer, exigia a reeleição do presidente Cardoso pelo menos por mais quatro anos. Nesse quadro mais amplo, desde o início de seu governo, o novo presidente procurou sufocar a esquerda política, apresentando-a como defensora de uma volta ao passado, portadora do atraso e de soluções historicamente inviáveis. Por outro lado, a urgência em aprovar as reformas pró-globalização favoreceu uma aguda centralização das decisões no âmbito do Executivo.

Vitoriosa em duas eleições presidenciais sucessivas, a coalizão conservadora possibilitou uma mudança radical na configuração da sociedade brasileira. Não restam dúvidas de que, nessa fase, teve lugar uma gigantesca transferência de riquezas, graças não apenas à aquisição de empresas estatais privatizadas pelo capital monopolista externo, como também pela consolidação de grandes grupos econômicos nacionais, principalmente no setor dos bancos, mídia e telecomunicações. Evidentemente, a construção e a permanência do bloco de poder vitorioso exigiam uma unidade particular no aparelho de Estado. Como os próprios porta-vozes do governo faziam questão de alertar, qualquer mudança da rota da globalização poria em risco a segurança nacional.[41] Entram aí as Forças Armadas, como parceiro privilegiado na sustentação do novo bloco no poder.

 

As Forças Armadas e a globalização: a frente interna

            Fernando Collor de Mello deixou para Fernando Henrique Cardoso uma lição importante: não bastavam boas intenções para integrar o país na corrente da globalização. Antes de tudo, era necessário respeitar as regras do jogo de poder vigentes no país há muitas décadas. O exame das transações relativas à formação e sustentação do bloco de centro-direita na sua vertente civil escapa aqui a nossos objetivos. No entanto, no que diz respeito às Forças Armadas, parece bastante claro que Fernando Henrique partiu da idéia de que sem a sólida integração dos militares ao bloco pró-globalização, suas políticas econômicas se tornavam, no mínimo, mais passíveis de fracasso. Como se sabe, o governo Collor não primou por boas relações com os militares, mas tampouco pode contar com eles quando seu governo entrou em crise. Fernando Henrique procurou evitar esse erro.

Nesse sentido, o eixo de sua relação com as Forças Armadas baseou-se em dois aspectos-chave. Por um lado, na garantia presidencial de que as duras regras da estabilização monetária e da contenção orçamentária não se aplicariam automaticamente às Forças Armadas. Por outro lado, houve no governo de Fernando Henrique uma nítida política de utilização das Forças Armadas como fator de ordem interna. Antes, porém, de chegar a este aspecto, examinemos a questão do tratamento preferencial dados aos militares, no quadro das políticas de contenção orçamentária do novo governo.

 

Os gastos militares

Segundo a versão oficial norte-americana sobre a globalização, “um decréscimo no orçamento de defesa ou redução nas forças militares acompanhou o movimento em direção aos governos democraticamente eleitos na América Latina”.[42] Vejamos como se deram as coisas no caso concreto do Brasil de Fernando Henrique Cardoso. Já no primeiro ano da nova administração, os militares conseguiram a adesão do presidente à tese de que os cortes gerais no orçamento da União para 1995 - aspecto fundamental para anunciar a disposição governamental de avançar as reformas - não deveriam incluir as Forças Armadas. Isso obrigou o Ministro do Planejamento, José Serra, a voltar atrás em seu planos de cortar R$ 1 bilhão nessa área.[43] Em seguida, em setembro, os ministros militares comemoraram a destinação de R$ 5,6 bilhões para as pastas militares no Plano Plurianual de 1996-1999, totais maiores do que os previstos para a Educação (R$ 4,9 bi) e Saúde (R$ 4,5 bi).[44] Em março de 1996, o Alto Comando do Exército solicitou ao presidente que ordenasse ao secretário do Tesouro a liberação imediata de R$ 120 milhões para sanar a dívida com fornecedores daquela força.[45] Mais adiante, em maio de 1998, anunciou-se um projeto de reaparelhamento e modernização das Forças Armadas, como resultado da futura criação do Ministério da Defesa, que previa investimentos de R$ 4 bilhões até o ano de 2015.[46] Por outro lado, apesar da criação do Ministério da Defesa, a 9 de junho de 1999, a generosidade orçamentária não foi acompanhada até aqui por qualquer diminuição da capacidade militar de decidir onde gastar em armamentos, numa tradição em que as Forças Armadas, na expressão de um ex-ministro da Marinha, são “bastante livres dentro de suas dietas orçamentárias definidas tecnocrática e politicamente, sem preocupações objetivas”.[47]

Se esses dados não forem suficientes, podemos examinar os números de instituições internacionais reconhecidas como o Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI), ou de organismos do próprio governo dos EUA, como a U.S. Arms Control and Disarmament Agency (USACDA). Surpreendentemente, como se pode ver no gráfico abaixo, o único período em que houve efetivamente diminuição das despesas militares foi a primeira metade dos anos 80, sob a aguda crise econômica que afetou os últimos anos do regime militar. Em contraste, há uma recuperação justamente no primeiro governo civil pós-ditadura, o de José Sarney (1985-1989). Como já apontamos, o governo Collor de Mello (1990-1992) inclui os orçamentos militares no seu ataque aos gastos estatais. Com a saída de Collor, o governo Itamar Franco (1992-94) retomou os gastos nos níveis de Sarney. Mas é a partir do orçamento para 1995 (elaborado quando FHC era ministro da Fazenda de Itamar), que as despesas militares sobem consistentemente até atingir, no segundo e terceiro ano de seu primeiro governo, os maiores patamares do período 1981-1999.[48] Como se vê também aqui, pelo menos no caso do Brasil, a globalização não implicou em enfraquecimento deste setor do aparelho de Estado.

 

 

Por outro lado, se compararmos o Brasil ao conjunto da América do Sul, evidencia-se que, enquanto na primeira metade da década de 90 estávamos bem abaixo da média do continente, desde 1995 nossas porcentagens aproximam-se dessa média. Desnecessário dizer que, como porcentagem do PIB, a média de gastos militares sul-americanos também não seguiu a regra de diminuição que teria sido imposta tanto pelo avanço da globalização como da democratização.[49]

 

Os soldos militares

            Já nas primeiras semanas do novo governo, o Ministro da Aeronáutica deixou claro que o reconhecimento dos militares como “servidores do Estado”, de modo a desvinculá-los das agruras que se anunciavam para os servidores civis, representava não apenas “a meta administrativa e psico-social mais importante das Forças Armadas”, como um fator “indispensável para a tranqüilidade do próprio governo”.[50] Pouco depois, o mesmo ministro alertou em alto e bom som que o campo militar não aceitaria a política de “dividir para reinar” que começava a se esboçar na opção governamental pelos aumentos diferenciados para categorias especiais do funcionalismo público: “Qualquer solução para o salário militar tem que vir em bloco”, disse em março de 1995, quando vieram à luz estudos para equiparação dos salários dos altos oficiais aos dos secretários-executivos dos ministérios.[51]

O presidente captou a mensagem. Em meados de seu primeiro ano de governo, anunciou que a equipe econômica estava estudando, juntamente com o Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA), uma solução para o caso.[52] Em março de 1996, o governo enviou ao Congresso a proposta de emenda constitucional (PEC n. 338) que estabelecia as atividades militares como “carreiras típicas de Estado”. Segundo o projeto, as leis relativas aos soldos deixavam de ser prerrogativa do Congresso, para passar ao Presidente da República.[53] Em dezembro de 1997, a emenda foi aprovada pela Comissão de Justiça do Senado. No mesmo dia o presidente anunciou a 150 oficiais-generais das três forças que, em 1998, seria possível aumentar em 100% a Gratificação Especial de Trabalho, item que representava 36% dos soldos.[54] Na ocasião, a imprensa comentou que o governo dera garantias aos militares “de que o aumento seria liberado, independentemente da resistência da área econômica, porque foi uma determinação clara do presidente”.[55] Em fevereiro, ainda com a emenda no Congresso, o presidente autorizou o reajuste com efeito retroativo. Mais uma vez, o inusitado da situação chamou a atenção da imprensa:

 

“No Palácio do Planalto, houve constrangimento com a repercussão do aumento dado aos militares e, mais ainda, com as reações críticas à forma como o governo tornou possível o pagamento do reajuste já em fevereiro, quando o projeto de lei que o institui sequer começou a tramitar no Congresso Nacional. O presidente enviou o projeto ao Congresso, os ministérios militares incluíram o aumento do soldo nos contracheques deste mês e Fernando Henrique baixou um decreto considerando que o reajuste já poderia ser pago a título de adiantamento. Ou seja, um conjunto de facilidades e até de ilegalidades que o governo não concedeu aos demais servidores”.[56]

           

As funções de ordem interna

            Uma das características mais visíveis do papel dos militares no processo recente brasileiro é a forma como o governo Fernando Henrique reforçou as funções de ordem interna das Forças Armadas. Nesse sentido, embora a Política de Defesa Nacional defina-se oficialmente como voltada para ameaças externas, não faltam evidências de que os órgãos de informações militares continuam a manter sob estrita vigilância os movimentos sociais.[57] Em julho de 2001, confirmou-se na prática o que já se sabia por inúmeros documentos: o Exército considera como “forças adversas” movimentos como os dos sem-terra. Graças a uma investigação sobre o destino de militantes mortos no episódio da guerrilha do Araguaia (1972-75), descobriu-se, numa sede do Exército localizada em Marabá (PA), documentos que orientavam a ação de agentes disfarçados como jornalistas, no acompanhamento das atividades de militantes de esquerda, jornalistas e outros profissionais. Quatro anos antes, um ex-cabo divulgara documentos mostrando que o Exército espionava congressos do Partido dos Trabalhadores, bem como um decreto presidencial secreto, assinado a 7 de setembro de 1995, aprovando a criação de companhias de inteligência subordinadas a cada comando militar, fora do controle do Congresso Nacional.[58] Nesse sentido, um dos documentos encontrados no Pará e posteriormente divulgados na íntegra pelo jornal Folha de S.Paulo, definia como “forças adversas” grupos, movimentos sociais e organizações não-governamentais que tivessem impacto negativo sobre a segurança nacional por meio de ações que exacerbassem fatores adversos e antagonismos, numa linguagem que fazia lembrar a Doutrina de Segurança Nacional. Entre as entidades que se enquadravam nessa definição constava o Movimento dos Sem-Terra.[59]

            Em textos anteriores, expusemos em detalhe o processo de manutenção das funções internas pelo Exército brasileiro, tanto no discurso como nas ações.[60] Aqui, avançamos um argumento adicional: esse traço histórico revelou-se funcional para a nova função dos militares no Brasil da globalização. Nesse sentido, independentemente da criação do Ministério da Defesa ou da publicação da Política de Defesa Nacional, as Forças Armadas têm desempenhado depois de 1995 um papel crucial no interior do bloco no poder. Nesse quadro, já em maio desse ano, veio à luz a primeira ordem emanada do Palácio do Planalto para o emprego de tropas contra o movimento sindical dos petroleiros, cuja greve de 23 dias, já mencionada acima, constituía um teste decisivo para a capacidade do novo governo em derrotar os sindicatos.[61] Não por acaso, o governador Mário Covas afirmou na ocasião: “A greve reforça a tese de que é preciso flexibilizar os monopólios”.[62] Traço que também foi percebido imediatamente pela imprensa. Segundo o colunista Marcelo Pontes, do Jornal do Brasil:

 

“A verdadeira batalha por trás da greve é do monopólio da Petrobrás. Grevistas e governo agiram em função dessa bandeira. O governo atuou de duas formas: enquanto sufocava a greve com todos os seus recursos, inclusive com a ocupação de refinarias por tropas do Exército, fechava acordo com os parlamentares ruralistas, uma bancada de 140 votos no Congresso, para votar na próxima semana a quebra do monopólio da Petrobrás”.[63]

 

Desnecessário dizer que a quebra dos monopólios estatais foi um dos aspectos centrais do processo de inserção do país no mundo da globalização. Da mesma forma, o avanço das reformas exigiu manter sobre os movimentos sociais a espada de Dâmocles da intervenção militar. Apenas para citar alguns exemplos: em abril de 1997, veio à tona um plano para impedir a invasão de terras da Companhia Vale do Rio Doce, também no sul do Pará, com o recurso a 600 homens do 52º Batalhão de Infantaria da Selva.[64] Exatamente um anos depois, a “Operação Presença”, na mesma área, voltou a empregar tropas dessa mesma unidade com o objetivo oficial de prevenir conflitos entre fazendeiros e sem-terra.[65] Dessa feita, 450 soldados do Exército permaneceram no local dos conflitos por sete meses. Dois meses depois de sua saída, os soldados voltaram a Parauapebas, dispensando desta vez a solicitação de qualquer autoridade (como manda a Constituição).[66]

Mas a presença militar em assuntos internos não terminou aí. Em plena campanha pela reeleição de Fernando Henrique, coube ao então chefe da Casa Militar da Presidência, general Alberto Cardoso, radicalizar o discurso governamental. Em declarações à imprensa, ele afirmou que o MST era um movimento que tinha na sua essência a violência.[67] Suas acusações foram rapidamente corroboradas pelo Ministro da Marinha - uma força cuja relação com os problemas de posse de terra foge à nossa compreensão.[68] Logo depois, o próprio Presidente da República procurou vincular o MST ao tráfico de drogas, ao mesmo tempo em que insinuava que o movimento se preparava para a luta armada: “Eu vi a Colômbia como começou”, alertou Fernando Henrique.[69] Além disso, em abril de 2000, ele ameaçou utilizar o Exército para colocar fim à onda de invasões de prédios públicos promovida pelo MST, afirmando então que os sem-terra constituíam “uma parte radical da sociedade voltada para o vazio”.[70] Os exemplos poderiam ser repetidos à exaustão. No entanto, acreditamos que as evidências acima são suficientes para confirmar nossa tese: ao contrário das expectativas otimistas do discurso oficial norte-americano sobre a globalização, o avanço das reformas neoliberais parece ter reforçado justamente as funções mais conservadoras das Forças Armadas brasileiras.

 

As Forças Armadas contra a globalização

            Podemos chegar, assim, ao segundo termo do paradoxo enunciado no começo deste artigo. Se as Forças Armadas brasileiras mostram sinais de integração no processo pró-globalização, como explicar que, no plano das percepções de ameaças externas, seu desconforto tenha aumentado, ao invés de diminuir? Aqui, é necessário reconhecer que o processo real também nesse aspecto contrariou as expectativas dominantes. No plano das relações entre as nações, é ocioso dizer, a década da globalização foi também a época mais belicosa do período do pós-guerra. Depois do fim da guerra fria, é difícil negar que a evolução dos acontecimentos agravou a sensação de insegurança nas relações mundiais. Como lembrou um artigo recente, o desaparecimento da URSS parece ter colaborado não para atenuar, mas para agravar as preocupações dos aliados dos EUA com a tendência deste país em impor seus interesses de forma unilateral, ao mesmo tempo em que procura enfraquecer seus competidores capitalistas. Nesse quadro de implementação de uma política explícita de defesa de interesses nacionais, “emergiu em todo o mundo uma nova era de sentimento antiamericano”.[71] As evidências amplamente conhecidas sobre a realidade dessa tendência dispensam maiores comentários. Por que, no caso do Brasil, as coisas seriam diferentes?

Vários autores têm destacado a tendência atual ao agravamento das rivalidades entre as grandes potências. Se voltarmos esse mesmo raciocínio para as relações centro-periferia, podemos lançar nova luz sobre as reações dos militares brasileiros à nova ordem mundial. Como é sabido, já nos primeiros anos do pós-guerra fria, surgiram nos comandos militares agudas inquietações diante dos riscos colocados pelo novo quadro internacional. Como mostramos em outro artigo, essas preocupações se focaram de início nas ameaças que a relativização da noção de soberania nacional representava para países como o Brasil[72], em claro contraste com as perspectivas oficiais dos EUA (“as relações através do hemisfério são mais positivas, à medida em que interesses compartilhados promovem confiança mútua e cooperação”).[73] Ao contrário, no decorrer da década de 90, os militares brasileiros desenvolveram uma visão estratégica que, cada vez mais fortemente, passou a ver os Estados Unidos como principal foco de risco para a soberania brasileira. Nesse quadro, cada movimento dos EUA no cenário internacional – guerra do Golfo, guerra do Kosovo, Plano Colômbia, para não falar na intervenção no Afeganistão – atuou no sentido de confirmar a visão de ameaças dos estados-maiores.[74]

Entra aqui a Amazônia. Como procurei mostrar em outro texto,[75] desde pelo menos 1936, o Estado-Maior do Exército brasileiro externava preocupações de que o quadro de rivalidades entre as potências (na época, eram mencionadas França, Inglaterra e Japão) pudesse levar à idéia de conquista de terras na imensa região norte do Brasil. Essas preocupações voltaram com mais força nos anos 50, culminando com a publicação, em 1960, do livro A Amazônia e a cobiça internacional, de autoria de um parlamentar da região - obra até hoje considerada uma espécie de Bíblia pelos militares brasileiros. Durante os primeiros anos do regime militar, a ameaça de guerrilhas na região do Araguaia e a permanência da visão geopolítica que situava nos conflitos com a Argentina as principais hipóteses de estado-maior mantiveram latentes as percepções sobre ameaças externas na Amazônia. A partir de 1975, porém, com a resolução da questão de Itaipu e a derrota da guerrilha de Xambioá, as hipóteses de Estado-Maior puderam se concentrar no norte do país. Foi esse o quadro em que surgiu o Projeto Calha Norte.

No final dos anos 80, recrudesceram no Brasil as preocupações tanto civis como militares com o que se chamou de campanha para a “internacionalização” da Amazônia. No entanto, a expressão mais radical de que o avanço da globalização não atenuou as tensões militares foi a consolidação das hipóteses de conflito voltadas diretamente para a eventualidade de uma invasão da Amazônia por países do Hemisfério Norte. Assim, em meados da década, quando se preparavam para apoiar o governo cujo propósito central era integrar o Brasil no mundo globalizado, os militares brasileiros dispunham de hipóteses de guerra voltadas especificamente para a resistência contra intervenções estrangeiras na Amazônia. Nesse quadro, os documentos do SIPLEX, Sistema de Planejamento do Exército, dividem os cenários de ameaça atuais em duas grandes áreas: a região extra-amazônica e a região amazônica. No SIPLEX-4, a ênfase das hipóteses de conflito recai na última região. Aí, consideram-se duas hipóteses centrais: conflito contra um poder militar igual ou menor que o do Brasil e “contra um poder militar incontestavelmente superior”. Nesse caso, se propõe a aplicação da “estratégia da lassidão”, onde o ponto essencial é encontrar uma forma de resistência capaz de evitar o confronto direto com o inimigo, ao mesmo tempo em que criam as condições para seu lento esgotamento.[76] Por fim, vale mencionar que há fortes evidências no sentido de que a cultura militar brasileira tem hoje como um de seus traços principais uma forte desconfiança com relação às intenções das potências mundiais, sobretudo dos Estados Unidos, no cenário da Amazônia. Como se vê, os anos da globalização não serenaram os ânimos militares com relação às ameaças externas à soberania nacional.

 

Considerações finais

No começo deste texto, mencionamos o paradoxo aparente que opunha, de um lado, a integração dos militares brasileiros ao processo de inserção subordinada do país ao mundo da globalização e, de outro, o aguçamento das inquietações das Forças Armadas diante das ameaças cada vez maiores que a nova ordem mundial vem colocando às novas tradicionais de soberania nacional. No desenvolvimento de nosso argumento, procuramos mostrar que a globalização, ao contrário das visões hegemônicas, é um processo vinculado aos centros do capitalismo mundial, especialmente aos Estados Unidos. Por sua vez, a globalização não pode ser vista apenas como um processo econômico. Sem o exercício do poder dos estados-nações centrais, principalmente dos Estados Unidos, é difícil imaginar que o desenvolvimento do capitalismo seguisse os rumos que seguiu nos últimos vinte e cinco anos. No caso do Brasil, o “vitorioso” programa de reformas implantadas por Fernando Henrique Cardoso representou uma inserção particular e subordinada às novas regras do jogo internacional, capaz de realizar as diretrizes do “Consenso de Washington”, mas até aqui incapaz de cumprir sua promessa principal: a retomada de um novo ciclo de crescimento e efetivo desenvolvimento. Com relação às Forças Armadas, procuramos mostrar que elas têm se constituído num dos pilares do bloco de poder que propiciou o processo de reformas. O outro lado da moeda foi o atendimento de sua principais reivindicações pelo governo de Fernando Henrique, apesar das dificuldades vividas pela economia nacional. Mas o discurso oficial sobre os benefícios universais da globalização é incapaz de impedir alguns efeitos colaterais do surgimento da nova ordem. Entre eles, encontramos o agravamento das tensões internacionais, processo que pode ser facilmente verificado por qualquer leitor habitual dos jornais diários. No caso do Brasil, o apoio das Forças Armadas ao governo Cardoso conviveu com o agravamento das preocupações militares com a soberania nacional. O paradoxo inicial revela-se, assim, apenas aparente. Por suas próprias características, a era da globalização e do pós-guerra fria é capaz de criar sólidos blocos internos pró-globalização nos países da periferia, ao mesmo tempo em que desperta reações nacionalistas em países que almejam desempenhar algum papel no quadro internacional. A forma como a convivência desses dois efeitos da globalização terá nos próximos anos depende da evolução do próprio processo de globalização, cuja trajetória em países como o Brasil tem se marcado por forte instabilidade. De todo modo, segundo todas as evidências aqui apresentadas, parecem sem fundamento as expectativas de que o nacionalismo atual dos militares seja suficiente para aproximá-los das forças sociais que procuram uma alternativa à globalização subordinada.

 



* Este artigo é uma versão um pouco modificada da comunicação apresentada no congresso da International Studies Association, realizado em Nova Orleans, EUA, no final de março de 2002. Agradeço a Felipe Agüero o convite para participar da mesa-redonda sobre as relações entre Forças Armadas e globalização na América Latina. Dois outros colegas merecem minha lembrança: Timothy Harding, pela amizade e pela biblioteca, e Kenneth Serbin, cujos esforços possibilitaram a apresentação de parte dessas reflexões na Universidade de San Diego, no início de março de 2002. As análises do texto são, no entanto, de minha responsabilidade.

** Professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos.

[1] John B. Foster, “Imperialism and Empire”. Monthly Review, New York, nº 53, vol. 7, 2001, p.1.

[2] Ver “Economic globalization: stability or conflict?”. Strategic Assessment 1999. Priorities for a Turbulent World, Washington, DC, United States Department of Defense, National Defense University, p.22.

[3] Chamo aqui de visão vulgar aquela que é transmitida por certos meios de comunicação de massa e nos discursos oficiais. Ela se diferencia da corrente que David Held e Anthony McGrew caracterizam como “globalista”, porque esta última apresenta efetivamente uma explicação teórica sobre a globalização, embora ambas tenham pontos em comum. Ver David Held e Anthony McGrew, Prós e contras da globalização. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2001, p. 11-23.

[4] Thomas Friedman, O Lexus e a oliveira, entendendo a globalização. Rio de Janeiro, Objetiva, 1999, p.31.

[5] Para Held e McGrew estes comporiam a segunda corrente das teorias da globalização: os “céticos”. Um bom exemplo dessa outra visão é o livro de Mark Rupert, que estuda não apenas como se constitui a ideologia da globalização como as duas vertentes fundamentais do movimento antiglobalização nos EUA (a esquerda progressista e a extrema-direita nacionalista e racista). Mark Rupert, Ideologies of globalization. Contending visions of a new world order. London and New York, Routledge, 2000.

[6] Ver “Economic globalization: stability or conflict?”. Op. cit., p.19-38.

[7] Idem, p.20.

[8] Idem, p. 30.

[9] United States Department of Defense, National Defense University, “Western Hemisphere”, Strategic Assessment 1995, U.S. Security Challenges in Transition. Washington, DC, p. 83.

[10].Idem, p.85.

[11] Idem, p.85. Um contraponto interessante seria a capa sobre a globalização que Veja publicou recentemente (29-5-2002), com a pergunta: “Há o que comemorar?”, enquanto logo abaixo esclarecia: “o jogo do capitalismo global criou novas oportunidades de progresso mas, para a maioria dos países em desenvolvimento, a prosperidade continua apenas uma promessa”.

[12] Não por acaso, um dos três temas do December 1994’s Summit of the Americas in Miami foi “Making Democracy Work: Reiventing Government”. “Western Hemisphere, cit., p. 86.

[13] Idem, p.87.

[14] Idem, p.90.

[15] United States Department of Defense, National Defense University, “The Americas”, Strategic Assessment 1998. Engaging Power for Peace. Washington, DC, p.101.

[16] Idem, p.102-106.

[17] Idem, p.105 e segs.

[18] Idem, p.107.

[19] United States Department of Defense, National Defense University, “The Western Hemisphere: Rethinking Strategic Relations?”, Strategic Assessment 1999. Priorities for a Turbulent World. Washington, DC, p. 169-188.

[20] Op. cit., p.96.

[21] Op. cit., p.111.

[22] “The western hemisphere: rethinking strategic relations?”, Strategic Assessment 1999, cit., p. 187.

[23] Fredric Jameson, “Globalização e estratégia política”. Novos Estudos Cebrap, São Paulo, nº 61, novembro de 2001, p.13. (Publicado antes em New Left Review, 4, July-August 2000).

[24] Mark Rupert, op. cit., p.42.

[25] No entanto, isso não impede que os países hegemônicos se apresentem como portadores de interesses universais. Com efeito, seria esse um dos traços constitutivos da atual hegemonia norte-americana, nos quadros do pós-guerra fria e da globalização. Entrariam aí as idéias universais do predomínio do livre-mercado, da defesa dos “direitos humanos” e da democracia eleitoral. Resta saber se o combate ao terrorismo pode ter alguma eficácia nesse sentido.

[26] Giovanni Arrighi, O longo século XX. Dinheiro, poder e as origens de nosso tempo. Rio de Janeiro/São Paulo, Contraponto/Unesp, 1996, p.325.

[27] Nem todos, porém, como se pode ver na análise de Mark Rupert sobre a oposição de extrema-direita à globalização nos EUA. Ver. Op. cit., p. 94-118.

[28] José Luís Fiori, Brasil no espaço. Petrópolis, Vozes, 2001, p. 99.

[29] Para Arrighi, o aguçamento da luta com a URSS, associada ao mecanismo da dívida pública, “criou as melhores oportunidades para o capitalismo ocidental desfrutar de mais um ‘momento maravilhoso’ de riqueza e poder sem precedentes”. Ver Giovanni Arrighi. Op. cit. p.328.

[30] Idem, p.142. Ver também, a este respeito, Giovanni Arrighi, op. cit., p. 327-328.

[31] Idem, p. 334.

[32] Idem, p. 335.

[33] José Luis Fiori. Op. cit., p. 142.

[34] “Imperialism and empire”. Op. cit., p. 14.

[35] Entendemos “globalização subordinada” no sentido definido, entre outros, por José Luís Fiori. O conceito pressupõe, por um lado, o sucesso do projeto de globalização – com a implementação, no plano das políticas econômicas, de medidas de estabilidade monetária, abertura aos mercados financeiros mundiais, desregulamentação e privatização de empresas estatais. No plano político, compreende a vitória da visão do “pensamento único”, que implica na necessária continuidade dos governos pró-globalização, como alternativa “única” diante das exigências econômicas e tecnológicas vigentes no plano mundial. Contudo, essa forma de inserção na globalização não resultou até aqui em um novo ciclo de crescimento, provocou imensas conseqüências sociais – desemprego, crise na segurança pública, calamitosa situação da saúde pública, etc –, foi incapaz de evitar a crise financeira de janeiro de 1999 e parece ter estreitado, ao invés de ampliar, a margem de manobra para a definição autônoma de uma via de desenvolvimento para o país. Ver José Luis Fiori, Os moedeiros falsos. Petrópolis, Vozes, 1998 e Brasil no espaço. Op. cit.

[36] Cf. Os moedeiros falsos. Op. cit., p. 159-60.

[37] Nesse sentido, segundo ainda José Luís Fiori, a última tentativa de mudar o rumo do processo teve lugar em 1987, quando um grupo de economistas do governo propôs, sem sucesso, “uma completa reorganização do sistema financeiro público, com uma reorganização do setor produtivo estatal, na forma de uma grande holding capaz de enfrentar os novos desafios impostos pelo avanço da onda de internacionalização, que começava a se acelerar em todo o mundo”. Ver Os moedeiros falsos, cit., p. 160.

[38] Já se apontou que, no Brasil, assim como Espanha e na França, essa condição foi atendida graças ao papel desempenhado por um presidente advindo da esquerda política. Ao contrário, porém, de Miterrand e Felipe Gonzáles, Fernando Henrique não esperou o início de seu governo para mudar os rumos de seus compromissos eleitorais: já na coalizão eleitoral estava clara a formação de um bloco de centro-direita que permitia caracterizar o projeto de Cardoso, mesmo antes da eleição, como de aggiornamento do autoritarismo brasileiro. Ver, nesse sentido, o artigo de José Luís Fiori, “Os moedeiros falsos”, escrito seis meses antes da posse de Cardoso, no livro homônimo, cit., p. 11-21.

[39] Os moedeiros falsos, cit., p.11 e segs..

[40] Segundo o Strategic Assessment 1999, “se o FMI não existisse, teria que ser inventado. Para os Estados Unidos, o FMI apresenta uma das poucas oportunidades remanescentes para perseguir iniciativas de política externa sem interferência política indevida” (p.26).

[41] Os moedeiros falsos, cit., p.110.

[42] “The Americas”, Strategic Assessment 1998, cit., p.104.

[43] “Impasse com os militares atrasa cortes”, Folha de S.Paulo, 5-4-1995.

[44] “Marinha comemora verbas: FHC nega privilégio militar”, Folha de S.Paulo, 7-9-1995.

[45] “Exército pressiona FHC a liberar verbas”, Folha de S.Paulo, 23-3-1996.

[46] “Sai reajuste para militares”, O Estado do Paraná, 6-5-1998.

[47] Mário César Flores, “Rumos para a defesa”, Jornal do Brasil, 1-4-1997.

[48] Para os dados do gráfico, cf. Stockholm International Peace Research Institute, SIPRI Yearbook 1992 World Armaments and Disarmament. Oxford, Oxford University Press, 1992; SIPRI Yearbook 2001 Armaments, Disarmament and International Security. Oxford, Oxford University Press, 2001 e United States Arms Control and Disarmament Agency, World Military Expenditures and Arms Transfers 1990, Washington, DC; World Military Expenditures and Arms Transfers 1993-94, Washington, DC; World Military Expenditures and Arms Transfers 1998, Washington, DC.

[49] Para este gráfico, ver United States Arms Control and Disarmament Agency, World Military Expenditures and Arms Transfers 1993-94, Washington, DC; World Military Expenditures and Arms Transfers 1998, Washington, DC.

[50] “Ministro militar descarta equiparação de salários”, O Estado de S.Paulo, 23-1-1995.

[51] “Gandra fala em 'incerteza e insegurança”, O Estado de S.Paulo, 24-3-1995.

[52] “FHC promete dar aumento para os militares”, O Estado de S.Paulo, 19-8-1995.

[53] “Militares querem política salarial própria”, O Estado de S.Paulo, 30-3-1996.

[54] “FHC promete reajuste para as Forças Armadas”, O Estado de S.Paulo, 11-12-1997.

[55] “Para o ministro da Marinha, situação salarial dos militares é muito ‘difícil’”, O Estado de S.Paulo, 12-12-1997.

[56] “Governo tem R$ 2 bi para pessoal”, Jornal do Brasil, 12-2-1998.

[57] Ver Presidência da República, Política de Defesa Nacional. Brasília, DF, 1998.

[58] Jorge Zaverucha, “Brazil’s New World Order”, Nacla Report on the Americas, XXXV (4), January-February 2002, p.8-10. Em julho de 1997, o Centro de Comunicação Social do Exército reconheceu a existência dessas companhias, embora “sem função ideológica”. Cf. “SNI ainda faz espionagem”, Jornal do Brasil, 24-7-97.

[59] Zaverucha, op. cit., p.9.

[60] Ver João Roberto Martins Filho, “O governo Fernando Henrique e as Forças Armadas: um passo à frente, dois passos atrás”, Olhar, São Carlos, 2 (4): 104-119. Dezembro 2000 e Martins Filho e Daniel Zirker, “The Brazilian military under Cardoso: overcoming the identity crisis”, Journal of Intermerican Studies and World Affairs, 42(3): 143-170, Fall 2000.

[61] “Exército pode intervir em usina e refinaria”, Folha de S.Paulo, 13-5-1995.

[62] “Exército ocupa refinarias, mas evita confronto com grevistas”, Jornal do Brasil, 25-5-1995.

[63] “Coluna do Castelo”, Jornal do Brasil, 25-5-1995.

[64] “Exército faz plano para impedir ação do MST no Pará”, O Estado de S.Paulo, 5-5-1996.

[65] “Chegada do Exército ao Pará inquieta o MST”, O Estado de S.Paulo, 1-4-1998

[66] “Exército volta a ocupar estrada de Parauapebas”, 12-1-1999, O Estado de S. Paulo, 12-1-1999.

[67] “General acha que MST não influirá na campanha”, O Estado de S. Paulo, 12-8-1998.

[68] “Almirante afirma que crise não abala reeleição”, O Estado de S. Paulo, 28-8-1998.

[69] "Falou demais", Veja, 2-9-1998.

[70] “FHC em Guerra com MST”, Correio Braziliense, 24-4-2000.

[71] David N. Gibbs, “Washington’s new Interventionism: U.S. Hegemony and Inter-Imperialist Rivalries”, Monthly Review, 53(4), September 2001, p. 21.

[72] João Roberto Martins Filho e Daniel Zirker, ‘The Brazilian Military and the New World Order”, Journal of Political and Military Sociology, 24 (Summer 1996): 31-55.

[73] “Western Hemisphere”, Strategic Assessment 1995, U.S. Security Challenges in Transition. Washington, cit., p. 83.

[74] Ver, a este respeito, João Roberto Martins Filho e Daniel Zirker, “Nationalism, national security and Amazônia: military perceptions and attitudes in contemporary Brazil”, Armed Forces & Society, 27 (1): 105-129, Fall 2000.

[75] “A visão militar sobre as “novas ameaças” no cenário da Amazônia brasileira”, texto apresentado no Congresso da Associação de Estudos Latino-Americanos, Washington, DC, 6 a 8 de setembro de 2001.

[76] Estado-Maior do Exército, “Concepção Estratégica do Exército”, SIPLEX-4-Extrato.